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Ainda são necessárias certidões para a lavratura de atos notariais (escritura de compra e venda, inventário e usucapião extrajudiciais)?

30/10/2019 às 12:44
Leia nesta página:

E se não for mais obrigatório, valerá a pena ao adquirente dispensar essa cautela? Entenda um pouco mais sobre o assunto, à luz da Lei nº 13.097/2015.

A concentração dos atos na matrícula

Vige no ordenamento jurídico o princípio da concentração dos atos na matrícula. Segundo a lição de LUIZ GUILHERME LOUREIRO “os ônus, encargos e gravames reais, decorrentes de atos da vontade ou da lei, não afetam o título do adquirente da propriedade do imóvel ou outro direito real imobiliário quando não estiverem inscritos no Registro de Imóveis”.

O referido princípio foi positivado com a Lei nº. 13.097/2015 em seu artigo 54 que reza:

Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:

I - registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias;

II - averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos do art. 615-A da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil;

III - averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e

IV - averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso II do art. 593 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.

Considerando o referido princípio já não mais se torna necessária a apresentação das certidões que aludiam o par. 2º do art. 1º da vetusta Lei Federal nº. 7.433/85 e mesmo parte do inc. IV do art. 1º do Decreto nº. 93.240/86.

Com sua peculiar acuidade aponta o Registrador JOÃO PEDRO LAMANA PAIVA em ensaio disponibilizado na Internet (http://registrodeimoveis1zona.com.br/wp-content/uploads/2017/02/PRINC%C3%8DPIO-DA-CONCENTRA%C3%87%C3%83O-Sinduscon.pdf):

“O princípio da concentração tem por objetivo concentrar todas as informações e direitos que tenham influência no registro imobiliário ou nas pessoas. A situação jurídica que não estiver na matrícula, não será oponível, pois não atinge o imóvel”

Em que pese a vigência da referida Lei Federal nº. 13.097/2015, ainda por algum tempo, no Estado do Rio de Janeiro, permaneceu a exigência da apresentação das referidas certidões (vide Proc. Adm. CGJ nº. 2017.042842 e 2017.062776, p.ex.) porém, somente em 2018, por conta de determinação do CNJ (Pedido de Providências nº. 0001687-12.2018.2.00.0000), através do Proc. Adm. CGJ nº. 2018.061171 tornou-se possível a não apresentação das referidas certidões, em prestígio ao novo regramento inaugurado pela Lei Federal nº. 13.095/2015.

Por conta disso a Consolidação Normativa Extrajudicial foi modificada para atender ao Provimento CGJ nº. 20/2018, sendo atualmente necessário que o Oficial oriente aos interessados sobre a possibilidade da apresentação das certidões, devendo ser consignado no ato, no caso da sua não apresentação, que a ausência delas se deu por vontade das partes. Confira-se:

Art. 242. Conferida a documentação, o escrevente consignará:

VI - no caso de imóvel, tanto na escritura definitiva quanto na referente à promessa:

g) certidões, assim entendidas:

(3) de feitos de jurisdição contenciosa ajuizados (ações reais e pessoais reipersecutórias) e do Juízo orfanológico, quando apresentadas pelas partes;

(...)

§ 5º. Caberá ao Notário orientar as partes quanto à faculdade de apresentação das certidões de feitos ajuizados, devendo constar do respectivo ato que a ausência das referidas certidões se deu por vontade das partes.

Neste contexto, já não podem constar como EXIGÊNCIA a apresentação das referidas certidões.


Mas terá sido realmente uma vantagem para o comprador a dispensa das referidas certidões?

Pela regra do art. 490 do CCB/2002, as despesas de Escritura e Registro ficarão a cargo do Comprador, e as relativas à tradição por conta do Vendedor, sendo certo que esse acerto pode ser diferente, desde que acordado entre as partes – ou seja – se nada for tratado em sentido contrário, as despesas pela comprovação de que a transação pretendida é hígida (o que se dá com a apresentação das certidões de praxe necessárias, inclusive) serão do VENDEDOR e não do comprador – porém será este – o comprador – o maior beneficiado com a apresentação das referidas certidões pois elas atestarão que, pelo menos até onde a Lei recomenda, as cautelas foram observadas e a negociação não apresentava qualquer vício capaz de acarretar a perda do imóvel (como por exemplo, no caso de ações judiciais que atinjam o patrimônio do vendedor – v.g., Ações Reipersecutórias, Ações Reais).

A bem da verdade garantia, completa mesmo (se é que podemos cogitar da mais absoluta garantia) haveria somente com a apresentação de certidões negativas de todos os foros do Brasil inteiro – conduta impraticável no contexto atual, ainda que bem avançadas as questões de microinformática e interligação de sistemas.


