O incidente de uniformização de jurisprudência após a Lei n. 13.467/2017:

estudo sobre a subsistência do instituto no processo do trabalho

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11/09/2019 às 13:13
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2  O INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA 

Uma das formas de promover o respeito aos precedentes judiciais e, por consequência, a segurança jurídica e o tratamento jurisprudencial isonômico das partes, ocorre por meio do incidente de uniformização de jurisprudência.  

 2.1  HISTÓRICO NORMATIVO 

 O incidente ora estudado foi tratado legalmente pela primeira vez em 1973, com o advento do Código de Processo Civil de 1973, o qual destinou o primeiro capítulo, “Da Uniformização da Jurisprudência”, no Título IX, “Do Processo nos Tribunais”[87], art. 476/479, às regras de uniformização da jurisprudência nos Tribunais de Justiça[88].

No Direito Processual do Trabalho, a primeira previsão legal que estabeleceu a obrigação dos tribunais regionais do trabalho de uniformizar sua jurisprudência ocorreu com o advento da Lei nº 9.756/98[89], a qual acrescentou o § 3º ao art. 896 da CLT. Este novo parágrafo fazia remissão Código de Processo Civil de 1973 (art. 476/479)[90], de modo a vincular o procedimento de uniformização dos tribunais do trabalho ao código enfocado.

A Lei nº 13.015/2014 introduziu expressivas alterações no sistema processual juslaboral, uma dessas alterações consiste na reformulação do teor do art. 896, §§ 3º a 6º da CLT. Embora a redação anterior do art. 896, § 3º da CLT já estabelecesse a obrigação de elaboração de súmulas pelos tribunais regionais (Lei nº 9.756/98)[91], estes, em sua maioria, não seguiam a determinação legal[92].

Assim, inovou a Lei nº 13.015/2014 ao prever o incidente de uniformização de jurisprudência:  

§ 3º Os Tribunais Regionais do Trabalho procederão, obrigatoriamente, à uniformização de sua jurisprudência e aplicarão, nas causas da competência da Justiça do Trabalho, no que couber, o incidente de uniformização de jurisprudência previsto nos termos do Capítulo I do Título IX do Livro I da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).

§ 4º Ao constatar, de ofício ou mediante provocação de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, a existência de decisões atuais e conflitantes no âmbito do mesmo Tribunal Regional do Trabalho sobre o tema objeto de recurso de revista, o Tribunal Superior do Trabalho determinará o retorno dos autos à Corte de origem, a fim de que proceda à uniformização da jurisprudência.

§ 5º A providência a que se refere o § 4 o deverá ser determinada pelo Presidente do Tribunal Regional do Trabalho, ao emitir juízo de admissibilidade sobre o recurso de revista, ou pelo Ministro Relator, mediante decisões irrecorríveis. (Redação dada pela Lei n. 13.015, de 2014)

§ 6º Após o julgamento do incidente a que se refere o § 3º, unicamente a súmula regional ou a tese jurídica prevalecente no Tribunal Regional do Trabalho e não conflitante com súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho servirá como paradigma para viabilizar o conhecimento do recurso de revista, por divergência.[93]  

Diante destas alterações promovidas pela Lei nº 13.015/2014, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Instrução Normativa nº 37 de 2 de março de 2015[94], por meio da qual conceituou, no art. 1º da IN 37, dissenso jurisprudencial ensejador do IUJ (art. 1º); regulamentou o procedimento a ser adotado pelo ministro relator no TST ao decidir pela suscitação do incidente (art. 2º); estabeleceu obrigação ao TST de organizar, manter e atualizar os registros dos IUJ’s (art. 3º); obrigação dos TRT’s de suscitar IUJ em todos os processos que tratem de matéria idêntica aquela objeto de suscitação pelo TST (art. 5º).

Além disso, a IN 37/2015 determinou a criação do Banco Nacional de Jurisprudência Uniformizada (BANJUR), acessível através do portal eletrônico do TST[95].

Quatorze dias após a IN 37 do TST foi publicada a Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015, o Código de Processo Civil, cuja vigência se iniciou após um ano de sua publicação, nos termos do art. 1.046 do CPC[96].

