4. DANO MORAL EM REDES SOCIAIS
O dano moral é, sem dúvida, um dos temas mais debatidos atualmente. Calcado no grande avanço dos direitos humanos, materialmente garantidos por nossa constituição e normas infraconstitucionais. A proteção da honra e imagem do individuo nunca foram tão prestigiados e defendidos.
Em contrapartida, a implementação da internet na vida cotidiana tem impingindo um ideário de liberdade plena onde tudo pode ser postado, criando, indubitavelmente, uma grande celeuma. De um lado, a proteção a honra e a imagem, e do outro, a garantia da liberdade. Em boa tese utópica, ambas poderiam conviver de forma pacifica. Porém, nem sempre os direitos são respeitados, e os conflitos aparecem.
Como já mencionado ao norte deste trabalho, as redes sociais devem ser encaradas como extensões das relações sociais físicas, ou seja, o mundo cibernético não deve ser visto como um universo paralelo e sim como um ambiente de interação entre indivíduos que realmente são dotados de existência, e que o usam para seu trabalho, lazer, etc., ou seja, uma mera extensão de suas vidas.
A esse respeito, imprescindível a citação literal de trecho da obra de Janine Maria Freitas Barros:
Apesar de toda a exigência que a sociedade, indiretamente, impõe de “entrar para o mundo virtual”, deve-se ter em mente que ainda somos seres humanos e merecedores da mesma proteção e dos mesmos direitos dos nossos antecedentes. Independentemente de se viver em um mundo com uma tecnologia avançada, não se pode perder a característica de pessoas humanas, portadoras de direitos da personalidade (BARROS, 2007, p.22/23).
A ideia trabalhada no breve enunciado traduz a realidade de uma sociedade que vive uma era de grande transformação. O avanço tecnológico criou esses novos campos de interação, mas as boas condutas sociais devem ser respeitadas tanto no “mundo físico” quando no “mundo virtual”.
Infelizmente é comum nos depararmos, quase que diariamente, com notícias nos meios de comunicação informando acerca de conflitos que ocorrem dentro das redes sociais, tornando-as verdadeiros campos de batalha, geralmente guinado por ataques aos direitos personalíssimos, o que por consequente acaba por gerar, em muitos casos, um dano moral.
O dano moral, dada a grande subjetividade que lhe é inerente, é um instituto complexo e a problemática ganha contornos ainda maiores quando o dano ocorre dentro de uma rede social. Se no meio físico um dano que lhe é capaz de atingir a honra e imagem já gera um grande transtorno, imagine em um meio onde a informação circula de forma frenética em questão de segundos e sem limitação geográfica.
As violações aos direitos da personalidade no meio virtual vão desde de divulgação de fotos, imagens e sons sem autorização, até ataque diretos a honra com publicações com teor ofensivo, injurioso, calunioso ou difamatório.
Em sua venerável obra, José Caldas Gois Junior, com clareza e simplicidade, discutindo sobre tema, apresenta:
Artistas, políticos e outras personalidades públicas são constantemente alvo de ataques á moral, à imagem, vítimas de acusações e alvo de insultos através dos canais da rede. Abundam pela rede sites do tipo “eu odeio Sandy e Júnior”, “eu odeio funk carioca ou eu odeia a Telefônica”, de nítido conteúdo ofensivo, ou com informações falsas ou distorcidas: o site Gatas Gostosas, através de imperceptíveis processos de montagem digital, exibe a foto de artistas famosas em cenas de sexo explícito que as mesmas nunca protagonizaram na frente das câmeras (GOES JÚNIOR, 2001, p.147).
Contudo não são somente as personalidade públicas que estão propensas a se tornarem vítimas de tal dano, “mesmo pessoas comuns por vezes são perseguidas por desafetos, ex-companheiros que se aproveitam da rede para instalarem um clima de terror na vida de tais usuários” (GOES JÚNIOR, 2001, p.147).
Infelizmente, tal situação vem se tornando cada vez mais comum, quase beirando a banalidade. Em tais caos o computador, por vezes, tem se tornando uma vitrine de exposição global, onde as pessoas regurgitam suas mágoas, frustrações, disseminam ódio, pré-conceitos e discriminações, sem haver qualquer ponderação dos indivíduos que serão atingidos ou os danos que poderão ocorrer. Ou o que é ainda pior, tais condutas podem ser intencionalmente direcionadas para atingir e causar danos.
