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O processo de impeachment à brasileira

21/11/2019 às 14:39
Leia nesta página:

Um breve passeio pelos principais casos de impeachment na história do Brasil.

O impeachment foi usado pela primeira vez na política do Reino Unido, especificamente pelo parlamento da Inglaterra, no processo contra William Latimer, o 4.º Barão Latimer (Pariato da Inglaterra), na segunda metade do século XIV.

Dessa forma, essa impugnação de mandato, que envolve crimes, desvio de verbas, violação de direitos, desrespeito às leis e às normas constitucionais, bem como o abuso do poder por parte dos governantes, é regulamentado pela lei 1079/50, presente na Constituição Brasileira, no qual estabelece o período máximo de cassação em cinco anos.

Note que a Constituição Brasileira em vigor (Constituição de 1988) não menciona o caso de Impeachment, no entanto, alerta para os crimes de responsabilidade do Presidente da República, descritos nos Artigos 85 e 86, seção III:

“Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I - a existência da União;

II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV - a segurança interna do País;

V - a probidade na administração;

VI - a lei orçamentária;

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.

Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

§ 1º - O Presidente ficará suspenso de suas funções:

I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.

§ 2º - Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.

§ 3º - Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão.

§ 4º - O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.”

Diante disso, caso ocorra o Impeachment, o vice-presidente será nomeado para o cargo, sendo que se ele não puder assumir, o cargo fica responsável pelo Presidente da Câmara dos Deputados. Se por ventura, ele não puder assumir, o título passará ao Presidente do Senado.


Os primeiros casos de impeachment no Brasil

A destituição de dois presidentes em 1955 foi o ponto mais crítico do turbulento período compreendido entre o suicídio de Getúlio Vargas, em agosto de 1954, e a posse de Juscelino Kubitschek, em janeiro de 1956. Bem menos conhecidas são as duas primeiras destituições, ocorridas em 1955, quando a Câmara dos Deputados e o Senado votaram pelo impedimento dos presidentes Carlos Luz e Café Filho.

A diferença entre os casos de Luz e Café e os de Collor e Dilma é que nos episódios de 1955 não se seguiu a Lei do Impeachment (Lei 1.079/1950). Os deputados e os senadores entenderam que a situação era extremamente grave, com risco de guerra civil, e finalizaram os julgamentos em poucas horas, sem dar aos presidentes o direito de se defenderem na Câmara e no Senado.

Quando as urnas deram a vitória a JK, quem governava o país era Café Filho, vice e sucessor de Vargas. Os políticos da UDN e os militares, que eram os grupos mais conservadores, não aceitaram o resultado eleitoral e se articularam para dar um golpe de Estado que impedisse a posse de JK, que pertencia ao PSD. Nessa trama, eles contaram com o apoio de Café e Luz.

Em novembro de 1955, Café Filho se licenciou do cargo sob a alegação de que precisava se tratar de um mal cardíaco e transferiu o poder interinamente para Carlos Luz, presidente da Câmara. O golpe militar que Luz estava prestes a dar acabou sendo abortado por uma reação armada comandada pelo general Henrique Lott, da ala legalista do Exército. No confronto, o Forte de Copacabana disparou tiros de canhão contra o navio em que o presidente interino fugia do Rio para organizar uma resistência em Santos (SP). Não houve feridos. Em 11 de novembro, em sessões tumultuadas, a Câmara e o Senado aprovaram o impedimento de Luz – que passou apenas três dias como presidente.

A Presidência da República foi transferida para Nereu Ramos, que comandava o Senado e era o terceiro na linha sucessória. Café Filho logo anunciou que desejava reassumir a Presidência da República. Após se reunir com Café, o general Lott concluiu que ele, uma vez de volta ao poder, também trabalharia para que JK não fosse empossado. Lott, então, mandou que tanques de guerra cercassem a casa do presidente licenciado, em Copacabana, para que ele não chegasse ao Palácio do Catete. Os deputados aprovaram o impedimento de Café em 21 de novembro. Os senadores viraram a madrugada em debates no Plenário e confirmaram a decisão da manhã no dia 22.

Para impedir novas tentativas de golpe, Nereu Ramos governou sob estado de sítio pelos dois meses seguintes, até entregar a faixa presidencial a JK, em 31 de janeiro de 1956.


Impeachment de Fernando Collor

Fernando Collor de Mello, nascido no Rio de janeiro em 12 de agosto de 1949, foi eleito Presidente do Brasil em 1990, por pequena margem de votos (42,75% a 37,86%) sobre Luiz Inácio Lula da Silva.

O político, que governou durante dois anos o país (1990-1992), sofreu um processo de Impeachment decorrente de alguns envolvimentos com a corrupção, como fraudes financeiras, além de ter utilizado de políticas radicais confiscando as poupanças e contas correntes das pessoas, a fim de frear a inflação no país.

