No dia a dia, pessoas e instituições fazem uso da simbologia para divulgar determinada forma de ação, a fim de uniformizá-la e padronizá-la. Os organismos militares e policiais, da mesma forma, adotam essa ritualística para fomentar o espírito de corpo, tendente a estruturar determinada filosofia de ação e trabalho, mormente no campo operacional.
Nesse particular, conquanto cada Polícia do mundo tenha o seu próprio emblema, é certo que os seus integrantes, vez ou outra, envergam em seus complementos de vestuário brevês, “patches” e “pins” que aludem a determinada filosofia operacional, não raro, voltada ao campo da sobrevivência e a autoestima dos operadores.
Alguns deles, oficiais, fazem parte da história da Unidade; já outros, oficiosos, sevem de reverência histórica para doutrina e para os que, outrora, combateram ou deram a vida para defender suas querências. Essa mística, por assim dizer, é inerente a qualquer grupo de ações não convencionais do mundo e, por despertar o interesse geral, urge ser estudada e explicada, a fim de que não exista o risco de algum incauto, por vezes involuntariamente, vir dar a ela um sentido apartado do real.
No Brasil, em 20 de dezembro de 2012, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos publicou uma resolução, de n° 8, que em seu inciso XVII recomendou a vedação, nos fardamentos das Polícias, do uso de símbolos e expressões com conteúdo intimidatório ou ameaçador, dispositivo esse, conforme já tivemos a oportunidade de mencionar[1], subliminarmente direcionado aos grupos que envergam a figura da caveira em seus vestuários e estandartes, como se ela, de forma genérica, representasse sumariamente a morte.
Em razão disso, é importante que saibamos um pouco mais sobre a simbologia usada por alguns policiais e militares do mundo em suas vestimentas e equipamentos, a qual, longe de envergar um caráter ideologicamente “ameaçador”, nada mais é do que um elemento de suporte moral, cujo fundamento é exaltar a vida, suplantar o mal e fortalecer o espírito de corpo, essencial para quem lida em situações de risco extremo e atua em confrontos rurais e urbanos.
Em tempo, é prudente consignarmos que muitos dos significados aqui estudados são produtos da tradição oral entre os operadores, cuja missão, repito, é de proteção. No campo policial, a manutenção da ordem e a preservação da vida são motes; ao passo que, no essencialmente militar, se visa o combate e defesa da nação contra eventuais ameaças externas.
Destarte, dos três símbolos mais vistos no “mundo operacional” (e quando falamos em mundo, falamos genericamente no globo, e não neste ou naquele país), temos a emblemática figura da “caveira”, isolada ou com uma faca; o número “1” (ou “2”) acrescido de um asterisco (“1*”) e o “ás de espadas”, isolado ou com uma caveira. Cada qual tem um aspecto histórico próprio e, doravante, iremos estudar quais seriam eles, frisando, vez mais, que a única apologia aqui tratada é de disseminar conhecimento e provocar o estudo e a pesquisa.
1. A Caveira
O primeiro símbolo abordado é a “caveira”, a qual, graças ao cinema nacional, caiu no ideário popular como símbolo de um dos Batalhões Policiais mais respeitados do país. Antes de falarmos sobre ela, é interessante desvendarmos a história dos chamados “commandos” militares[2], de onde se acredita ser surgido o costume de envergá-la.
O “commando” é todo soldado que, por sua qualidade e treinamento, faz parte de um grupo de militares capazes de enfrentar as mais difíceis e árduas missões. Tais grupos, com esse nome, foram originalmente criados na Inglaterra, em junho de 1940, durante a Segunda Grande Guerra, por sugestão do então tenente-coronel Dudley Clarke, para atuar em incursões de alto risco em território inimigo, com suprimentos e armas individuais. Inicialmente, os “commandos” – ou “soldados fantasmas” – foram organizados num quartel-general com dez tropas. Cada qual tinha três oficiais e dez praças, sendo que, vários deles, foram recrutados pelo critério do voluntariado, o que anos depois viria a ser regra. Seus homens, desde então, ficaram conhecidos pelo uso de “boinas verdes”.