Em verdade, o dano moral pode se configurar tanto no mundo físico, quando no mundo virtual. Em que pese a ilusória cortina de mundo paralelo dotado de plena liberdade, as consequências são bem concretas e por vezes até mais graves, afinal, um ilícito praticado numa rede social tem uma visibilidade muito maior e mais rápida, podendo chegar a pessoas de todas as partes do mundo.
A título de exemplo, no primeiro semestre de 2012, um grande estardalhaço ocorreu em todas as redes sociais quando a atriz Carolina Dieckmann teve seu computador invadido, de onde foram copiados arquivos de suas fotos em poses íntimas. As fotos caíram na rede e não há como se verificar as milhares de pessoas que tiveram acesso a tais imagens. Felizmente, graças a uma boa atuação da polícia e dos avanços da tecnologia de investigação, os responsáveis foram identificados e responsabilizados.
Analisando o caso, verifica-se que é latente o dano aos direitos personalíssimos da atriz, afinal, ela teve sua intimidade e imagem expostas, contra sua vontade, de maneira traumática e com prováveis consequências. Em que pese a qualidade de artista e figura pública que lhe é particular, ela é um ser humano como qualquer outro, com família, amigos e valores.
Imponente o posicionamento adotado pela melhor doutrina, ao apreciar os fundamentos aplicáveis ao caso em comento:
Nessas circunstancias, para fins de responsabilidade, é muito importante se ter que mais das vezes tem-se admitido nas nossas cortes que as violações cometidas devem ser reparadas, não estabelecendo-se censura prévia, mas estabelecendo forma de indenização, que pode envolver dano moral, cuja composição não é só o denominado preço da aflição, porque cada vez mais o mundo passa a ter uma forma de compreensão, que não se restringe a servir de exclusivo mecanismo de sanção para o infrator, mas também na forma de indenização cabal daquela dor, para que ela não exista mais. Deve, também, ser sancionatória, de tal sorte que seja de uma só vez, como indenização e que também de sanção para que não se repita o dano moral pelo mesmo ofensor (LOTUFO, 2001, p.240)
O foco principal demonstrado pelo autor assenta-se na reparação do dano moral por meio da responsabilização civil. Apontando a indenização pecuniária como a solução satisfativa pelo dano enfrentado. Uma forma de punir o agente infrator, atingindo-o em sua esfera patrimonial, de forma a punir e educar, para que não ocorra nova transgressão.
Como já salientado em capitulo próprio, a responsabilidade civil encontra-se basilada em três elementos que lhe são essenciais, quais sejam, o ato ilícito, o nexo de causalidade e o dano. Traçando um paralelo entre o dano moral que ocorre no meio social físico e o dano moral ocorrido dentro de uma rede social, não observamos características distintivas, mas tão somente, diferença do “território” onde o dano ocorrera.
A responsabilidade civil imposta ao dano moral que ocorre dentro do meio virtual, conta com os mesmos elementos constitutivos, quais sejam, a conduta de um agente – ato ilícito, que provoca um dano, existindo aí uma tênue linha que liga a conduta ao resultado danoso. Há o encaixe da teoria da responsabilidade civil ao instituto do dano moral ainda que ele seja praticado no meio cibernético, portanto plenamente aplicável.
4.1. A CARÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA
O objetivo do ordenamento jurídico é a regulamentação das relações humanas. Garantindo um mínimo organizacional, necessário para que as pessoas possam conviver pacificamente. Ao longo da evolução histórica, vimos esta regulamentação se desenvolver. Nos primórdios tudo era baseado em costumes e tradições passadas de uma geração à outra. Evoluindo gradativamente até chegarmos nos dias atuais com códigos complexos, escritos, abstratos e cogentes.
Impossível ao ordenamento jurídico prever todas as situações que podem surgir. Primeiro porque seriam necessárias leis e mais leis para dar conta de todas as situações, e segundo porque a sociedade é dinâmica, muda constantemente, e algumas vezes o ordenamento não consegue acompanhar esta evolução. De fato, se existissem leis regulamentando cada mínimo detalhe de um ilícito seria impossível conhecer a todas elas.
Porém, certas evoluções precisam ser normatizadas dada a grande relevância social que acabam por abarcar. Neste contexto que se insere a grande revolução da informática, que acabou por criar a internet, e por conseguinte as redes sociais.
