5. ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA
A ausência de uma norma específica, como salientado, leva a aplicação de outras normas, com caráter geral, e princípios de forma a preencher a lacuna legislativa neste sentido. O judiciário e a doutrina têm buscado inovar criando formas de solucionar o problema. Porém, por serem campos tão vastos, surgem diversas teorias tentando dar solução à problemática do “quem deve ser responsabilizado pelos danos morais praticados nas redes sociais”.
Sendo o Brasil um país de proporções continentais, os mais diversos entendimentos são esposados por nossos tribunais. Em suma, as correntes doutrinárias regionais influenciam o entendimento dos julgadores no momento de suas decisões, gerando a grande divergência jurisprudencial, que por consequência implica certa insegurança jurídica, afinal, se existem diversos posicionamentos, causas com fundamentos fáticos idênticos, resultam em decisões completamente distintas.
Nesse sentido, é valiosa a afirmativa apresentada no III seminário de Pesquisa Interdisciplinar da Universidade do Sul de Santa Catarina cuja transcrição literal se faz oportuna:
A divergência existente reside, mormente, no que tange à responsabilidade civil, no caso de ilícitos cibernéticos, ser apenas por ato próprio (usuários infratores) ou por ato de terceiro (possibilidade de responsabilizar os provedores de sites de relacionamentos), e, ainda, na necessidade ou não da análise de culpa para a configuração da obrigação de recompor o dano (NEDEL; SCHVARCZ. 2011, p. 6).
Confrontando tal entendimento com julgados de nossos tribunais, podemos extrair que atualmente três correntes tem sido aceitas, são elas:
A da responsabilidade exclusiva do usuário infrator;
A da responsabilidade do provedor de site de relacionamentos, sem ocorrer à avaliação do elemento acidental culpa, ou seja, uma responsabilidade civil objetiva.
E a da responsabilidade do provedor de site de relacionamento, desde que devidamente notificado sobre as irregularidades realizadas em seu âmbito, e após isto permanecer em inercia. Trata-se de responsabilidade civil subjetiva.
Dada a importância da matéria e os conceitos perpetrados por cada uma das três correntes, por boa técnica metodológica abriremos subcapítulos para tratar de forma mais aprofundada cada um destes entendimentos.
5.1. A RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DO USUÁRIO INFRATOR
O entendimento esposado pela primeira corrente defende a responsabilização tão somente o usuário infrator. Para os seus defensores, os provedores que administram as redes sociais não são responsáveis, em nenhuma hipótese, pelos conteúdos postados em seus sites.
Tal entendimento baseia-se no argumento de que o provedor, nestes casos, apenas funciona como um meio de hospedagem e em decorrência disto não podem ser responsabilizados pelos conteúdos que terceiros publicam em seus sites. Argumentam, ainda, que em sendo provedor de hospedagem não estão obrigados a fiscalizar os conteúdos publicados por seus usuários.
Deste modo, resta cristalino que alguns Tribunais têm adotado o entendimento de que a responsabilidade civil pelo ilícito praticado em redes sociais é única e exclusivamente do usuário infrator. Neste sentido, é a ementa do acordão a seguir colacionado:
DANOS MORAIS - Indenização - Não cabimento - Divulgação de imagens privadas dos apelantes na Internet. Provedora de serviços apenas hospeda arquivos postados pelos usuários - Ausência de responsabilidade - Impossibilidade de monitoramento -Encargos da sucumbência - Manutenção - Recurso não provido.
(Apelação cível n.° 0221671-77.2009.8.26.0100. Relator: Sousa Lima, julgado em 16 de fevereiro de 2011).
Trata-se de uma corrente minoritária e com pouca representatividade. “As raras decisões encontradas que se pautam nesse entendimento, referem, ainda, que, afirmar de modo diverso acabaria por afrontar o princípio da inviolabilidade de dados, insculpido na Constituição Federal” (NEDEL; SCHVARCZ, 2011, p.6/7).
