Os impactos da escravidão moderna à sociedade e aos direitos humanos

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3 ESCRAVIDÃO

Trabalhar foi um dos componentes importantes no desenvolvimento do homem e das sociedades, considerando como trabalho qualquer ação para transformar a natureza das coisas. Visto assim, desde o mais primitivo homem, o ser humano trabalha como forma de obter da natureza seu sustento e, mais modernamente, como ferramenta para transformar o mundo (TRINDADE, 2001). A escravidão existe no Brasil, os casos não são isolados, nem atingem reduzido número de pessoas. Foi utilizada para promover a ocupação da Região Amazônica na década de 70, conforme denúncia pública pioneira de dom Pedro Casaldáliga, bispocatólico, em carta pastoral (Casaldáliga,1971). Foi largamente utilizada na década de 80 em empreendimentos agrícolas de grandes e modernas empresas como Bradesco, BCN, Bamerindus, Volkswagen (Martins, 1997). Continua a ser amplamente utilizada na Região Amazônica - mas também no Mato Grosso do Sul e em Minas Gerais -, mediante o aliciamento de trabalhadores, em diferentes pontos do território nacional, sobretudo em localidades onde não há oportunidades de emprego ou de trabalho (DODGE, 2003, p.133).

Após o trabalho de mera subsistência, nos primórdios da civilização, surge a escravidão como meio de produção. Esse modo de produção, o escravagista, foi típico da antiguidade clássica. Remonta-se ao Egito antigo, em verdade, por ser a primeira com informações suficientes para a abordagem dos historiadores. Percebia-se a divisão de classes: família real; sacerdotes; nobres; classe média dos escribas, mercadores e agricultores; camponeses; soldados e escravos. Os escravos foram sendo reunidos durante a expansão e conquistas do Império Romano. Os escravos foram obrigados a trabalhar para o governo e para os templos. Na Grécia e em Roma, igualmente, em razão das conquistas de novas áreas invadidas, esses povos vencidos foram escravizados (DINIZ, 2009).

A escravidão contemporânea […] inviabiliza o exercício da liberdade sob todas as formas. Inexiste direito de ir e vir, na medida em que os trabalhadores são constantemente vigiados por homens armados, que os obrigam a produzir, não obstante as péssimas condições, até que o serviço seja cumprido ou até que as infindáveis dívidas sejam quitadas. Já as demais formas de liberdade – pensamento, expressão coletiva e ação profissional – são cerceadas pela própria essência do trabalhador nessa situação. O analfabetismo, a ignorância da titularidade dos direitos e a falta de perspectiva de vida e de oportunidades de trabalho os alienam nesse mundo de escravidão, para onde frequentemente retornam, mesmo após a conquista da tão desejada liberdade física (MELLO, 2005, p.66).

O modelo agrário já não correspondia aos anseios dos homens, que buscavam no comércio uma melhor forma de subsistir, dando início a grandes mudanças, no mundo, o que se denominou de Revolução Comercial. A Revolução Comercial representa uma transição da economia semiestagnada, de subsistência, da Idade Média, para o regime capitalista que se desenvolve até os dias de hoje (BRITO FILHO, 2013). A escravidão é a condição social na qual o indivíduo se encontra dentro de uma sociedade, na sujeição de cativeiro, utilizando a sua força motriz para fins econômicos e políticos ou na determinação de um status social. Trata-se ainda de um fenômeno histórico bastante extenso e diverso, sendo um tipo de relação social e de trabalho que existe desde os tempos mais remotos da humanidade (CAMPOS, 1988, p.47). Segundo Hoffman Hunt e Woward Sherman (2008, p. 51), resumidamente, o surgimento do mercantilismo assim se deu: Uma série de mudanças profundas provocou o declínio do feudalismo e a emergência de uma nova economia voltada para o mercado.

As mais importantes dessas mudanças foram os progressos ocorridos na tecnologia agrícola entre o século XI e o final do século XIII. Os aperfeiçoamentos introduzidos na tecnologia agrícola desencadeariam, nos séculos subseqüentes, uma sucessão de acontecimentos que culminaram na consolidação do capitalismo. O rápido crescimento da população e da concentração urbana favoreceram o ressurgimento do comércio de longa distância. O sistema manufatureiro estruturado nas cidades (putting-out system) produzia as mercadorias que eram intercambiadas no comércio de longa distância O descobrimento das Américas também estimulou o comércio, pelo surgimento de novos produtos e de metais preciosos.