O novo diploma processual civil estabeleceu no art. 926, localizado no Capitulo I, “Disposições Gerais” do Título I, “Da Ordem dos Processos e dos Processos de Competência Originária dos Tribunais”, do Livro III, “Dos Processos nos Tribunais e dos Meios de Impugnação das Decisões Judiciais”, da parte especial do Código, que “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.[97]

Cumpre observar que a Lei nº 13.105/2015 não fixou qualquer previsão acerca do incidente de uniformização de jurisprudência.

A Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017, popularmente conhecida como “reforma trabalhista”, cuja vigência se iniciou após cento e vinte dias de sua publicação (art. 6º da Lei nº 13.467/2017), revogou os §§ 3º a 6º do art. 896 da CLT, os quais previam, dentre outras questões processuais, a expressa aplicação do IUJ ao processo do trabalho e a participação do Tribunal Superior do Trabalho nesta uniformização.

2.2  PROCEDIMENTO

O incidente de uniformização de jurisprudência pode ser suscitado pelo juiz, pelas partes e pelo Ministério Público nos processos em que for parte. Destaca-se, no que toca à legitimidade do juiz para suscitar o incidente que, além de se tratar de uma faculdade do magistrado, somente os julgadores que participam do julgamento da causa podem suscita-lo. É o que esclarece o art. 476 do CPC de 1973 pela expressão “ao dar o voto”[98], segundo a interpretação de Teixeira Filho. Portanto, juízes impedidos de votar, por exemplo, não poderiam suscitar o incidente[99].

O raciocínio acima foi criado na vigência do CPC de 1973, motivo por que deve ser examinada, atualmente, de acordo com as particularidades normativas atuais, tais como a ausência de previsão legal no atual Código Processual Civil e os regramentos dos regimentos internos dos tribunais, o que, notadamente, poderá variar para cada tribunal.

Ademais, em relação à competência para verificar se há ou não divergência jurisprudencial, Teixeira Filho ensina que esta seria do órgão fracionário a que o juiz está vinculado. Conclui o autor, com isso, que o incidente não poderia ser suscitado no pleno do tribunal, já que a lei se refere aos órgãos fracionários de forma expressa, inclusive, mencionando-os, como se lê do art. 476 do CPC[100].

Na seara trabalhista, o IUJ poderia ser suscitado pelo ministro do TST ou ser arguido pelo MPT. Deste procedimento de uniformização resultaria, necessariamente, uma súmula ou uma tese jurídica prevalecente.[101]

Teixeira Filho relembra lição de Theotonio Negrão e detalha exemplo em que o órgão fracionário que suscitou o incidente de uniformização deixou de aplicar a tese firmada pelo tribunal. No caso, a turma julgadora deixou de incidir o entendimento em razão da superveniência da Súmula nº 8 do STJ, cuja redação trazia orientação contrária aquela que resultou do incidente[102].

Impõe-se a observação, diante do exemplo extraído da doutrina, de que a uniformização vertical deve prevalecer sobre a horizontal, quando eventualmente seja constatada divergência entre os entendimentos uniformizados.

Corrobora esta conclusão, inclusive, o fato de que a uniformização constitui função precípua do Tribunal Superior do Trabalho. A exemplo disso, acórdão proferido por TRT que afronte súmula de jurisprudência do TST ensejará a interposição de recurso de revista, nos termos do art. 896, a, da CLT.

Significa dizer, portanto, que por mais que o TRT tenha uniformizado sua jurisprudência em relação a determinado tema, caso o entendimento sumulado pelo regional afronte entendimento do TST, deverá prevalecer o entendimento da corte superior. Portanto, impera a prevalência da uniformização vertical sobre a horizontal.

Tal raciocínio revela a relação orgânica existente entre o incidente de uniformização de jurisprudência e o sistema jurisprudencial como um todo. Isto é, os IUJ’s processados pelos TRT’s servem ao Tribunal Superior do Trabalho.