Tecendo uma analise do nosso ordenamento jurídico, não encontramos nenhuma regulamentação específica para tratar dos ilícitos, sejam civis ou penais, praticados na rede mundial de computadores, exceto o que concerne a direitos autorais, marcas e patentes. Um fato um tanto quanto preocupante, afinal como encontra-se estatuído no artigo 5°, II, de nossa Constituição “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Tal postulado dá ensejo a interpretação de que na esfera do direito privado tudo que não esteja proibido, está, em tese, permitido.
Muito provavelmente está falta de regulamentação especifica, é que causa, aliadas a demais fatores, a sensação de plena liberdade e impunidade que muito usuários infratores tem ao praticar condutas reprováveis dentro dos sites de relacionamento. Sem leis, pressupõem impunidade.
É inquestionável a necessidade de o ordenamento jurídico acompanhar o avanço social, sob pena de restar anacrônico, obsoleto e falho. E, as inovações trazidas pela internet, dentre elas principalmente estas mídias sociais, requerem um mínimo legal para efetivar a proteção e dar efetividade as garantias fundamentais aos direitos inerentes aos indivíduos, estejam eles conectados ou não.
As obras de Direito Constitucional e Direitos Humanos mais contemporâneas, já vislumbram o surgimento dos direitos fundamentais (direitos humanos) de quinta geração, sendo que estes encontram garrida no advento da internet. Tratam-se de direitos mínimos de acesso a rede mundial de computadores, de forma a garantir uma inclusão e o acesso a informação. Tudo isso sem afastar as garantias e direitos personalíssimos, mas sim estendendo tais garantias ao mundo virtual. Nesta linha:
Quinta geração: são os direitos provenientes da internet e da tecnologia. O direito ao acesso e à difusão da informação são os pontos centrais e a liberdade de expressão volta a ser tratada nessa geração (NOGUEIRA, 2012, p.1005).
Assim, pondera-se não pela necessidade de um código especifico, mas sim por melhorias em nossa legislação, que atualmente não abarcar tais situações, tendo que se socorrer de elementos esparsos de forma subsidiária, e devido a isso os nossos tribunais tem decidido causas com fundamentos fáticos extremamente parecidos de forma totalmente diferenciadas.
Por fim, cumpre-nos fazer um breve adendo sobre o Projeto de Lei da Câmara n°35/2012, ou como ficou conhecido “Lei Carolina Dieckmann”. A referida lei ganhou força na Câmara do Deputados e no Senado Federal após o fatídico episodio no qual o computador da atriz que lhe dar nome fora invadido e de lá foram copiadas fotos nas quais ela se encontrava em ‘poses íntimas’. Sendo que os responsáveis pela invasão começaram a usa tais imagens para chantageá-la.
Como já mencionado, neste trabalho, as investigações foram bem-sucedidas, os responsáveis identificados e o caso, após amplamente divulgado pela impressa, já está sob a análise do poder judiciário. Havemos de concordar que a grande pressão da mídia, sobre este caso, colocou em foco a questão da fragilidade de alguns pontos envoltos na internet, o que acabou por gerar uma grande pressão em desfavor do Poder Legislativo.
Em que pese as criticas contrarias e favoráveis à referida ‘Lei’, esta foi aprovada nas duas casas do Congresso Nacional e remetida para sanção ou veto presidencial no dia 31 de outubro de 2012. Assim, efetivamente ainda não existe uma legislação específica. E, ainda que venha a ser sancionada, o que de fato deve ocorrer, esta passara por um período de vacância de 120 dias, e tão somente depois deste é que poderá ser exigida. Além disso a nova lei somente abarca a esfera penal, deixando a esfera civil ainda carente de legislação, neste tocante.
4.2. O MARCO CIVIL DA INTERNET
Como salientado a carência de legislação específica tem sido um grande problema enfrentado por nossos tribunais na busca pelo restabelecimento da ordem social, quando da prática de condutas danosas, perpetradas no meio virtual, bem como tem sido uma verdadeira batalha a busca pela uniformização da jurisprudência.
Em que pese as várias propostas legislativas que pretendem disciplinar o tema, o Projeto de Lei 2.126/2011, tem ganhado um grande destaque neste senário. Trata-se de uma espécie de “microcódigo”, composto por 25 artigos, que de maneira muito bem organizada, estabelece os princípios, as garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Estado Brasileiro.