As navegações criaram novas rotas de comércio, novos produtos e novos mercados consumidores. Neste período, não só a Europa toda se abria para o comércio, como também regiões da Ásia, a América e a África. Também tem papel fundamental, no desenvolvimento do capitalismo moderno, o progresso das atividades bancárias. Evidentemente, o interesse em aumentar os lucros e os ganhos e a riqueza implicava se ter segurança para resguardar esse patrimônio. Além disto, os banqueiros criaram letras de câmbio, que substituíam as remessas de dinheiro e facilitavam o comércio entre os diversos países (DELGADO, 2006). Surge uma série de movimentos: Revolução Protestante; Revolução Gloriosa (Inglaterra); Revolução Americana; Revolução Francesa; Revolução Industrial; Independência Americana; Guerras Napoleônicas; Unificação Italiana e Alemã. Toma força um novo modelo econômico que, definitivamente, subjuga o homem, tornando-o escravo do capital.

A Revolução Industrial fez parte de um momento histórico, em que as burguesias instaladas, endinheiradas em razão do comércio, perceberam poder ter maiores lucros (TRINDADE, 2001). Nas palavras de Magalhães Filho (1970): A Revolução Industrial é, antes de mais nada, um salto qualitativo na evolução das forças produtivas. Até então, todos os tipos de civilização anteriores, a produção era feita pela força do próprio homem, multiplicada pelo uso de instrumentos de trabalho e, em certos casos, pelo aproveitamento de forças já desencadeadas pela natureza, tais como os ventos e a água, ou da força de animais.

Com o crescimento da demanda européia, provocada tanto pelo lento desenvolvimento da agricultura como pela rápida evolução das atividades comerciais, a elevação dos preços estimulou a crescente aplicação do excedente na ampliação da capacidade produtiva. Este era um processo de crescimento semelhante àqueles porque sempre haviam passado as economias comerciais O sistema fabril representou enorme aumento na produção. Além disso, caminharam juntas duas outras Revoluções: nos transportes e na agricultura. As três Revoluções agiram, conjuntamente, uma facilitando o maior crescimento da outra, mas ao lado da riqueza construída diante de tamanha possibilidade de ganhos, os trabalhadores, deste início da indústria, viviam em condições de miséria (NAVARO, PADILHA, 2009).

3.1 A GLOBALIZAÇÃO E O TRABALHO

O mundo vive um momento crucial. As questões econômicas mundiais, a globalização e da miséria mundial são temas que precisam ser amplamente debatidos, com seriedade e visão de urgência e de necessidade de soluções para tais questões. Evidentemente, parece, já de plano, impossível solucionar ou sequer indicar um caminho para problemas tão profundamente graves e tão intricados com a própria natureza humana e com os caminhos por quais trilha a humanidade (HADDAD, 2013, p.67). O Brasil, por seu lado, detém uma realidade própria, de país em desenvolvimento, despreparado para as novidades mercadológicas que a pós- modernidade exige. Em verdade, encontramos, em nosso país, situações de trabalho que se encontram ainda na era industrial, na modernidade e poucos na era pós-moderna (NAVARO, PADILHA, 2009).

A atual realidade do Estado brasileiro demonstra que, não obstante sua significativa arrecadação, o país não tem investido o suficiente em novos programas voltados à educação, e tampouco se veem políticas que apresentarão resultados a médio ou longo prazo, uma vez que para um país com tantos excluídos, somente o investimento maciço em educação poderá ampliar o horizonte desta grande parte da população que se encontra totalmente segregada, uma situação que tende a se ampliar na pós-modernidade (MARTINS, 2011). Os trabalhadores sem formação só podem estar totalmente à margem da sociedade, percebendo auxílio do Estado, ou na prática da criminalidade, ou, ainda, desempenhando trabalho braçal, seja na própria agricultura, de onde a maioria se evadiu, seja em obras de infraestrutura, como na construção e pavimentação de rodovias, na construção de portos, hidroelétricas, esgotos, água encanada, moradias populares, etc (TRINDADE, 2009).