Portanto, a criação do IUJ teve como finalidade, além da mantença da coerência, integridade e estabilidade da jurisprudência, a redução do número de recursos de revistas.[103] Neste sentido, o IUJ figura como mais um elemento de restrição à interposição dos recursos de natureza extraordinária, consoante ensina Mauro Schiavi:  

A Lei n. 13.015/14 consolidou a tendência contemporânea de restrição aos recursos de natureza extraordinária, para somente admiti-los quando a matéria discutida em juízo for relevante e transcender aos interesses dos litigantes. Nesse aspecto, determina a lei que os Tribunais procedam à uniformização de sua jurisprudência interna, tendo por objetivo facilitar o julgamento dos recursos de revista, e impulsionar tendência contemporânea do Tribunal Superior do Trabalho de uniformizar a jurisprudência majoritária entre Tribunais Trabalhistas e, por exceção, nos dissídios individuais trabalhistas.[104]  

Quanto à indagação referente ao efeito do IUJ, Fernanda Faria e Laura Ferreira destacam que, conquanto não possuam expresso efeito vinculante, as teses jurídicas prevalecentes e as súmulas devem ser observadas, em respeito ao art. 927, V, do CPC/2015. Nesta linha, dispõe a doutrina examinada:  

Os Tribunais Regionais do Trabalho, no julgamento do incidente de uniformização de jurisprudência, previsto no art. 896, § 3º da CLT, editam súmulas e teses jurídicas prevalecentes que servem como paradigmas para viabilizar o conhecimento do recurso de revista. Os entendimentos jurisprudenciais decorrentes do julgamento do incidente em questão, não têm expresso efeito vinculante, diferentemente das súmulas editadas pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos dos arts. 102, I e 103-A, § 3º, da Constituição da República, mas devem ser obedecidos, em cumprimento ao dever processual imposto pelo art. 927, V, do CPC/2015.[105]             

 Embora parte da doutrina, consoante demonstrado, defenda a ausência de efeito vinculante das teses jurídicas e das súmulas produzidas no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho, por meio de instrução normativa, manifestou entendimento distinto, mas alinhado à corrente que defende a obediência das teses e súmulas dos TRT’s, consoante o disposto na parte final do art. 18, § 3º da IN 41/2018 do TST:  

As teses jurídicas prevalecentes e os enunciados de Súmulas decorrentes do julgamento dos incidentes de uniformização de jurisprudência suscitados ou iniciados anteriormente à edição da Lei nº 13.467/2017, no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho, conservam sua natureza vinculante à luz dos arts. 926, §§ 1º e 2º, e 927, III e V, do CPC.[106]

 Teixeira Filho fundamenta a defesa deste instituto processual na contribuição que este promove para a segurança jurídica. Registra, neste aspecto, que o jurisdicionado sabe o que diz a lei, mas não sabe qual será a interpretação que dela farão os magistrados. É sob este enfoque que, segundo o autor, se destaca o IUJ, pois permite ao jurisdicionado saber qual o pensamento do tribunal a respeito das questões de direito.[107]

2.3  O IUJ NO PROCESSO CIVIL

 A lei processual civil é aplicável de forma subsidiária e supletiva ao processo do trabalho por força do art. 769 da CLT combinado com o art. 15 do CPC/2015. Com esta nova lei de processo civil (Lei nº 13.105/2015), os debates relativos ao caráter vinculante dos precedentes judiciais renovou-se, mormente porque a lei enfocada conferiu grande valor aos precedentes.

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O Código de Processo Civil possui grande relevância para o esclarecimento do correto tratamento do tema atualmente, sobretudo em razão da revogação das normas celetistas que previam o procedimento no processo do trabalho. A antiga redação do art. 896, § 3º da CLT, inclusive, fazia referência expressa à Lei nº 5.869/73 (Código de Processo Civil de 1973), revelando que a dependência entre os ramos jurídicos processuais se manifesta no próprio texto legal.  

2.3.1  O Dever de Uniformização e a Questão da Constitucionalidade do art. 489 e 926 do CPC

 Quando da elaboração do anteprojeto do Código de Processo Civil, duas insatisfações sociais com a prestação jurisdicional foram reveladas pela comissão elaboradora.[108] A primeira consistia na demora da entrega da tutela jurisdicional e, a segunda, conforme ensina Humberto Theodoro Junior:  

enorme inconstância e diversidade interpretativa na aplicação do direito pelos Tribunais, que comprometia a segurança jurídica, pela imprevisibilidade dos resultados da prestação jurisdicional e pela quebra da confiança no ordenamento jurídico, tudo conspirando para violar, em grau intolerável, a garantia da igualdade de todos perante a lei (CF, art. 5º, caput). Esse quadro de imprecisão além de funcionar como estímulo à litigiosidade doentia sempre crescente no País –, também atuava como fator evidente do descumprimento do já lembrado princípio da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII).[109]