5.2. A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DOS PROVEDORES DOS SITES DE RELACIONAMENTO.
A segunda corrente defende que os provedores de sites de relacionamento, em qualquer situação, são responsáveis pelos danos causados a terceiros, independentemente da análise do elemento culpa, ou seja, tem-se, por tanto, a configuração da responsabilidade civil objetiva.
Primeiramente, cumpre definir o que vem a ser o instituto da responsabilidade civil objetiva.
(...) A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de equidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes (ubi emolumentum, ibi commoda, ibi incommoda). Essa responsabilidade tem como fundamento a atividade exercida pelo agente, pelo perigo que pode causar dano à vida, à saúde ou a outros bens, criando risco de dano para terceiros (CC, art.927, parágrafo único). (...) (DINIZ, 2010, p. 52).
Completando o raciocínio, Maria Helena Diniz, ainda afirma o seguinte:
Na responsabilidade objetiva, a atividade que gerou o dano é licita, mas causou perigo a outrem, de modo que aquele que a exerce, por ter a obrigação de velar para que dela não resulte prejuízo, terá o dever ressarcitório, pelo simples implemento do nexo causal. A vítima deverá pura e simplesmente demonstrar o nexo de causalidade entre o dano e a ação que o produziu. (...) (DINIZ, 2010, p.55)
Extrai-se do conceito apresentado pela memorável professora, que a atividade exercida, embora seja lícita, encontra, intuitivamente, atrelado ao seu exercício, o risco de causar um prejuízo a alguém, e este, por sua vez, ao pleitear a reparação do dano, não necessita demonstrar a ocorrência do elemento volitivo culpa, mas, tão simplesmente, tem de demonstrar o nexo de causalidade, que liga a conduta ao dano.
A tese da responsabilidade civil objetiva defendida pela aludida corrente busca fundamento no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil pátrio e no parágrafo primeiro do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Vejamos os referidos dispositivos:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186. e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (LEI 10.406: CÓDIGO CIVIL, 2002, s.p)
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - O modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido (LEI 8.078, 1990, s.p)
Da cumulação dos dois dispositivos extrai-se que o fornecedor de serviço, independentemente de culpa, se responsabilizará pela reparação os danos causados a seus usuários/consumidores, tendo em vista que a atividade desenvolvida, em virtude de sua natureza, oferece riscos a direitos de terceiros. Assim, os seguidores da corrente sob análise defendem a aplicação da Teoria do risco, nos casos de danos praticados nas redomas das redes sociais.
Em sua veneranda obra, Maria Helena Diniz, fazendo uso das palavras do inigualável doutrinador Carlos Alberto Bittar, afirma que teoria do risco pode ser delineada como:
A responsabilidade, fundada no risco, consiste, portanto, na obrigação de indenizar o dano produzido por atividade exercida no interesse do agente e sob seu controle, sem que haja qualquer indagação sobre o comportamento do lesante, fixando-se no elemento objetivo, isto é, na relação de causalidade entre o dano e a conduta de seu causador. (DINIZ, 2010, p.53).
Em sentido semelhante, o professor Paulo Nader, por sua vez, obtempera:
A teoria do risco favorece o equilíbrio social, a equidade nas relações. Não visa a excluir a culpa como critério básico da responsabilidade civil; cumpre uma função de justiça para a qual a teoria subjetiva se mostra impotente. Na ordem jurídica, a teoria subjetiva e a objetiva se complementam, favorecendo a distribuição da justiça nas relações sociais. (NADER, 2010, p.34)
Os conceitos de teoria do risco o de responsabilidade civil objetiva, praticamente se confundem nas doutrinas, dadas as similitudes dos institutos, contudo, percebe-se que a segunda é um consectário lógico da aplicação da primeira.