Para isso, serão necessários bons investimentos de Governo e a implementação de políticas de parceria firmadas entre o Estado e a iniciativa privada. Vale destacar que o investimento certo, por parte do Governo, trará grande retorno, vez que aumentará a arrecadação de impostos, a circulação de bens e mercadorias, haja vista que uma parcela maior da população com renda, naturalmente, esta renda repercutirá em todo o comércio e na indústria, frente ao aumento de capitais na economia (HADDAD, 2013). O Brasil corre o risco de se tornar muito parecido com a China que, em razão do grande número de excluídos, impôs condições sub-humanas de trabalho, tornando a mão-de-obra chinesa a mais barata do mundo, tornando-se um ótimo atrativo para os grandes investimentos de capital estrangeiro (MARTINS, 2011).

Paul Singer (1998, p. 102) aborda a questão, tratando de países que reduziram direitos trabalhistas e que tiveram aumento do número de trabalhadores ocupados: Cumpre, finalmente, assinalar que a precarização do trabalho, o aumento do exército de reserva e do número de pobres no Primeiro Mundo e em alguns países da periferia têm como contrapartida o crescimento do número de ocupados, do nível de produção e de consumo nos países que estão crescendo velozmente. São casos notórios os da China, Coréia do Sul, Taiwan, Hong-Kong e outro países da Ásia oriental, aos quais se junta o Chile, de nosso continente. Tudo leva a crer que nesses países o aumento da produtividade marcha à frente do aumento dos salários e que os direitos trabalhistas devem ser muito modestos.

Não obstante, nesses países a pobreza está diminuindo, o que permite concluir que a globalização do capital está redistribuindo renda no plano mundial. Desta feita, não há como pensar em trabalho e desemprego sem visualizar a responsabilidade e a influência da globalização sobre eles. Não há como se pensar em limites para a flexibilização sem se pensar em limites ou mecanismos de proteção para a globalização.

3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR

O termo “responsabilidade” tem a mesma raiz do latim do termo “responder”. A todas as atitudes humanas cabem consequências, que são as responsabilidades, como segurança ou garantia de que a violação de um direito terá restituição ou compensação. Responsabilidade esta, então, inexoravelmente, ligada ao conceito do dever de reparar o dano causado. O agente causador do dano pode ter responsabilidade subjetiva ou objetiva (CAMPOS, 2007). A atitude do agente pode ser comissiva ou omissiva, licita ou ilícita, intencional ou não, mas deve haver nexo causal ligando o dano ao agente, seja de forma objetiva, seja subjetiva.

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Significa dizer que não se pode falar em responsabilidade civil nos casos fortuitos ou de força maior (CASSAR, 2017). [...] poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva) (DINIZ, 2007, p. 34).

Em ambos os casos, há similitudes: infração de dever, que implica em responsabilidade, uma perturbando a relação individual, e dela cabendo ressarcimento; outra, a ordem pública, dela cabendo a pena. Em relação ao caso fortuito ou força maior, temos o conceito no art. 501 da CLT (consolidação das leis do trabalho): “Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente. ” O caso fortuito ou força maior é considerado uma excludente, pois também não gera responsabilidade civil do empregador por falta de nexo causal com o exercício do trabalho, tendo em vista que escapam de qualquer controle ou diligência do empregador, mesmo tendo ocorrido no local e horário do trabalho. (NORONHA, 2008, p. 147).

Para se excluir a responsabilidade civil nos casos de caso fortuito ou força maior, como explica Brandão (2007, p. 256) deverá haver “[...] a ausência de providências capazes de serem adotadas pelo empregador a fim de evitar a sua ocorrência”. Um apontamento importante a ser feito nos casos de caso fortuito ou força maior é que, nas hipóteses de aplicação da responsabilidade objetiva, não exclui esta responsabilidade o caso fortuito interno, isto é, o fato danoso que está ligado com a pessoa, a coisa ou a empresa do agente causador do dano, em outras palavras, o fato danoso que se relaciona com a atividade da empresa. Somente irá excluir a responsabilidade nos casos fortuitos externos, que são aqueles que não estão em nada ligados com a atividade da empresa. (NORONHA, 2008, p. 149-150).