A sigla “kommando” teria surgido na Guerra dos “Boers” (1809 a 1902), onde os colonos sul-africanos (com os holandeses e alguns africanos natos) se organizaram em unidades móveis de guerrilha, compostas por cem homens cada (denominadas “boers commandos”) as quais, durante anos, chegaram a desafiar mais de duzentos e cinquenta mil soldados britânicos. A partir desse confronto, os ingleses, já na Segunda Grande Guerra, passaram a adotar grupos dessa natureza em suas frentes, sendo o “Royal Marine Commandos” o primeiro deles.
O primeiro curso de formação de “commandos” foi criado na Inglaterra, em 1940, sendo, posteriormente, transferido para o castelo de “Achnacarry”, na Escócia. Seu primeiro comandante foi o então tenente coronel Charles E. Vaughan, ex-comandante do “commando 4”. O treinamento era rigoroso (com exercícios físicos, natação, desvio de obstáculos, desembarque de barcaças, alpinismo, técnicas de assalto e sobrevivência, combate corporal etc), sendo que, nos três anos de existência do centro, quarenta dos seus quase vinte e cinco mil alunos, morreram durante os testes, todos feitos com munição real. Ao desembarcarem na estação ferroviária de “Achnacarry”, os alunos eram submetidos a uma cansativa marcha de dezesseis quilômetros, onde, no caminho, lhes eram mostradas as sepulturas dos soldados mortos durante o treinamento, dando-lhes a entender que o empenho e a disciplina eram requisitos essenciais para a escorreita formação – e sobrevivência – dos então aspirantes. Por “Achnacarry” também passaram os “rangers” americanos, belgas, holandeses, franceses, noruegueses e poloneses.
Com o desenvolvimento da doutrina dos “commandos”, passou-se a adotar, como símbolo de suas ações, o desenho de uma caveira (crânio) que, conforme a heráldica, simboliza a elite e a coragem perante a morte, características inerentes a todo bom “commando”. Assim, ao contrário do que possa parecer, o símbolo da caveira não alude a morte concisa, mas sim, a vitória sobre ela.
A origem dessa crença é incerta, porém comenta-se que durante a Segunda Guerra Mundial um grupo de “commandos” das forças aliadas teria ido a um campo de concentração nazista para libertar prisioneiros e, ao entrarem na sala de um quartel da Waffen-SS, teriam se deparado com um “totenkopf” (insígnia de crânio humano) sobre a mesa, qual seja, a caveira com dois ossos cruzados, a qual era o símbolo da SS. Num ímpeto, um dos comandos aliados teria sacado sua adaga e a cravado naquele objeto, bradando, naquele momento, que a “vida” (a vitória aliada) vencera a “morte” (o regime nazista alemão).
A partir de então, o símbolo da faca cravada em um crânio passou personificar inúmeras equipes de operações especiais no mundo, inclusive as policiais. Dessa forma, não se trata de ideolatria obtusa, mas sim, de simbolismo da vida suplantando a morte.
É obvio que cada unidade militar ou policial, doravante, passou a dar um significado pessoal para a adaga e a caveira, as quais, respectivamente, podem representar, dentre outros aspectos, a ousadia, o sigilo, a inteligência, a razão, o conhecimento e a superação. Entretanto, nenhuma delas alude a morte sumária ou a apologia a ela, sendo quem, assim crê, o faz por mero desconhecimento dos fundamentos da simbologia operacional, confundindo a caveira que representa o conhecimento e a vitória, com aquela que representa o perigo (a caveira sob dois ossos cruzados). Desse modo, a “faca na caveira” representa a vitória da vida sobre a morte, ao passo que o crânio sobre dois ossos cruzados (comumente usados em locais perigosos ou de alta tensão), o perigo de morte.
2. O 1* (“one asterisc”/ “one ass to risk”)
Outro símbolo muito usado pelas forças especiais militares e policiais do mundo é o “1*” (número um acrescido de um asterisco).
Historicamente, a expressão teria surgido de um pretenso diálogo – ao que tudo indica, originário de uma anedota – entre o oficial do exército americano George Armstrong Custer e um batedor indígena a seus serviços, o qual teria confundido a expressão "one asterisc" (datilografada num papel), com "one ass[3] to risk".
A base do brasão hoje utilizado representa a 1ª Divisão de Infantaria Americana, fundada em 1917 e cuja insígnia denota um número "1" na cor vermelha ("The Red Big One"), sendo ela a divisão mais antiga das Forças Armadas dos Estados Unidos da América.