Conhecido como Marco Civil da Internet, o Projeto de Lei 2.126/2011 estabelece um regulamento civil do uso da Internet no Brasil. A abertura dos debates sobre a necessidade de um marco regulatório civil quanto à utilização da Internet foi iniciativa do Ministério da Justiça (MJ) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV). (ARAÚJO, 2012, p.1).
O projeto de Lei – Marco Civil da Internet- encontra-se escalonado em cinco capítulos, sobre os quais passaremos tecer breves comentários, salientando os pontos de maior relevância.
O primeiro capítulo – intitulado Disposições Preliminares – estabelece os fins perquiridos pela Lex, enumerando seus fundamentos, princípios e objetivos. Chegando à minúcia de conceituar, em seu artigo 5°, Internet, terminal de acesso, administrador de sistema autônomo, endereço IP (Internet Protocol), conexão à internet, registro de conexão, aplicações da internet e registro de acesso a aplicações de internet (Projeto de Lei2.126/2011, s.p). Tratam-se de conceitos que apesar de formados de forma simplória, são de incomensurável relevância para traçar os limites de abrangência que se pretende alcançar.
Em partícula, destacamos o artigo terceiro, o qual apresenta os princípios norteadores do referido projeto, in verbis:
Art. 3° A disciplina do uso da Internet no Brasil tem os seguintes princípios:
I - Garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição;
II - Proteção da privacidade;
III - proteção aos dados pessoais, na forma da lei;
IV - Preservação e garantia da neutralidade da rede, conforme regulamentação;
V - Preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas;
VI - Responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei; e
VII - preservação da natureza participativa da rede.
Parágrafo único. Os princípios expressos nesta Lei não excluem outros previstos no ordenamento jurídico pátrio relacionados à matéria, ou nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. (Projeto de Lei 2.126/2011, s.p).
Os dispositivos, supra, reafirmam os direitos e garantias constitucionalmente previstos e em particular destaque, apresenta a solução para as controvérsias acerca da aplicação da legislação esparsa aos casos de responsabilização civil pelas condutas perpetradas no meio virtual. Tal solução é extraída da análise conjunta do inciso VI com o parágrafo único. Assim, determina a responsabilização nos limites dos atos praticados e a observância do ordenamento jurídico como um todo harmônico, que possibilita a aplicação da legislação, nacional, esparsa, bem como de tratados internacionais que a República Federativa do Brasil seja signatária.
O segundo capítulo – Dos Direitos e das Garantias dos Usuários -, compreende os art. 7° e 8°. O sétimo destaca a importância da internet ao exercício da cidadania, garantindo a inviolabilidade e o sigilo das comunicações/informações que transitam pela rede, salvo por determinação judicial. Um paralelo evolutivo do direito constante do inciso XII, do artigo 5° da Constituição da Republica, se não vejamos:
É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 1988, s.p).
Já o artigo 8° (A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à Internet), traz a pedra de toque das discursões que envolvem o tema, ou seja, liberdade de expressão. Em suma, o artigo reafirma a liberdade garantida pela própria Constituição, sendo a liberdade plena, mas com a responsabilização quando da infringência dos direitos de outrem.
O terceiro capítulo intitulado Da Provisão de Conexão e de Aplicação da Internet, regulamenta a transmissão dos dados, independentemente de sua origem, devem ter o mesmo tratamento, um verdadeiro enfoque no princípio da isonomia, de forma que todos os usuários sejam tidos por iguais. O referido capítulo dispõe, ainda, sobre a guarda de registros em geral, de conexões e de acesso a aplicações da internet, sempre ressaltando a proteção a vida privada, intimidade, honra e a imagem dos usuários.
Ainda dentro do terceiro capítulo, a seção III merece especial destaque, tendo em vista tratar da responsabilidade pelos danos causados por conteúdos inseridos por terceiros. Vejamos:
Seção III - Da Responsabilidade por Danos Decorrentes de Conteúdo Gerado por Terceiros
Art. 14. O provedor de conexão à Internet não será responsabilizado por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.
Art. 15. Salvo disposição legal em contrário, o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente.
Parágrafo único. A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.
Art. 16. Sempre que tiver informações de contato do usuário diretamente responsável pelo conteúdo a que se refere o art. 15, caberá ao provedor de aplicações de Internet informar-lhe sobre o cumprimento da ordem judicial. (PROJETO DE LEI 2.126/2011, s.p).