Via de regra, quando tratamos de acidente de trabalho, a constatação de qualquer excludente isenta o empregador de responsabilidade civil, uma vez que tais fatos acabam ocorrendo fora do controle do empregador (CASSAR, 2017). O empregador é aquele que tem o poder de direção sobre o empregado, que dá ordens aos subordinados, que define como serão desenvolvidas as atividades do trabalhador (NASCIMENTO, 2004). A doutrina é bastante divergente sobre o critério adotado no artigo 2º, § 1º da CLT, onde "equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitem trabalhadores como empregado (BRASIL, 2003).

O empregador tem como obrigação pagar o salário justo ao empregado e como obrigações acessórias protegê-lo de danos físicos e ou morais que possa vir a sofrer em decorrência da execução do trabalho. Conforme discorre a doutrina, dentre tantas obrigações "acima de tudo, tem o empregador a obrigação de respeitar a personalidade moral do empregado na sua dignidade absoluta de pessoa humana.” (NASCIMENTO, 2004, p.88). O empregado define-se pela CLT, no artigo 3º, como sendo toda pessoa física que tem condições de prestar serviços dependente de um salário para a sua sobrevivência e inclusão social (CAVALIERI FILHO, 2012).

3.3 TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO

Em todo o mundo, com ênfase nos países pobres, sempre ocorreu a exploração dos trabalhadores, por aplicação da máxima da “oferta e da procura”. Existindo muitos trabalhadores desempregados, estes se sujeitam a condições desumanas de trabalho, para garantir sua subsistência (TRINDADE, 2009). Um ponto fundamental que distingue o trabalho escravo na atualidade daquele encontrado até o final do século XIX é o fato de o trabalhador não mais ser parte integrante do patrimônio do patrão. E isto não poderia ser tolerado hodiernamente, em razão do que preceitua a nossa Constituição Federal, que coloca a dignidade da pessoa humana como um os fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III) (SENTO-SÉ, 2000, p.102).

A necessidade de subsistência, aliada à falta de oportunidades de trabalho, facilita a atuação de empregadores mal-intencionados, egoístas e que não tomam conhecimento da Lei, visando apenas a obter cada vez maiores lucros, a qualquer custo. Tais circunstâncias de degradação do trabalho, que se repetem atualmente em vários lugares do globo, foram vistas corriqueiramente na Europa nos primórdios da industrialização, com exploração do trabalho nem mesmo das disposições da CLT (Consolidação das Leis de Trabalho pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943)) (HADDAD, 2013): Em um primeiro momento é estranho não ler nenhum artigo que dispõe sobre o trabalho escravo na CLT de forma direta. Há vários juristas que acreditam que a omissão se deu ao fato de que o legislador da época não desejou criar revogação do artigo inserido no código penal, pois as matérias contidas na consolidação são de competência exclusiva da justiça do trabalho, logo, qualquer dispositivo penal contido no decreto-lei poderia gerar conflitos de competência para o crime de julgamento a trabalho análogo a escravo.

Com a demora na resolução destes conflitos o que poderia ocorrer é a prescrição punitiva do crime pela demora do julgamento. (GABRIELA DELGADO, 2006, p. 214). A CLT dispõe nos artigos abaixo os meios que levam ao entendimento da condição análoga ao trabalho escravo, como dito acima, não diretamente a escravidão, mas são utilizados em analogia para combater os desregramentos cometidos contra os trabalhadores. O artigo 13 da CLT dispõe quanto a não possuir Carteira de Trabalho e Previdência Social.

Art. 13 - A Carteira de Trabalho e Previdência Social é obrigatória para o exercício de qualquer emprego, inclusive de natureza rural, ainda que em caráter temporário, e para o exercício por conta própria de atividade profissional remunerada. § 1º - O disposto neste artigo aplica-se, igualmente, a quem: I - proprietário rural ou não, trabalhe individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da mesma família, indispensável à própria subsistência, e exercido em condições de mútua dependência e colaboração; II - em regime de economia familiar e sem empregado, explore área não excedente do módulo rural ou de outro limite que venha a ser fixado, para cada região, pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social. § 2º - A Carteira de Trabalho e Previdência Social e respectiva Ficha de Declaração obedecerão aos modelos que o Ministério do Trabalho e Previdência Social adotar. § 3º - Nas localidades onde não for emitida a Carteira de Trabalho e Previdência Social poderá ser admitido, até 30 (trinta) dias, o exercício de emprego ou atividade remunerada por quem não a possua, ficando a empresa obrigada a permitir o comparecimento do empregado ao posto de emissão mais próximo § 4º - Na hipótese do § 3º: I - o empregador fornecerá ao empregado, no ato da admissão, documento do qual constem a data da admissão, a natureza do trabalho, o salário e a forma de seu pagamento; II - se o empregado ainda não possuir a carteira na data em que for dispensado, o empregador Ihe fornecerá atestado de que conste o histórico da relação empregatícia (BRASIL, 1943).