 Conquanto o Código de Processo Civil de 2015 não tenha tratado expressamente do incidente de uniformização de jurisprudência[110], “o dever de uniformizar pressupõe que o tribunal não pode ser omisso diante de divergência interna, entre seus órgãos fracionários, sobre a mesma questão jurídica.”[111]

Este enaltecimento do sistema de precedentes pela Lei nº 13.105/2015 se destaca, além da literal disposição do art. 926 do CPC, pelo caráter vinculante horizontal das decisões produzidas no âmbito do tribunal por ocasião do julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e incidente de assunção de competência (IAC)[112].

A valorização dos precedentes pelo diploma é tamanha que o texto literal do art. 489, § 1º, VI, do CPC, não considera fundamentada a decisão judicial que “deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.”[113]

A leitura do dispositivo acima deve ser feita em conjunto com o art. 927, III, IV e V do CPC, do qual se extrai, respectivamente, a imposição dos tribunais de observar “os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos”, “os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional” e “a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.”[114]

Além da clara relação entre as matérias tratadas pelos dispositivos legais, o art. 927, § 1º do CPC faz referência ao art. 489, § 1º, do CPC, o que corrobora a necessidade de estudo conjunto das normas jurídicas em referência.

O texto dos artigos enfocados estabelecem a obrigação dos tribunais de seguirem seus precedentes judiciais. Significa dizer, portanto, que o Código de Processo Civil conferiu caráter vinculante horizontal às decisões judiciais. Isto é, quando o tribunal é obrigado a seguir os seus precedentes.

De acordo com a doutrina tais dispositivos são inconstitucionais, haja vista o contido no art. 5º, II e art. 22, I, ambos da CF/88, e, ainda, por não existir autorização expressa da Constituição Federal que confira aos precedentes (considerados de forma geral) o status de norma jurídica imperativa. Neste sentido, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery compartilham o seguinte entendimento:  

O texto normativo ora comentado considera não fundamentada a decisão que deixa de aplicar precedente, acórdão, jurisprudência, orientação do plenário do tribunal ou súmula simples de tribunal (CPC 927), sem dar as razões pelas quais o juiz entende inaplicável o preceito. A vinculação do juiz nas hipóteses previstas no CPC 927, III, IV e V é inconstitucional, pois não existe autorização expressa na CF, como seria de rigor, para que haja essa vinculação. Para que a súmula do STF pudesse vincular juízes e tribunais foi necessária a edição de emenda constitucional incluindo a CF 103-A (EC 45/04). Da mesma forma é exigível emenda constitucional para autorizar o poder judiciário a legislar. A jurisprudência não tem, de lege lata, força normativa maior que a CF ou a da lei. Somente nas hipóteses previstas no CPC 927 I e II a vinculação é possível, pois para isso há expressa autorização constitucional (CF 102 § 2.º e 103-A caput).[115]

 Diante do art. 489, § 1º, VI, do CPC, Marinoni propõe que sua leitura seja feita no sentido de considerar que “a obrigatoriedade de que fala o inciso VI somente se aplica aos precedentes obrigatórios; não se aplica aos precedentes persuasivos.”[116].

Este raciocínio adequa a norma jurídica processual aos preceitos constitucionais, de modo que, ao passo que afasta a inconstitucionalidade (caráter vinculante de qualquer precedente) mantém os efeitos da norma (obediência aos precedentes obrigatórios).[117]

Portanto, as teses jurídicas e as súmulas resultantes dos IUJ’s, de acordo com Marinoni e Nery Junior, não possuem caráter vinculante, sob pena de afronta à Constituição Federal.

Sem embargos, a ausência de caráter vinculante destas teses e súmulas não prejudica os benefícios produzidos pelo IUJ. Afinal, por mais que não esteja obrigado a aplica-la, poderá o julgador ter a súmula como objeto de reflexão e, caso a adote, estará promovendo o tratamento isonômico entre os jurisdicionados, enaltecendo a segurança jurídica e, ainda, reduzindo as chances de interposição de recurso contra a decisão.