Os dispositivos encontram-se em consonância com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que tem esposado a tese da responsabilidade subjetiva, ou seja, avaliando-se o elemento culpa na conduta exarada pelo provedor de conteúdo. Deixemos tal discursão para o momento oportuno, tendo em vista ser, o posicionamento adotado, atualmente, STJ e objeto de capítulo próprio no presente trabalho.
O quarto capítulo – Da Atuação do Poder Público -, prever o princípio da colaboração entre os entes da federação – União, Estados, Distrito Federal e os Municípios -, visando a melhora dos serviços de forma transparente, colaborativa e democrática, permitindo o acesso e garantindo a inclusão digital, por meios de políticas públicas de cunho social. Nesta linha, desponta, as ponderações feitas por Aisla Neilia de Araújo, vejamos:
Por determinação do artigo 22, será dever do Poder Público utilizar a Internet como “ferramenta social”, desenvolver Políticas Públicas de modo colaborativo, integrar grupos sociais e disponibilizar informações para estimular o questionamento e transformação do meio social, reduzir a desigualdade entre as regiões brasileiras ao sustentar “a produção e circulação de conteúdo nacional”, nivelando o acesso ao conhecimento e desenvolvimento intelectual. (ARAÚJO, 2012, p.7).
E por fim o capítulo das Disposições Finais, que traz uma grande inovação, a possibilidade de tutela coletiva estabelecida no artigo 24 “A defesa dos interesses e direitos estabelecidos nesta Lei poderá ser exercida em juízo, individual ou coletivamente, na forma da lei”. Cumpre, por fim, ressaltar que se trata de um projeto, que apesar de seu grande potencial e credibilidade alcançados, ainda será objeto de discursões e aperfeiçoamentos.
4.3. A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Grande marco do direito brasileiro, a Constituição Federal do 1988, incluiu em seu bojo a defesa do consumidor, inserindo-a no campo dos direitos e garantias fundamentais, em seu art. 5º, inciso XXXII: “o Estado proverá, na forma da lei a defesa do consumidor”. O que fora efetivado pela Lei 8.078/90.
Para que se possa entender a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nas relações que ligam os usuários as redes sociais, faz-se necessário a conceituação de alguns institutos bem como a definição do mesmo. BARROS (2007, p.18) ressalta que “o CDC é um conjunto de normas de natureza cogente, ou seja, suas regras não podem ser alteradas pelas partes; o direito é indispensável”.
Reafirmando a grande importância da legislação em comento descreve-se:
Tendo nascido de expressa disposição constitucional, a Lei 8.078/90 impede a instituição de textos normativos que tenham por fim afastar ou impedir a aplicabilidade do seu texto, em questões que envolvam relações de consumo, vez que seu surgimento teve por finalidade dar concretude às regras e princípios inerentes à defesa do consumidor preceituados na Carta Magna. Sendo assim, afastar a aplicação da Lei consumerista é negar vigência a uma cláusula pétrea: a defesa do consumidor (CAMPOS, 2012, p. 8).
Tendo base constitucional e natureza cogente, o CDC busca equilibrar a relação consumerista, amparando o hipossuficiente, primando pelo princípio da igualdade material e por consequência o princípio da dignidade da pessoa humana. Assim seus postulados são inderrogáveis pela vontade das partes.
Admissível, agora esclarecer os conceitos de consumidor e fornecedor, encontrados nos artigos 2º e 3º do CDC, respectivamente:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
[...]
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (Lei 8.078/90 – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, s.p).
No que concerne ao consumidor o próprio artigo é de clareza absoluta e inconteste, podemos desta forma visualizar a figura de usuário das redes sociais como um consumidor, tendo em vista que este é o destinatário final do serviço prestado pelos provedores de conteúdo que administram as páginas. Ele é o hipossuficiente, em situação de vulnerabilidade seja ela econômica, técnica ou jurídica.
Corroborando com tal consagramento:
A relação jurídica existente entre consumidor e fornecedor é diferente das demais, pois eles se encontram em patamares diferentes, há uma relação de desigualdade. Em virtude disso, o Código de Defesa do Consumidor trata-os de maneira desigual, buscando, assim, um equilíbrio relacional (BARROS, 2007, p.20).