Hodiernamente, a escravidão está associada à facilidade de migração de pessoas e à má distribuição de renda. Infelizmente, esse fato ainda pode ser encontrado em diversas regiões do mundo, quer seja em países em desenvolvimento, quer seja em países desenvolvidos. São esses os mecanismos que coíbem a liberdade desses trabalhadores. Sem dinheiro, ameaçados e sem o conhecimento de seus direitos fundamentais e trabalhistas, os explorados ficam “presos” a um emprego em que enfrentam maus-tratos e péssimas condições (MARTINS, 2011). [...] em que o empregador sujeita o empregado a condições de trabalho degradantes, inclusive quanto ao meio ambiente em que irá realizar a sua atividade laboral, submetendo-o, em geral, a constrangimento físico e moral, que vai desde a deformação do seu consentimento ao celebrar o vínculo empregatício, passando pela proibição imposta ao obreiro de resilir o vínculo quando bem entender, tudo motivado pelo interesse mesquinho de ampliar os lucros às custas da exploração do trabalhador (SENTO-SÉ, 2000, p.95).

Atualmente, ainda existem trabalhadores que não recebem remuneração pelo seu trabalho ou, quando recebem o valor, é inferior ao que seria justo, vivem em moradias que oferecem riscos à saúde, não recebem auxílio médico e trabalham além do limite imposto pela lei, consequentemente não recebem hora extra, dentre outras irregularidades. Apesar de hoje não existir mais correntes ou senzalas, são inúmeros os relatos dos trabalhadores em condições de trabalho que remetem a uma escravidão contemporânea. Portanto, essa condição diz respeito não apenas a aquisição de mão de obra, mas também ao uso e desprezo dos seres humanos, visando ao aumento dos lucros e a redução de despesas (DELGADO, 2006).

A vítima é privada da liberdade de escolha e a execução do trabalho decorre de uma relação de dominação e sujeição, contra a qual não tem a possibilidade de se insurgir. A conduta do agente pode ser praticada com violência ou grave ameaça, mas também mediante a criação ou o aproveitamento de circunstâncias que a impossibilitem de exercer a opção de não se submeter ao trabalho (MIRABETE, 2005, p. 184) O trabalhador percebe posteriormente que tem de fato sua liberdade restringida, ou pelas armas dos capatazes, muitas vezes mantido em cativeiro, em situações degradantes, ou vendo-se impedido de sair pelos perigos de um lugar ermo e selvagem ou, ainda, atrelado a uma dívida impagável, pois é obrigado a consumir os produtos com preços superfaturados da "venda" ou mercearia local (HADDAD, 2013).

A importância da constitucionalização das normas básicas de proteção ao trabalho pode ser evidenciada pelo simples fato de que tal hierarquia confere a essas normas "a natureza de caráter público, de modo que não podem ser alteradas sob nenhum ponto de vista, nem pelas partes interessadas em soluções especiais[...]. (SÜSSEKIND, 1987, p.27). Trata-se de exemplos de algumas das muitas formas de como uma pessoa pode cair na situação degradante do trabalho, em condições análogas à de escravo, situação que, não obstante seja tipificada como crime no Código Penal brasileiro, persiste e é uma vergonha para a humanidade e, em particular, para nosso país, onde, infelizmente, notamos corriqueiramente tal tipo de exploração (PASTORE, 1997).