O Cartório do Registro de Imóveis ainda assim poderá exigir as certidões?

Havendo a dispensa no momento da lavratura, dentro do contexto vigente o ato será válido e perfeito, não havendo possibilidade de negativa já que lavrado dentro das normas permissivas (leia-se, Lei Federal, princípios constitucionais, princípios registrais e normatização local da CGJ). Não se desconhece, todavia, que, ainda assim algumas dúvidas registrais tiveram de ser dirimidas pelo Egrégio Conselho da Magistratura fluminense, prestigiando-se a permissão para a lavratura sem a apresentação das certidões, senão vejamos:

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REGISTRO DE INSTRUMENTO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA sem Certidões de feitos ajuizados:

Proc. 0286732-07.2014.8.19.0001. J. em 16.05.2019. Dúvida Registral.

REGISTRO DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA sem Certidão de ITC (interdições, tutelas e curatelas) bem como feitos ajuizados:

Proc. 0105021-98.2016.8.19.0001. J. em 06.06.2019. Dúvida Registral.

REGISTRO DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA sem Certidão Negativa de Débitos Fiscais:

Proc. 0285032-88.2017.8.19.0001. J. em 06.06.2019. Consulta Registral.

REGISTRO DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA sem Certidões de Feitos da Justiça do Trabalho:

Proc. 0000575-48.2015.8.19.0011. J. em 29.01.2019. Dúvida Registral.

REGISTRO DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA sem Certidões de Executivos Fiscais:

Proc. 0235749-04.2014.8.19.0001. J. em 06.12.2018. Dúvida Registral.

REGISTRO DE ESCRITURA DE INVENTÁRIO E PARTILHA sem Certidão Negativa de Débitos Fiscais:

Proc. 0409565-56.2016.8.19.0001. J. em 08.11.2018. Dúvida Registral.

REGISTRO DE ESCRITURA DE INVENTÁRIO E PARTILHA sem Certidão de Executivos Fiscais, bem como Certidões de ITC e feitos ajuizados:

Proc. 0002776-79.2010.8.19.0078. J. em 09.04.2015. Dúvida Registral.

Proc. 0005379-38.2013.8.19.0073. J. em 13.11.2014. Dúvida Registral.

Por fim, com relação à Usucapião Extrajudicial, ainda não se tem notícia de, pelo menos em sede fluminense, haver caso onde se discuta a não apresentação de certidões. Em sede bandeirante, pelo menos, já houve caso (Proc. TJSP nº. 1009670-61.2018.8.26.0019) onde se discutia a não apresentação das certidões de feitos judiciais contra os nomes dos titulares tabulares do imóvel usucapiendo – porém restou assentado, em que pese a Lei 13.097/2015, a sua necessidade haja vista, além de se tratar de expressa previsão legal da sua obrigatoriedade (Provimento CNJ 65/2017 e art. 216-A da LRP) o fato de que, em sede de Usucapião, exige-se a comprovação da inexistência de litígio acerca da ocupação que se pretende ver convertida em propriedade através da usucapião – que deve ser comprovado com a inexistência de ações judiciais distribuídas na Justiça Estadual e Federal.


E então?

De todo o exposto, a pergunta que remanesce: vale mesmo a pena, em momento tão importante na vida, como a aquisição de um bem imóvel, que muitas vezes servirá como sua moradia – dados os efeitos e importância que tal ato refletirá na sua vida – dispensar certidões que, via de regra, cabem ao transmitente oferecer de modo a demonstrar a higidez e viabilidade do negócio? Pensamos que essa cautela não deve ser dispensada pelo adquirente, conscientemente – assim como a realização da transação dentro das prescrições legais – com a lavratura da Escritura Pública e o imediato Registro Imobiliário.


BIOGRAFIA.

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática / Luiz Guilherme Loureiro. – 8. ed. rev. atual e ampl. – Salvador : Editora Juspodivm, 2017

PINTO, Nelson Luiz. Ação de usucapião / Nelson Luiz Pinto. – 2. ed. refund., ampl. e atual. de acordo com a Doutrina e Jurisprudência mais rcente e contemplando o Usucapião Constitucional, instituído pela Constituição Federal de 1988. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1991.

Código Civil comentado – doutrina e jurisprudência / Anderson Schreiber ... [et al.] – Rio de Janeiro : Forense, 2019.

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Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Julio. Ainda são necessárias certidões para a lavratura de atos notariais (escritura de compra e venda, inventário e usucapião extrajudiciais)?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5964, 30 out. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77168. Acesso em: 21 nov. 2024.

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