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Livros didáticos e direitos de autor em disputa

17/12/2005 às 00:00
Leia nesta página:

            Nesse fim de ano letivo, escolas públicas e particulares iniciam a discussão sobre os livros didáticos que serão adotados em 2006. Segundo o Ministério da Educação, o setor movimentou no mercado editorial brasileiro R$ 1,1 bilhão em 2004 e agora, no final de 2005, o MEC negocia a compra de livros das disciplinas de português e matemática que serão adotados nos próximos três anos por estudantes do ensino médio do país.

            A partir desse panorama, vale destacar o Projeto de Lei n° 1.888/2003 da Câmara Federal, que acrescenta um inciso ao Artigo 46 da Lei n° 9.610/98 – Lei de Direitos Autorais, segundo o qual deixaria de constituir ofensa aos direitos autorais a reprodução parcial ou integral de qualquer obra intelectual em livros didáticos destinados à educação regular.

            Isso significa que, enquanto a Lei de Direitos Autorais permite a reprodução de passagens, de apanhados e de pequenos trechos – exceção feita às obras plásticas – ou, em outros termos, a reprodução parcial de obras protegidas, o inciso proposto permite a reprodução integral de obra intelectual de qualquer gênero.

            Cabe indagar: a liberação legal de reprodução integral de obra intelectual protegida é realmente necessária?

            Segundo os autores da proposição de projeto de lei, sim. Sim, porque as atuais exceções da Lei de Direitos Autorais são insuficientes com relação a "reprodução de obras intelectuais protegidas no livro didático, o que gera uma verdadeira insegurança para a atividade editorial dirigida ao livro didático, que está obrigada a seguir as normas relativas a educação." Também deveria dizer que esta atividade, tal como qualquer outra, está, igualmente, obrigada a respeitar a Lei. E prossegue a proposição, para afirmar que a exceção proposta é necessária "para garantir a efetiva realização da educação, inclusive, nos moldes propostos pelo próprio Ministério da Educação."

            Será que permitir a reprodução integral de uma obra intelectual contribui para que uma nação alcance melhores níveis de educação e ensino? Não parece óbvio que educar também compreende fazer com que a Lei seja respeitada e, não, excepcionar a Lei? Que dizer de uma nação que, seja a que título for, pretende permitir que o trabalho intelectual de suas mentes mais brilhantes possa ser reproduzido e explorado comercialmente, sem que seu autor tenha direito a qualquer remuneração por tal utilização?

            É certo que os direitos de autor – a que também denominamos propriedade intelectual - equiparam-se a direito de propriedade, pois se o homem pode tornar-se proprietário de coisas que lhe são externas, com muito mais razão pode ser proprietário daquilo que cria com seu trabalho intelectual e exterioriza para o mundo. Por outro lado, a Constituição Federal determina que a propriedade deve atender à sua função social.

            A educação e o ensino podem ser os objetivos de uma obra intelectual, mas não são, por excelência, os únicos objetivos através dos quais as obras intelectuais, enquanto propriedade, alcançarão sua função social.

            Portanto, se o Estado – e o ordenamento jurídico - exige que a propriedade intelectual realize a sua função social, deve, em primeiro lugar, possibilitar sua exteriorização à coletividade, o que, evidentemente, não se faz retirando o direito exclusivo de utilização que é conferido ao autor.

            A obra intelectual – em que lhe pese o respeito à origem – uma vez exteriorizada, pode converter-se em produto, ser produzida e comercializada – sem perder a qualidade - em escala industrial e trazer à coletividade, os benefícios que lhe traz toda e qualquer atividade econômica – empregos, impostos etc. – e, ainda, o benefício de multiplicar o conteúdo da obra em si.

            O Estado pode, portanto, incentivar a atividade editorial para fins de ensino e educação através de meios que lhe são próprios e à custa do erário público – que se traduz como sendo às expensas de toda a coletividade – sem ter necessidade de sacrificar o direito de autor e os próprios autores.

            Mas, ainda assim, exceções de direitos ou concessão de benefícios e incentivos para determinadas atividades econômicas – ainda que para aquelas que têm a educação ou o ensino como pano de fundo - devem ser avaliadas com cautela e distribuídas com ponderada moderação, sob pena de onerar-se a coletividade imerecidamente. Não se deve fazer da exceção, a regra, sob pena de serem criadas "reservas" desnecessárias e apenas cômodas. Como sabemos, a experiência brasileira com reservas de mercado não apresenta saldo positivo.

            A proposição de projeto de lei, por outro lado, parece ser extremamente impertinente. Nesse momento em que se busca combater a "pirataria" em muitas frentes, não parece ser conveniente que se faça uma exceção ao direito de autor para permitir uma modalidade de exploração não remunerada de sua obra protegida.

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Sobre o autor
Ricardo Pinho

sócio do escritório Daniel Advogados, no Rio de Janeiro (RJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINHO, Ricardo. Livros didáticos e direitos de autor em disputa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 897, 17 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7737. Acesso em: 24 nov. 2024.

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