Esse símbolo surgiu durante a Primeira Guerra Mundial, quando enormes números “1”, na cor vermelha, foram pintados nos veículos da 1ª Divisão, visando diferenciá-los dos transportes aliados. Mais tarde, em 1918, tal símbolo foi adotado na manga esquerda da farda dos soldados e, hoje, ele representa a tradição de todos os que lá serviram.
Anos depois, em 1986, o oficial de polícia Gary Paul Johnston, então membro da SWAT de Shaker Heights, cidade localizada no estado norte-americano de Ohio, passou a constatar que durante determinado treinamento ou ação, não raro, algum policial sempre sofria algum tipo de ferimento. Foi então que ele teve a ideia, ao que tudo indica galgada na anedota de Custer, de criar um símbolo que, efetivamente, lembrasse o policial a ser sempre cuidadoso, pois, da sua sobrevivência dependeria a dele e a do próprio cidadão de bem, o qual, por certo, nele confia a sua vida.
Para desenvolvê-lo, Johnston usou o já consagrado brasão do “Big Red One” como base e, sob o número 1, acresceu um asterisco. Assim, sua pronúncia – “one asterisc” –, ou seja, “um asterisco”, quando dita numa sonoridade contínua, faz alusão a expressão “one-ass-to-risk”, um jargão que, genericamente e em contexto, alude a ideia de “uma vida a ser arriscada”, ou seja, a de que a nossa existência, por ser única, deve ser preservada através da adoção de medidas preventivas de segurança individual e coletiva, pois, da nossa incolumidade, depende a vida do cidadão. Por assim dizer, se o policial for descuidado e padecer, ficará a sociedade a mercê dos seus algozes, já a essa linha defensiva deixará de existir.
Doravante, esse símbolo – o número “1”, acrescido de um asterisco –, passou a ser envergado por milhares de militares, policiais, bombeiros e paramédicos do mundo, como lembrete de que aqueles que operam em ambientes críticos – de risco – estão sempre com a vida por um fio e que, por força disso, devem ter cuidado em dobro. No escudo do brasão costuma repousar um barrete cruzado, cuja cor alude a força pública a qual o operador pertence. As Unidades K9 (operações com cães) usam uma variante desse símbolo, qual seja, o número 2 acrescido de um asterisco. O número 2 alude ao fato de que a célula agora é formada por dois, o operador e o cão.
Assim, esse símbolo foi aprovado para ornamentar a veste da 82nd Airbone Divison do Exército Americano, durante a “tempestade do deserto” no Iraque, em 1991.
Em 1992, o então capitão Charles C. Swicker, comandante do destroyer americano USS John S. McCane, aprovou o emblema “one asterisc”, que passou a ser distribuído ao efetivo durante as cerimônias militares. Já no ano de 1994, agora a frente do USS Vicksburg, o capitão Swicker continuou a distribuir o símbolo “1*” a sua tripulação, sendo que o dito emblema foi ainda pintado no navio e em dois helicópteros Seahawk.
Em Massachusetts, nos Estados Unidos, o Law Enforcement Council ́s Special Operations Team, unidade tática formada por paramédicos, ostenta, em seu emblema, o conceito desenvolvido por Gary Paul Johnston, isto é, o “one asterisc”. Tal símbolo foi desenvolvido sob os seguintes aspectos:
a) As cores preta, prata e cinza representam o ambiente urbano. A cor amarela, questão da excelência, tática e técnica, em missões de risco;
b) O “asterisc”, associado aos times táticos, foi propositalmente modificado para o símbolo “Star of Life”;
c) A espada e o escudo representam as missões de proteção e ataques, dentro dos princípios táticos e, as espadas cruzadas, representam as “operações especiais”.
Note-se que para a concepção desse brasão, a Polícia de Massachusetts procurou trazer para si a mesma ideia pugnada por Johnston, qual seja, a de que temos apenas uma vida para ser posta em risco. No lugar do tradicional asterisco, restou, como se disse, a estrela da vida, de seis pontas, as quais representam os seis estágios do socorro pré-hospitalar. Assim, a ênfase do irrestrito prestígio a vida é a base do aludido emblema, como também o é, o desenvolvido por Gary Paul Johnston.
Enfim, “uma vida a ser preservada”, esse é o mote do símbolo “1*”.
3. O Ás de Espadas
Um terceiro símbolo visto nas vestes de combatentes é o “ás de espadas”, por vezes bordados em patches e pintados em equipamentos.