Trazendo a aplicação da referida teoria para a pertinência temática do presente trabalho, tem-se a responsabilização dos provedores de informação, que são os administradores das páginas de relacionamento, em razão da própria atividade que exercem. Entende a corrente, que a atividade dos provedores engloba o risco da ocorrência de ilícitos em seus sites, especialmente os ilícitos geradores de dano moral. A esse respeito, as nobres juristas Catarinenses, manifestaram-se favoravelmente à sua aplicação, que, por seu rigor sóbrio de linguagem, merece transcrição literal:
Dessa forma, os expoentes da teoria em questão defendem que a teoria do risco é perfeitamente aplicável ao caso em epígrafe. Segundo essa corrente, os provedores praticam atividade de risco, pois disponibilizam, no espaço cibernético, um serviço com ausência de dispositivos de segurança e controle mínimos. Ademais, viabilizam a livre postagem de mensagens sem sequer ter a certeza da veracidade da identidade do usuário (NEDEL; SCHVARCZ, 2011, p.7).
Deste modo, cumpre ressaltar que se trata de responsabilidade por ato de terceiro, ou seja, o provedor do site de relacionamento será responsabilizado pela conduta praticado por um usuário infrator, mesmo que não tenha realizado qualquer ato ilícito. Trata-se, pois, de uma responsabilidade indireta.
Nesta linha, colaciona-se, a exemplo, a decisão proferida pela Décima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
Ação de Obrigação de Fazer cumulada com pedido de indenização por danos morais. Site de relacionamento Orkut. Comunidade ilustrada com foto da autora e referindo-se à indústria pornográfica. Prestação de serviços mediante remuneração indireta. Relação de consumo configurada. Responsabilidade objetiva com base na teoria do risco. Aplicabilidade da legislação consumerista. Conduta negligente e omissiva da empresa ré. Dano moral configurado. Sentença que condenou a Ré condenada ao pagamento de indenização por danos morais em R$ 10.000,00. A prova dos autos mostra-se suficiente para comprovação dos danos sofridos pela demandante. A responsabilidade da Ré encontra-se não pela criação do perfil, mas pela sua manutenção na rede. Incumbia à ré a implantação de sistemas de segurança, máxime diante da utilização de palavras altamente ofensivas e de baixo calão, facilmente identificadas na rede. A responsabilidade civil objetiva com base na Teoria do Risco do Empreendimento leva o empreendedor a ter de suportar os danos morais sofridos pelo consumidor, isto porque o nexo causal encontra-se inegavelmente vinculado à má prestação de serviço da empresa. Montante indenizatório fixado de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, devendo ser mantido. RECURSOS CONHECIDOS EIMPROVIDOS.
(Apelação cível n.° 2009.001.42715. Relator: JDS DES. Antônio Iloízio Barros Bastos, julgada em 22 de setembro de 2009).
Em que pese a responsabilidade objetiva perquirida por essa corrente, há de se ressaltar que uma vez identificado o usuário infrator, que praticou o ilícito causador do dano, o provedor terá o pleno direito, de mover em face deste, uma ação regressiva visando reaver o que despendeu.
5.3. A RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DOS PROVEDORES DOS SITES DE RELACIONAMENTO.
A terceira corrente adota a aplicação da responsabilidade civil subjetiva, ou seja, a responsabilização somente ocorrerá após a análise do elemento culpa. Assim, o provedor só será responsabilizado caso tenha agido com culpa, quando da ocorrência do dano.
Tal corrente tem se mostrado como majoritária no âmbito de nossos Egrégios Tribunais, porém, em que pese este ser o entendimento da maioria, ainda não há uma uniformização dos julgados, haja vista, também, que a doutrina ainda é muito escarça sobre o assunto.
Para esta corrente o provedor somente será responsabilizado caso concorra para a ocorrência do dano ou quando ciente das ilegalidades cometidas nos domínios de seu site, permanece inerte, deixando que o ilícito se propague.
Deste modo, pode-se visualizar dois desdobramentos nos quais o provedor será responsabilizado. O primeiro, quando o provedor que administra a rede social pratica condutas que, de maneira direta contribuem para a ocorrência do dano, ou seja, as ações perpetradas pelo provedor concorrem com a ações praticadas por um usuário infrator, e estas juntas causam dano a um terceiro.