De outra banda, demandando uma análise mais complexa encontra-se a figura do fornecedor, que no caso em apreso é uma pessoa jurídica de direito privado, a grande maioria multinacional, que presta um serviço. E até este ponto não a dúvida quando ao encaixe do provedor que administra os sites de relacionamento à figura do fornecedor. A grande discussão gira em torno do conceito elencado no parágrafo segundo do artigo 3° do CDC, quando da análise da expressão ‘mediante remuneração’, ou seja, o serviço exige uma contraprestação pecuniária, e ai se encontra uma grande celeuma, afinal, em tese, os serviços ofertados nas redes sociais são disponibilizados sem haver a cobrança de valores pecuniários dos usuários.
Deste modo, tem-se a impressão que não poderia se caracterizar uma relação de consumo, por não haver uma contraprestação feita diretamente pelos usuários. Ocorre que em tais paginas da internet, geralmente nas barras laterais são enfileirados vários anúncios publicitários, ou seja, as empresas pagam para que suas marcas apareçam para o maior número de pessoas possíveis. Configurando assim a obtenção de lucro, por parte dos provedores, ou seja, ocorre uma remuneração/contraprestação de forma indireta.
As relações de consumo devem ser afetas pelo Estado. Lhe é inerente assegurar condições mínimas para que o consumidor seja respeitado, especialmente no que tange a sua saúde, segurança e interesse econômico. Este deve encontra-se expresso no corpo normativo do Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 4°, se não vejamos:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I - Reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
II - Ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:
a) por iniciativa direta;
b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;
c) pela presença do Estado no mercado de consumo;
d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho (LEI 8.078: CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, 1990, s.p).
Trata-se de uma inversão de posições, o Estado sai de uma posição da passividade e passa a ter de atuar por meio da adoção de modelos jurídicos e políticos capazes de fiscalizar e garantir relações de consumo justas e equilibradas.
Nesta linha de raciocínio temos o brilhante ensinamento apresentando, pela ilustre pesquisadora gaúcha, Janine Maria Freitas Barros, em sua festejada monografia:
Infere-se que as normas do CDC são de ordem pública, pois disciplinam instituições jurídicas fundamentais e garantias de segurança nas relações jurídicas. O principal objetivo do CDC é equilibrar as relações de consumo e não prejudicar nenhuma das partes (BARROS, 2007, p.19).
Fixadas tais premissas, restou comprovada a existência de uma relação consumerista entre o usuário e o provedor, e assim passível a aplicação do CDC nos litígios que envolvam tais partes. Corroborando com este entendimento, tem-se:
A partir da análise da relação existente entre os provedores de sites de relacionamento e as vitimas de ações realizadas no âmbito da internet, vislumbra-se que resta configurada uma relação consumerista, devendo, portanto, ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor. Isso ocorre, pois os sujeitos da ação (autor/ réu) enquadram-se perfeitamente nos conceitos de consumidor e fornecedor. (NEDEL; SCHVARCZ, 2011, p.4).
Deste modo, pela conjuntura dos entendimentos, sintetiza-se que os provedores, encaixam-se perfeitamente ao enunciado conceitual de fornecedores de serviço. E como tal, tem o dever de informar sobre a segurança, os termos da prestação do serviço e o zelo com o trato das informações. Sofrendo as consequências decorrentes da má prestação do serviço, especialmente se tal fato acarretar danos a seus usuários, porém, estas questões ainda ficam ao amparo da via judicial, quando não resolvidas de fora interna e administrativamente pelos provedores, já que inexiste ferramentas, efetivas, de fiscalização.
4.4. A RESPONSABILIDADE PENAL
A criminalidade, acompanhando a evolução social, adentrou o mundo virtual, dando origem a novas condutas criminosas ou dotando de nova roupagem condutas já descritas nas normas penais. “Os crimes de informática” (GOIS JUNIOR, 2001, p.119), tidos como aqueles praticados por intermédio de um computador, abrangem diversas tipificações penais, tais como, a calúnia, a injúria, a difamação, a pedofilia, dentre diversas outras, que são perpetradas pelo uso dessa fabulosa máquina conectada a rede mundial de computadores.
No campo penal, assim como no âmbito civil, nos deparamos, mais uma vez, com dois grandes problemas. O primeiro é a carência de legislação específica, que possa delinear as tipificações penais, haja vista que, inexiste um “código penal digital”, definindo o que é ou não crime na rede.