O ás de espadas, tradicionalmente, é a carta mais alta do baralho. E em cenários de guerra, ela tem sido utilizada em várias oportunidades.
Durante a Primeira Grande Guerra, os franceses usavam o ás pintado em seus tanques do serviço de artilharia, a fim de identificá-los. Na Segunda Grande Guerra, os soldados do 506º Regimento de Infantaria Paraquedista da 101ª Divisão Aerotransportada passaram a usar o ás de espadas na lateral dos seus capacetes, com o escopo de representar a boa sorte em razão dos fundamentos afortunados do jogo de cartas. Servia, ainda, como meio de identificação entre os operadores, dependendo a posição horária em que estavam desenhados.
Anos mais tarde, na Guerra do Vietnã, surgiu a mística sobre a figura do ás de espadas, o qual teria sido usado pelos soldados americanos em combate. Naquele idos, passou-se a dizer que as tropas acreditavam que os vietnamitas ligavam esse símbolo a má sorte e, numa tentativa de amedrontá-los, alguns combatentes americanos, em crassa ação psicológica, teriam passado a deixar um ás de espadas (doravante, a “carta da morte”) sobre os vietcongues mortos nos confrontos. Comenta-se, ainda, que as tais cartas teriam sido espalhadas nas aldeias e selvas durante as invasões, inclusive por aviões norte-americanos.
A lenda sobre o ás de espadas teria começado em 1966, quando soldados da 3ª Brigada da 25ª Divisão de Infantaria souberam que um congressista teria feito alusão a uma pretensa superstição dos vietcongues, os quais considerariam fotos associadas ao ás como portadoras de azar. Em razão disso, eles teriam, segundo se acredita desde então, desenvolvido um plano para deixar o ás de espadas como “cartão de visitas” da Companhia a qual pertenciam, lançando-os ao longo de trilhas e em corpos de militares vietnamitas mortos.
Como o baralho tinha apenas um ás, diz-se ainda que eles teriam escrito para uma fábrica de cartas em Ohio e solicitado cartas extras, sendo-lhes encaminhados mais de mil ases de espada, já que o filho do dono da empresa havia combalido na Segunda Guerra Mundial. As cartas, longe do aspecto místico, teriam, conforme contam, encorajando homens que estavam tentando sobreviver durante a guerra.
Em 2003, dando-se continuidade a essa tradição, um baralho com os iraquianos mais procurados pelos norte-americanos teria sido impresso para os soldados dos Estados Unidos durante a operação “Iraque Freedom”, sendo que, na época, fala-se que Saddan Hussein seria chamado de “ás de espadas”, já que o cartão envergava a sua imagem.
Essas cartas eram usadas em capacetes e distribuídas como cartões de visitas, sendo impressas também junto a um crânio, como sinal de alerta para que o inimigo cessasse o combate, sob pena de enfrentar a morte.
Embora sejam apenas tradições orais contadas entre operadores (e disseminadas em filmes norte-americanos do gênero), não podemos desprezar o aspecto histórico e psicológico delas, mormente no que tange elevação da moral daqueles que estiveram em combate. O ás, assim, tem ligação com a história militar, bem como, com a mística que outrora pairou sobre os campos.
4. Conclusão
Ao fim, pudemos verificar que a mística faz parte dos organismos hierarquizados de defesa espalhados pelo mundo, sendo que lendas sobre eles são contadas homem a homem e, não raro, podem ter sido minimizadas ou potencializadas através dos tempos.
Alguns símbolos tornaram-se oficiais (Batalhão de Operações Policiais Especiais da PMERJ, Grupo Especial de Reação da PCESP etc), já outros residem apenas na tradição individual dos operadores especiais, mormente os militares.
Dito isso, esperamos que, doravante, a exegese desses símbolos seja feita de maneira mais lógica e menos apaixonada, retirando deles o caráter “intimidador” e entendendo-os com tão somente direcionados a fomentar superação pessoal e coletiva de cada membro desses grupamentos.
[1] https://jus.com.br/artigos/61397/o-uso-da-balaclava-em-operacoes-policiais-de-alto-risco.
[2] https://jus.com.br/artigos/70124/aspectos-historicos-da-doutrina-de-operacoes-policiais-especiais.
[3] “Traseiro” (significado chulo).