O segundo desdobramento, visualiza-se a situação na qual o provedor tomando conhecimento do ilícito praticado, não atua de forma a elidir o problema, mantendo-se inerte, permitindo que o dano continue a se propagar. Tal situação pode ser configurada de duas formas, a primeira quando o provedor toma conhecimento do ilícito e a segunda quando o usuário vítima, comunica ao provedor a ocorrência do ilícito. Sendo que em ambas as situações, fáticas, o provedor mante-se alheio.
De fato, todas as redes sociais, hoje em dia, contam com ferramentas de denúncia para conter os ilícitos perpetrados em seus domínios. Portanto, parece-nos mais grave a situação na qual mesmo com um relato de um potencial dano, o provedor mante-se inerte.
Nesta linha de raciocínio se revelam os julgados a seguir colacionados, in verbis:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. REDE SOCIAL. PROVEDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. REQUISITO NEXO CAUSAL AUSENTE. NECESSIDADE DE CIÊNCIA PRÉVIA DAS OFENSAS DIVULGADAS PELO PROVEDOR. ATIVIDADE DE RISCO AFASTADA.
1. AS ATIVIDADES DE PROVEDOR RESPONSÁVEL POR REDE SOCIAL CIRCUNSCREVEM-SE A HOSPEDAGEM E ENCAMINHAMENTO DE INFORMAÇÕES DIVULGADAS PELOS USUÁRIOS, PRESERVANDO AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DA LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E DE INVIOLABILIDADE DAS COMUNICAÇÕES.
2. AUSENTE O PRÉVIO CONHECIMENTO DO PROVEDOR QUANTO AO TEOR DAS MENSAGENS OFENSIVAS À HONRA, FALTA NEXO DE CAUSALIDADE PARA IMPUTAR-LHE A RESPONSABILIDADE CIVIL PELA CONDUTA ILÍCITA.
3. O SERVIÇO DE PROVEDOR DE REDE SOCIAL NÃO CONSTITUI ATIVIDADE DE RISCO CAPAZ DE ENSEJAR A RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELO CONTEÚDO DIVULGADO PELOS USUÁRIOS.
4. RECURSO DO RÉU PROVIDO E RECURSO DO AUTOR DESPROVIDO.
(Apelação Cível n.° 645346620098070001. Relator: Mario-Zama Belmiro. Julgado 15 de fevereiro de 2012).
Responsabilidade Civil Provedor de internet, veiculador de rede social, que demora para cancelar ou retificar página de perfil de usuário alterada por ato de terceiro Dano Moral Caracterização Conduta omissiva configurada? Dever de remover imediatamente a publicação violadora dos direitos da personalidade do consumidor Valor da compensação Decréscimo Não-cabimento Pertinência às particularidades da lide Sentença mantida RITJSP, art. 252. Recurso improvido.
(Apelação Cível n° 226047820098260344 SP 0022604-78.2009.8.26.0344. Relator: Luiz Antonio Costa).
Conforme apontado pelos julgados supra, sem o prévio conhecimento não há o nexo de causalidade, e por consequente, não lhe pode-ser imputada a responsabilidade civil. Deste modo, para os que referendam esta corrente, somente uma conduta concorrente ou uma omissão, do provedor, ante ao ilícito, é que torna auferível a antijuridicidade, e com isto materializa-se o dever de indenizar.
Os posicionamentos apresentados afastam a aplicação da teoria do risco, justificando que os provedores são, tão somente, um meio que possibilita a interação entre as pessoas, sendo-lhes impossível o controle prévio de tudo que é efetivamente postado, o que nos parece um argumento bastante plausível, vez que gigantesco e crescente o volume de dados que tramitam todos os dias pelas redes sociais.