2.3.2  O Dever de Uniformização, a Superação e a Distinção no Processo Civil  

O art. 926, § 1º do CPC estabelece a tarefa de sintetizar a jurisprudência, ensejando teses prevalecentes e enunciados sumulares. Isto é, o tribunal passa a construir um sistema normativo de orientação. Notadamente, este conjunto de regras sumuladas não possui caráter vinculante no Brasil, mas apenas caráter persuasivo, haja vista a questão da constitucionalidade já retratada.

Em relação ao dever de uniformizar a jurisprudência, o trecho extraído da doutrina de Fredie Didier Junior retrata entendimento compartilhado também por Marinoni e Nery Junior:  

O objetivo é esclarecer que o correto exercício deste dever de editar enunciados sumulares pressupõe a fidelidade do tribunal à base fática a partir da qual a jurisprudência sumulada foi construída. Compre preservar o caráter de concretude do direito judicial que se constrói. Produz-se norma geral, mas a partir de casos concretos.[118]  

Com efeito, da norma jurídica (art. 926 do CPC) que impõe a uniformização da jurisprudência saltam três deveres dos tribunais. O dever da estabilidade, o dever da integridade e o dever da coerência.

Significa dizer que, em respeito a legislação processual civil, a uniformização das cortes regionais deve se manter estável. Com efeito, a jurisprudência deve ser observada pelos órgãos fracionários do tribunal.

Fora isso, a estabilidade representa a necessidade de obediência a procedimentos para alteração dos entendimentos consubstanciados nos precedentes. Estes procedimentos são o overruling (superação) e o distinguishing (distinção), os quais, inclusive, constam da redação do art. 489, § 1º, VI, do CPC.[119]

Neste sentido, comentam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:  

A forma pela qual o CPC 926 determina que a jurisprudência deve ser mantida estável pode dar, à primeira e apressada leitura, a impressão de que a jurisprudência não poderá ser alterada, pois deverá ser mantida estável. Evidentemente, o sentido da estabilidade pretendido pela lei é o de que a jurisprudência uniforme não deverá ser alterada sem propósito – ou, ao menos, se espera que seja este, pois não se pode pensar em entendimentos que não sejam passíveis de alteração, tendo em vista as transformações sociais e econômicas inerentes à sociedade moderna – o que demonstra, consequentemente, as necessárias coerência e integridade do entendimento jurisprudencial.[120] 

De fato, não se pode cogitar acerca de entendimentos jurisprudenciais imutáveis. Com efeito, o instituto da superação e da distinção servem justamente a possibilitar esta alteração e atualização dos precedentes.

No tocante ao dever da coerência, Fredie Didier Junior, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria Oliveira visualizam duas dimensões, a da coerência formal e da coerência substancial. A primeira se refere a não contradição e a segunda a ideia de conexão positiva de sentidos.[121]

Por fim, o dever de integridade se relaciona a ideia de integridade do Direito. Isto é, a norma inserta no precedente judicial deve se relacionar de maneira lógica com o ordenamento jurídico em toda sua complexidade.[122]

Em comentários a respeito do art. 489, § 1º, VI do CPC, Fredie Didier Junior, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria Oliveira, tal como considerado por Nelson Nery Junior, assinalam que:

Este precedente é uma espécie de continuação do anterior: se, para aplicar um precedente ou enunciado sumular, o juiz tem o dever de demonstrar que os fatos sobre os quais se construiu a sua ratio decidendi são equivalentes aqueles que animam o caso posto, para deixar de aplica-los também lhe é exigível que faça a distinção, apontando as diferenças fáticas que, no seu entendimento, justificam a não aplicação do precedente ou enunciado sumular no caso concreto, ou que informe a superação (overruling ou overriding) do precedente invocado.[123]

Desta forma, para que o julgador deixe de aplicar o precedente, necessário utilizar dos critérios da distinção e da superação, revelando quais as premissas fático-jurídicas do caso o particularizam, distinguindo-o das demandas que ensejaram a formação do precedente, ou quais circunstâncias justificam a superação do entendimento jurídico anteriormente construído.

Estes critérios objetivos, quando adotados pelos TRT’s no exame de incidência das súmulas e teses produzidas em sede de IUJ, possibilitam a inovação, transformação e atualização da jurisprudência e a redução das chances de engessamento do Poder Judiciário.

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