O segundo empasse remonta, mais uma vez, quando já praticada a conduta delituosa, e não se consegue efetivamente, descortinar o agente que perpetrou o ato. Afinal, é comum o uso de identidades falsas e do próprio anonimato quando o agente tem o animus delituoso. E ainda, muitas vezes, o usuário infrator faz uso de computadores públicos ou de uso coletivos, como em lan house e cybercafés, o que acaba por tornar praticamente impossível sua identificação, pois, ainda que ocorra uma investigação aprofundada e se chegue ao computador usado para perpetrar a violação, resta a dificuldade de se identificar quem estava usando a máquina naquele momento.
Mais uma vez, com seu pontual e preciso vocabulário, José Gois Junior Obtempera:
Diante da urgência de regulamentação há quem defenda uma lei específica e severa para tratar do assunto com a criação de tipos penais para cada hipótese de delito cometido por meio da informática. Outra corrente diz que é suficiente a revisão do Código Penal porque a legislação já define os crimes de falsidade, estelionato e outros que podem ser perpetrados por meio do computador. (GOIS JUNIOR, 2001, p.120)
O emérito professor descreve o posicionamento de duas correntes. A primeira, um tanto radical, prega o surgimento de regras próprias para disciplinar as condutas praticadas na internet, com a criação de institutos e descrevendo os novos delitos, ou seja, uma inovação jurídica especialmente criada para tipificação de condutas indesejadas. A segunda corrente, mais branda, prega a reforma do Código Penal em vigor, com o fito de adequá-lo a nova realidade social. Em que pese ambos os posicionamentos, um fundamento lhes é comum, a necessidade de criação de normas específicas, de forma a punir de forma adequada os infratores e freia os crimes praticados por meio do mundo virtual, que vem crescendo de forma vertiginosa.
Outra grande problemática enfrentada pela responsabilidade penal é a questão da competência. Haja vista a dificuldade em se identificar o local da infração ou até mesmo o crime pode ser praticado, remotamente, de qualquer lugar do mundo.
A questão da competência, ainda, se desdobra em dois pontos, o primeiro diz respeito ao caráter territorial, neste ponto José Caldas Gois Junior, pondera:
O Código Penal Brasileiro, quanto ao disposto no art.4° (tempo do crime), adota a Teoria da Atividade. Já quando ao local da ocorrência adota a Teoria da Ubiquidade. Esta questão torna-se relevante quando se trata de reprimir os atos cometidos via rede. Mesmo antes do advento da internet já havia ocorrido caso de o agente brasileiro atravessar a fronteira e, através de uma emissora de rádio estrangeira, praticar atos delituosos contra a honra de brasileiros aqui residentes, o que se assemelha a se colocar um site ofensivo num provedor estrangeiro. (...) o iter criminis ocorreu no estrangeiro, excetuando-se o resultado que foi no Brasil. Tem-se portanto, que ter cautela com o disposto no art.70 do Código de Processo Penal, que fala do lugar em que se consuma o delito. (GOIS JUNIOR, 2001, p.126)
A competência territorial, especialmente no que concerne aos crimes praticados em outros países, sempre encontrará limitação no princípio da territorialidade. Afinal não há de se pensar na aplicação da lei brasileira fora de seus limites geográficos, nem tão pouco, da aplicação de legislação alienígena contra nossos cidadãos, dentro de nossas fronteiras. E, aí surge uma grande problemática, afinal, cada país é livre para criar suas próprias normas, e uma conduta considerada crime em um Estado pode não ser considerado em outro, ou ainda, ser considerada crime em ambos os Estados, só que com penas bem distintas. Surge, então, o impasse sobre qual legislação aplicar.
O esboço apresentado pelo supramencionado tratadista comunga do entendimento de se aplicar a lei do local onde o delito se consuma, e por consequência este também seria o foro competente para apreciar a demanda.