Atualmente, o Direito do Trabalho encontra-se em momento de importante reflexão, de transição evidente, acompanhando as mudanças sociais e econômicas impostas pelo mercado globalizado. Neste contexto, não mais o trabalhador e, consequentemente, sua proteção, serão o enfoque do referido ramo do Direito, mas, acima disto, encontraremos a dignidade da pessoa humana e, como um dos pilares de tal dignidade, o direito a um trabalho remunerado. Sendo assim, Singer (1998) assevera que o ápice das discussões passa a ser a preocupação com a criação e a manutenção de postos de trabalho, já que cada dia que passa maior é o desemprego em todo o mundo e, consequentemente, mais difícil manter as mesmas garantias e direitos obtidos pelos trabalhadores de outrora. Ainda que a reforma trabalhista não altere a forma como o trabalho escravo é caracterizado pela legislação, o texto traz várias mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que afetam o combate ao crime. Entre elas, estão a ampliação da terceirização, a contratação de autônomos de forma irrestrita, e a possibilidade de aumentar a jornada de trabalho e de reduzir as horas de descanso MARTINS, 2012).

Muitos são os efeitos nefastos característicos deste momento econômico. Efeitos perversos e, por outro lado, a flexibilização da legislação trabalhista. A economia globalizada e a alta tecnologia alcançada pela humanidade, nos últimos cinquenta anos, fizeram reduzir os postos de trabalho e aumentaram a força do capital sobre o trabalho, fazendo os direitos dos trabalhadores reduzirem-se (CAVALIERI FILHO, 2012). Siqueira (2010) dispõe a PEC 438 é uma das iniciativas que poderia reduzir drasticamente a impunidade e reincidência desse crime no Brasil. Ela é de autoria do ex-senador Ademir Andrade (PSB-PA), e prevê a desapropriação de terras de todos os proprietários que foram reconhecidos na utilização da prática do trabalho escravo. Tal proposta foi aprovada pelo Senado, em 2001, e foi aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados em 2004; porém, está parada, aguardando a sua aprovação no segundo turno. O Projeto de Lei 8.015/2010, de autoria do Deputado Federal Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), que está tramitando na Câmara dos Deputados e estabelece a “perda de bens utilizados em trabalho escravo”. Esta medida será decretada a favor do Estado e tem por finalidade atingir todos os instrumentos, máquinas, ferramentas, matérias-primas ou utensílios de propriedades e empresas que utilizem o trabalho escravo.

A legislação atual não prevê a perda de bens, sendo que o Código Penal dispõe que a mencionada perda somente ocorrerá caso esses instrumentos de trabalho sejam obtidos de forma ilícita. De 1.122 trabalhadores libertados em condições análogas à de escravos nos últimos dois anos, 153 foram encontrados pelos fiscais em uma situação que os impedia de deixar seus trabalhos. O número representa 14% do total de resgatados. (MINSITÉRIO DO TRABALHO, 2018) O número de operações de fiscalização para a erradicação do trabalho escravo caiu 23,5% em 2017 em comparação com o ano anterior, segundo dados do Ministério do Trabalho. Foram realizadas 88 operações em 175 estabelecimentos no ano passado, contra 115 em 2016. É a menor atuação das equipes de erradicação desde 2004, quando foram feitas 78 fiscalizações (MINSITÉRIO DO TRABALHO, 2018) Já o total de trabalhadores resgatados também apresentou queda em 2017. Foram 341 pessoas encontradas em situação análoga à de escravos e retiradas das frentes de trabalho, número mais baixo desde 1998 (159 resgates).

Em relação a 2016, a queda foi de 61,5% de acordo com reportagem realizada por Clara Velasco e Thiago Reis no Jornal Eletrônico G1 em 17 de janeiro de 2018. Fonte: Ministério do Trabalho (2018) É o que mostra um levantamento exclusivo feito pelo G1, no ano de 2018, com base na análise de 315 relatórios de fiscalização obtidos via Lei de Acesso à Informação. Foram analisadas 33.475 páginas que contêm a descrição do local e da situação verificada in loco pelos grupos de fiscalização, bem como as infrações aplicadas, fotos, depoimentos dos trabalhadores e documentos diversos, como recibos e guias trabalhistas (MINSITÉRIO DO TRABALHO, 2018) Das 315 fiscalizações analisadas (de janeiro de 2016 a agosto de 2017), 117 acabaram com ao menos um trabalhador resgatado. Só em 22 delas, no entanto, foi constatado algum tipo de cerceamento de liberdade (como a retenção de documentos, a restrição de locomoção ou a servidão por dívida) de acordo com reportagem realizada por Clara Velasco e Thiago Reis no Jornal Eletrônico G1 em 09 de janeiro de 2018.

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