Complementando a os argumentos que sustentam essa tese, as notáveis juristas sulistas, acrescentam:
Ademais, entende-se ser razoável a política dos sites em apreço, no sentido de não exercer controle preventivo ou monitoramento do conteúdo dos perfis de seus usuários, uma vez que tal agir implicaria em afronta aos direitos da liberdade de expressão e livre manifestação, com base no ditame contido no art. 220, §§ 1° e 2° da Constituição Federal (NEDEL; SCHVARCZ, 2011, p.10).
O relevante fundamento constitucional frequentemente encontra embate em se tratando de situações que se desenvolvem dentro da esfera virtual. Um choque entre os direitos de liberdade e livre manifestação contra os direitos da personalidade. Em suma, os objetivos colimado pela Constituição é o da coexistência pacifica entre tais direitos, bem como, com todos os demais.
A terceira corrente desponta como a mais acertada. Perquirindo a punição de quem realmente realizou o ato ilícito, ou seja, o usuário infrator. Deste modo, o provedor não responde por atos que não cometeu, sendo responsabilizado, apenas, em se verificando que atuou de forma conivente, após notificado, retardando ou não realizando o bloqueio ou exclusão de informações ilícitas veiculadas em seus domínios.
Contudo, por si só, tal entendimento não supre a todas as necessidades para que ocorre a imputação da responsabilidade e a consequente indenização. Imaginemos por exemplo a situação de uma pessoa que toma conhecimento da divulgação de imagens pejorativas a seus respeitos em uma determinada rede social, sendo estas publicadas por um perfil anônimo. Mesmo que este usuário entre em contato com o provedor, e este de imediato remova todas as imagens, o dano já ocorreu. Porém, não há que se falar em responsabilização do provedor, pois este agiu conforme o esperado, busca-se então a responsabilização do infrator. Mas, este dado o anonimato não fora identificado, restando a lacuna de como ficaria a responsabilidade civil neste caso.
5.4. O POSICIONAMENTO ADOTADO PELO STJ
Ante de adentramos ao cerne do presente trabalho, cumpre-nos, dada a grande relevância, definir o que vem a ser o Superior Tribunal de Justiça. Nestes termos, CUNHA JUNIOR (2009, p.1006) com clareza meridiana, conceitua, “O Superior Tribunal de Justiça é o órgão integrante do Poder Judiciário Nacional, ao qual compete, fundamentalmente, unificar a interpretação da lei federal e garantir sua observância e aplicação”.
Deste modo, verifica-se a grande preocupação do Egrégio Tribunal pauta-se na busca pela correta aplicação da Lei e pela unificação da jurisprudência pátria. Uma tarefa árdua tendo em vista as proporções continentais de nosso país e as influências doutrinárias características de cada região.
No que concerne ao tema do presente trabalho - responsabilidade civil em redes sociais - recentemente, em abril de 2012, o STJ apresentou seu posicionamento. Seguindo os ditames delineados pela terceira corrente, o Excelso Tribunal afastou a aplicação da responsabilidade objetiva e da teoria do risco, entendo não constituir dever da empresa hospedeira do site de relacionamento a atividade de fiscalização prévia dos conteúdos postados.
O referido posicionamento ganhou grande relevo, tendo em vista ter sido incluído no corpo do informativo de jurisprudência 0495, cuja transcrição se segue in verbis:
RESPONSABILIDADE CIVIL. SITE DE RELACIONAMENTO. MENSAGENS OFENSIVAS. A responsabilidade objetiva, prevista no art. 927, parágrafo único, do CC, não se aplica a empresa hospedeira de site de relacionamento no caso de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas por usuários. O entendimento pacificado da Turma é que o dano decorrente dessas mensagens não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo. A fiscalização prévia do teor das informações postadas pelo usuário não é atividade do administrador de rede social, portanto seu dever é retirar do ar, logo que for comunicado, o texto ou a imagem que possuem conteúdo ilícito, apenas podendo responder por sua omissão. Precedentes citados: REsp 1.186.616-MG, DJe 31/8/2011, e REsp 1.175.675-RS, DJe 20/9/2011.
REsp 1.306.066-MT , Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 17/4/2012.
