(Texto republicado em virtude de ter sido apresentado com conteúdo trocado na edição do dia 12/12/2005)
Em tempos de crise do capital, especialmente num país como o Brasil, em que os juros oficiais teimam em manter-se em níveis estratosféricos, o crédito passa a ser o objeto de desejo de grande parte das empresas no cenário nacional. Seguindo a lei da oferta e da procura, o crédito passa, então, a ser um bem extremamente caro, inacessível para alguns. Sendo o capital um objeto imprescindível para a atividade empresarial, na sua falta muitas sociedades acabam tendo sua atividade inviabilizada e fecham as suas portas. Neste cenário é que as alternativas à obtenção ao crédito são procuradas, dentre as quais se destaca a sociedade em conta de participação, que além de fonte alternativa de capitalização da empresa, é método alternativo de investimento.
Num conceito simples, pode-se dizer que a sociedade em conta de participação é aquela formada por dois tipos de sócios: sócio ostensivo e sócio oculto (ou participante). A atividade da sociedade é desenvolvida apenas pelo sócio ostensivo, em seu nome e sob sua exclusiva responsabilidade, cabendo aos sócios ocultos a participação nos resultados correspondentes, como prevê o art. 991 do Código Civil. Se este conceito não é suficiente para vislumbrar na sociedade em conta de participação uma alternativa de captação de crédito e de investimento, esta sua função pode ser bem visualizada com um exemplo prático.
Assim, imagine-se que de um lado há uma sociedade limitada, que atua no ramo de comercialização de sapatos em couro e atravessa uma grave crise de liquidez, necessitando capitalizar-se urgentemente, mas que tem encontrado dificuldades insuperáveis de tomar empréstimo junto a instituições financeiras; de outro lado, um grupo de quatro investidores que tem um grande capital disponível e que está disposto a investi-lo no setor produtivo, muito embora não tenha qualquer know-how em indústrias de sapatos em couro. Tanto a sociedade limitada quanto os investidores não se conhecem, mas têm objetivos que canalizam para um ponto em comum. É evidente que não parece conveniente que os investidores se tornem sócios da sociedade limitada. Como, então, eles poderiam aplicar seu capital, de forma segura, nesta empresa, cuja rentabilidade eles acreditam? A formação de uma sociedade em conta de participação é uma alternativa bastante viável.
No exemplo acima, então, a sociedade limitada e os quatro investidores formariam uma sociedade em conta de participação, na qual a sociedade limitada seria o sócio ostensivo e os investidores seriam os sócios ocultos (participantes).
As vantagens desta solução são incontáveis. Em primeiro lugar, a sociedade limitada obteria o capital de que necessita e os investidores teriam seu dinheiro aplicado em produção, revelando que este tipo societário tem uma importante função econômica, permitindo que o empresário fuja dos exorbitantes juros bancários. Mais que isso, os sócios ocultos estarão investindo seu capital num empreendimento que está no controle de pessoas que presumidamente possuem o conhecimento necessário para desenvolver o negócio. Revela-se, assim, uma salutar simbiose entre capital e know-how.
Neste ponto é importante frisar que o sócio oculto não participa da administração da sociedade em conta de participação, conferindo-lhe a lei, porém, o direito de fiscalização, com a ressalva de que não poderá tomar parte nas relações do sócio ostensivo com terceiros, sob pena de responder solidariamente com estes nas obrigações em que intervier, conforme o art. 993, parágrafo único, do Código Civil.
Em segundo lugar, garante-se privacidade aos investidores, porque a sociedade em conta de participação é uma sociedade "secreta", pois seu contrato social não deverá ser averbado perante a Junta Comercial. Na verdade, a constituição de uma sociedade em conta de participação independe de maiores formalidades e pode provar-se por todos os meios em direito admitidos, como esclarece o art. 992 do Código Civil. Aliás, não é por outro motivo que pessoas proibidas de comerciar optam por ser sócios ocultos (ex: magistrados, falidos etc.).
Ademais, a responsabilidade civil pelos negócios jurídicos realizados pela sociedade é exclusivamente do sócio ostensivo. Quer dizer, o sócio ostensivo responde ilimitadamente pelas obrigações assumidas em nome próprio para o desenvolvimento do empreendimento. Os sócios participantes não mantêm qualquer relação jurídica com os credores, logo, respondem apenas regressivamente perante os sócios ocultos.
Desta forma, no exemplo acima citado, se a sociedade limitada contrai uma dívida para adquirir couro e não paga seu fornecedor, o fornecedor deverá demandar apenas e tão-somente a sociedade limitada, e não a sociedade em conta de participação. Se a sociedade for condenada a pagar a quantia devida, deverá somente após essa condenação ingressar com ação regressiva em face dos sócios ocultos, nos limites que o contrato social permite.
Isto é, na sociedade em conta de participação, o sócio ostensivo é quem se obriga para com terceiros pelo resultado das transações e das obrigações sociais, realizadas ou empreendidas em decorrência da sociedade, mas nunca o sócio participante, que não é conhecido de terceiros nem como eles trata (RT 797/212).
Lembre-se, a propósito, que a sociedade em conta de participação é despersonalizada, ou seja, não tem personalidade jurídica. Portanto, não pode celebrar um contrato ou ser demandada judicialmente. Vale dizer, o contrato social só produz efeito entre os sócios (ostensivos e ocultos) e sequer sua eventual inscrição em qualquer registro confere-lhe personalidade jurídica, a teor do art. 993 do Código Civil. Desta forma, não adotará a sociedade em conta de participação qualquer nome empresarial.
Finalmente, quanto ao capital investido pelo sócio oculto, este, somado ao capital do sócio ostensivo também empregado no desenvolvimento da empresa, constitui um patrimônio especial da sociedade em conta de participação (art. 994 do Código Civil). A lei fala em patrimônio especial justamente porque ele não pertence à sociedade (que é despersonalizada), de modo que somente produz efeitos entre os sócios.
O debate que pode surgir é saber-se se o patrimônio especial responde pelas dívidas contraídas. Considerando que a sociedade em conta de participação não poderá contrair obrigações, posto que despersonalizada, é fácil concluir-se que ela, isoladamente, não tem responsabilidade patrimonial. Entretanto, entendemos que a responsabilidade patrimonial do sócio ostensivo se estende a este patrimônio especial, se a obrigação correspondente for relacionada com o desenvolvimento da sociedade em conta de participação.
Em síntese, a sociedade em conta de participação transcende os limites de mera sociedade empresária, revelando-se uma alternativa bastante viável e até certo ponto segura de investimento, possibilitando a conciliação entre o capital e os meios de produção, certamente gerando mais riqueza do que o mero investimento especulativo.