O que nos faz chegar ao segundo ponto, relativo à competência, qual seria a justiça competente para julgar os crimes praticados via internet? A justiça comum estadual ou a justiça federal? A resposta a estes questionamentos veio com o informativo 0495 do Superior Tribunal de Justiça, que por sua rigorosa cátedra merece transcrição literal:
CC. INJÚRIA. CRIME PRATICADO POR MEIO DE INTERNET. A Seção entendeu que compete à Justiça estadual processar e julgar os crimes de injúria praticados por meio da rede mundial de computadores, ainda que em páginas eletrônicas internacionais, tais como as redes sociais Orkut e Twitter. Asseverou-se que o simples fato de o suposto delito ter sido cometido pela internet não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal. Destacou-se que a conduta delituosa – mensagens de caráter ofensivo publicadas pela ex-namorada da vítima nas mencionadas redes sociais – não se subsume em nenhuma das hipóteses elencadas no art. 109, IV e V, da CF. O delito de injúria não está previsto em tratado ou convenção internacional em que o Brasil se comprometeu a combater, por exemplo, os crimes de racismo, xenofobia, publicação de pornografia infantil, entre outros. Ademais, as mensagens veiculadas na internet não ofenderam bens, interesses ou serviços da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas. Dessa forma, declarou-se competente para conhecer e julgar o feito o juízo de Direito do Juizado Especial Civil e Criminal.
CC 121.431-SE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 11/4/2012. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA 0495, 2012, s.p).
O entendimento da terceira seção do STJ é de que a competência pertence à justiça comum estadual, ainda que as páginas sejam internacionais. A pertinência do consagramento, se deve ao fato, de que, de um modo geral, estas páginas são inseridas em provedores por todo o mundo e só por tal fato não atrairia a competência para a Justiça Federal. Há de se ressaltar ainda, que os crimes mais comum, crimes contra honra, que são, em parte, a base do presente trabalho, embora praticados em sites oriundos de provedores internacionais, são praticados por pessoas conhecidas da vítima, geralmente vizinhos, colegas, ex-companheiros, conhecidos, que geralmente moram na mesma cidade.
O Estado detêm poder/dever punir, e encontra seu respaldo no ordenamento jurídico, por isso a característica do direito, especialmente do direito penal, de coercibilidade o reafirma como instrumento mor de controle social, buscando evitar a prática de condutas danosas ou quando estas ocorrem, busca garrida em seu corpo normativa com o fito de restaurar o equilíbrio social comprometido, tenha a violação ocorrido no mundo físico ou no mundo virtual.
Complementando tais postulados, a doutrina é venerável ao afirmar:
Partindo da premissa de que o Direito é a única forma de controle capaz de conter o avanço da criminalidade no mundo virtual, isto porque, de todos os sistemas de controle social, o Direito é o único que se reveste das características da coercitividade, sancionando as condutas havidas por ilícitas, quer sob a angulação penal, civil ou administrativa. (DAOUN; BLUM, 2001, p. 119)
Nos últimos vocábulos da citação acima, os nobres tratadistas ressaltam um ponto importantíssimo, a possibilidade da punição nos diversos âmbitos do direito – civil, penal e administrativo. Assim, tomando por base a temática do presente trabalho, a responsabilidade civil por dano moral em redes sociais, ocorrendo um ilícito que cause dano a alguém, e este mova uma ação pleiteando os danos que sofrerá, e venha a lograr êxito, com uma sentença que reconheça a ocorrência do dano e condenando o infrator ao pagamento da indenização cabível, nada impede que haja, se admissível, a tutela na esfera penal, pleiteando a aplicação da pena cabível, quando a conduta amolda-se a descrição do crime. Assim, a condenação na esfera cível não exime da responsabilização na esfera penal e vice-versa.
Neste estreito a doutrina já tem se pronunciado, vejamos:
As normas de direito penal são de direito público, interessam mais diretamente à sociedade do que exclusivamente ao indivíduo lesado, ao ofendido. No direito privado, o que se tem em mira é a reparação de dano em prol da vítima; no penal, como regra, busca-se a punição e a melhor adequação social em prol da sociedade. Quando coincidem as duas ações, haverá duas persecuções, uma em favor da sociedade e outra em favor dos direitos da vítima (VENOSA, 2010, p.21/22).
O grande mestre Sílvio Salvo Venosa faz uma notável observação ao separar as responsabilidades civis e penais, tocando exatamente no ponto de abrangência que as respectivas incidências de cada uma das esferas de responsabilidade, acabam por gera. De um lado a responsabilidade cível que abarca efeitos mais individualistas, conscritos ao patrimônio de uma única pessoa. E do outro a responsabilização penal de caráter mais cogente, que figura como uma resposta à sociedade, pela violação de normas por ela reconhecida e imposta. Em síntese, as esferas de responsabilidade coexistem e complementam-se.