Merecem destaques dois pontos, a saber: o primeiro diz respeito ao “dever” de retirar do ar assim que comunicado, os textos ou imagens cujo conteúdo seja tido como ilícito, e o segundo concerne especificamente à responsabilização diante da omissão do provedor/empresa hospedeira.
Resta, portanto, caraterizada a adoção da Teoria subjetiva, ou seja, com a análise do elemento culpa. Parte-se do pressuposto que o provedor não tem responsabilidade pelos conteúdos postados, e nem tão pouco detêm condições de fiscalizá-los. Contudo, em sendo comunicado da ocorrência do ilícito, surge seu dever de fazer cessá-lo, e não cumprindo com este dever, sendo omisso, resta configurada a possibilidade de responsabilização.
5.5. DIREITO COMPARADO - BREVES CONSIDERAÇÕES
Ainda escarça a doutrina que trace um paralelo entre o direito brasileiro e os demais ordenamentos jurídicos. Buscamos compilar as escritas sobre a responsabilidade civil e a internet, de forma a termos um panorama, ainda que mínimo, de como a legislação alienígena vem tratando o tema.
Inicialmente, José Caldas Gois Junior, em sua singular obra – O direito na Era das Redes, A Liberdade e o Delito no Ciberespaço -, leciona que esta modalidade delituosa, crimes por meio da rede mundial de computadores, especificamente os crimes contra a honra, tiveram seus estudos iniciados nos Estados Unidos da América, recebendo a denominação de cyberstalking. Nome este, dado por Marie D’Amico em seu artigo The Law vs. Online Stalking. NetGuideMagazine, conforme nota de rodapé da obra supracitada do emérito professor brasileiro (GOIS JUNIOR, 2001, p.47).
Dada a venerável argumentação, transcreve-se in verbis:
Tal modalidade delituosa foi inicialmente estudada nos Estados Unidos onde recebeu a denominação de cyberstalking, já tendo a legislação de muitos Estados americanos sido alterada para do tratamento a essa nova forma de ameaça. (GOIS JUNIOR, 2001, p.47).
Completando o raciocínio, ainda afirma o seguinte:
Nestes Estados é comum a justiça conceder liminarmente uma ordem de restrição de direitos – restrainig order – suspendendo por algum tempo o acesso dos acusados à internet. A desobediência a tais ordens pode, inclusive, resultar na prisão do usuário. De outro modo, os provedores de Internet estabeleceriam programas de cooperação com a justiça no sentindo de ajudar a rastrear a origem das mensagens atentatórias (GOIS JUNIOR, 2001, p.47/48).
Em sendo os Estados Unidos um país onde os Estados são dotados de autonomia legislativa plena, há variações de um Estado para outro quanto a Lei a ser aplicada. Contudo, o foco apresentado ratifica a força do poder judiciário, ao suspender o direito de livre acesso a internet, quando há indícios suficientes contra o acusado de atos atentatórios. Além de haver a fomentação à cooperação dos provedores para com o poder judiciário, de forma a facilitar a identificação do real responsável pelo dano e sua consequente punição.
O grande embate entre o direito a liberdade e a censura na rede ganhou o mundo. De um lado os ativistas buscando a manutenção da liberdade de expressão como expoente de seus direitos humanos e garantias individuais, do outro, os Estados tentando criar restrições como forma de impedir a discriminação dos males pela rede, tendo em vista o crescimento gigantesco no número de crimes cometidos usando o ciberespaço.
Nesta linha, o Canadá apresentou um modelo, visando tão somente estender a legislação atinente a televisão e o rádio, para abranger, também, a internet. Vejamos:
No Canadá surgiu, inclusive, a idéia de estender a regulamentação que o país possui para o âmbito da televisão e rádio também para a Internet. A lógica desse raciocínio é que a internet não é assim tão intangível quanto parece. Os partidários da idéia afirmam que no Canadá, por exemplo, em 1997, existiam apenas 10 pontos de acesso, canets, e de que se houvesse vontade estatal para tanto bastaria implementar o controle de conteúdo neste ponto e a rede estaria livre de conteúdos indesejáveis vindos de outros países (GOIS JUNIOR, 2001, p.89).
Parece-nos um tanto quanto inadequado, haja vista que o fluxo de dados é enorme e vem crescendo de forma colossal, ainda que os backbones - pontos de ligação internacionais – sejam poucos, seria impossível uma análise de todas as informações recebidas e enviadas. Além disso, poderia ensejar um controle arbitrário e com foco em pacotes de dados específicos.
O direito alemão, escola doutrinaria de elevada relevância mundial, como não podia ser diferente, também enfrentou a matéria. LUCCA (2001, p.71) expõem que a Lei Federal intitulada Informations Kommunikationsdienste-Gesertz, de 1997, disciplinou as condições de uso e serviços de comunicação e informação. A referida Lei tem o proposito de estabelecer condições econômica uniformes para as áreas de informação e serviços de comunicação, ou seja, garantir o acesso a todos, melhorando a infraestrutura e garantindo a livre concorrência de forma leal. De fato, a Lei abrange, quase todos os dados transmitidos, perpassando desde provedores de games, sofisticados provedores de informação e até mesmo disciplina sobre comércio eletrônico.
No particular dos ilícitos praticados na rede, os renomados tratadistas ainda discutindo a supracitada Lei alemã, com elevado poder sintético:
Já os demais artigos dessa lei germânica, embora contenham inovações no plano legislativo, simplesmente cuidaram de proceder às necessárias alterações na ordenação jurídica existente, quer no tocante ao código penal – no que se relaciona à previsão dos delitos informáticos (art.4°: Strafgesetzbuch) -; quer, também, no que respeita à disciplina das penalidades administrativas relativas ao armazenamento eletrônico de dados (art. 5°: Ordnungswidrigkeitengesetz); quer relativamente à “Lei sobre a disseminação de publicações moralmente prejudiciais à juventude” (art. 6°: Gesetz über die Verbreitung jungendgefährdender Schriften); quer ainda, no concernente à “Lei de direitos autorais” (art. 7°: Urheberrechtsgesetz); quer, finalmente, no que tange à legislação sobre a indicação de preços (arts. 8°: Preisangabengesetz, 9°: Preisangabenverordnung e 10°: Rückkehr zum einheitilichen Verordugsrang) (LUCCA, 2001, p.71).
Como se vê, trata-se de uma verdadeira revolução no direito germânico que, de maneira muito prodigiosa, buscou a efetividade e eficácia a leis pretéritas às novas situações fáticas vividas pela sociedade contemporânea. Assim a nova legislação, apenas, procurou aplicar as leis existentes, as novas roupagens que as condutas delituosas vinham ganhando com o avanço da tecnologia.
Cumpre por fim ressaltar a especulações que circulam na rede mundial de computadores acerca de um projeto de irradiações globais intitulado ECHELON, cujo proposito seria a interceptação de todos os dados transmitidos pelos meios de comunicação, internet, telefones, televisão, rádio, jornais, etc.
Nestas linhas, com venerável dogmática, a respeito do tema, José Caldas Gois Junior, assevera:
A vocação dos Estados Unidos para estabelecer formas de controle e censura, entretanto, não parece ter limite: circulam hoje pela internet denúncias a respeito de um grande projeto denominado ECHELON que pretenderia implementar uma interceptação massiva das telecomunicações. O projeto é descrito como um estudo do Parlamento Europeu intitulado de “An Appraisal of Technologies of Political Control” que teria apoio de inúmeros países no mundo inclusive dos Estados Unidos da América e do Brasil (GOIS JUNIOR, 2001, p. 90).
Não há como verificar o que de verdade há por traz dessa polêmica. Tudo ainda é tratado como especulações e efetivamente nenhuma prova concreta fora apresentada. Contudo, a aparente ficção cientifica, ganha adeptos por todo o mundo, preocupado com o fim da liberdade na rede.