Suas propostas governamentais estavam pautadas no congelamento de preços, processo de privatizações, abertura do mercado brasileiro às importações, o que resultou na mudança da moeda, criação de novos impostos (IOF), aumento da inflação, da taxa de desemprego e o fechamento de muitas empresas.

Assim, após meses de apurações e investigação parlamentar, Collor foi julgado e acusado pelo Senado Federal no dia 29 de dezembro de 1992. Por conseguinte, quando foi destituído do cargo, deixando-o para seu vice Itamar Franco (1930-2011), Collor teve que esperar oito anos para conseguir novamente seus direitos políticos, ou seja, até o ano 2000. Atualmente, o político, jornalista e economista é Senador do Estado do Alagoas.


Impeachment de Dilma Rousseff

O impeachment de Dilma Rousseff ocorreu em 31 de agosto de 2016 e foi o segundo da História da República Brasileira. 

Dilma Vana Rousseff, presidente da República Federativa do Brasil desde janeiro de 2011 (reeleita nas eleições de 2014), foi destituída do posto em 31 de agosto de 2016 por meio de um processo de impeachment.

  • Acolhimento do pedido de impeachment contra Dilma Rousseff

No decorrer do ano de 2015, cinquenta pedidos de impeachment foram protocolados na Câmara dos Deputados contra Dilma Rousseff. A maior parte desses pedidos foi arquivada por falta de material probatório e argumentos. Entretanto, um deles foi acolhido pelo então presidente da Câmara, o deputado Eduardo Cunha, em 2 de setembro de 2016. Esse pedido foi elaborado e protocolado em outubro do mesmo ano pelos juristas Janaína Conceição PaschoalMiguel Reale Jr. e Hélio Bicudo. O pedido estava ainda subscrito por três líderes de movimentos sociais que ajudaram a articular as grandes manifestações de ruas do ano de 2015: Kim Patroca Kataguiri (Movimento Brasil Livre), Rogério Chequer (Vem Pra Rua) e Carla Zambelli Salgado (Movimento Contra a Corrupção).

  • Admissibilidade na Câmara dos Deputados e abertura do processo

Após o acolhimento do pedido, este seguiu para apreciação na Câmara dos Deputados, à qual coube decidir se o pedido teria prosseguimento (admissibilidade) ou não. No dia 17 de abril de 2016, ocorreu, no plenário da Câmara, a votação que decidiu pelo prosseguimento. 367 deputados votaram pela admissibilidade, e o pedido foi encaminhado para o Senado Federal. No dia 12 de maio, houve uma seção plenária dos senadores para decidir pela abertura do processo de impeachment. 55, de 81 senadores, votaram pela abertura. Dilma Rousseff, a partir de então, teve que se afastar do cargo de presidente até que o processo fosse concluído. O vice-presidente Michel Temer assumiu interinamente.

  • Denúncia: crime de responsabilidade

O crime imputado contra a presidente da República está previsto no artigo 85 da Constituição Federal. Trata-se do crime de responsabilidade. Outra lei que enquadra esse tipo de crime e que foi trabalhada pelos denunciantes do pedido é a Lei 1.079, de 1950. Segundo a denúncia, Dilma teria ordenado a edição de créditos suplementares sem a autorização do Senado, bem como realizado operação de crédito com instituição financeira controlada pela União. Como assinalam os denunciantes no texto do pedido:

Os denunciantes, por óbvio, prefeririam que a Presidente da República tivesse condições de levar seu mandato a termo. No entanto, a situação se revela tão drástica e o comportamento da Chefe da nação se revela tão inadmissível, que alternativa não resta além de pedir a esta Câmara dos Deputados que autorize seja ela processada pelos crimes de responsabilidade previstos no artigo 85, incisos V, VI, e VII, da Constituição Federal; nos artigos 4º, incisos V e VI; 9º, números 3 e 7; 10 números 6, 7, 8 e 9; 11º, número 3, da Lei 1.079/1950. 

  • Defesa de Dilma

A defesa de Dilma, durante o processo, foi feita pelo advogado José Eduardo Cardozo. Os pontos apresentados foram também justificados por uma bancada de senadores da base aliada da presidente e pertencentes aos partidos: PTPCdoB e PMDB e REDE. A defesa procurou argumentar que não houve crime nas operações de crédito editadas pela presidente e que tais operações foram apenas “autorizações de gastos sem impacto na realização da despesa”.

Além disso, a defesa procurou ainda sustentar a narrativa de que todo o processo, desde a acolhida na Câmara até os momentos finais, era um “golpe branco”, ou golpe parlamentar (quando não é utilizada violência) contra a presidente Dilma, articulado entre atores políticos, como o próprio vice-presidente da República e o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

  • Posição da relatoria do processo

O relator do processo, senador Antonio Anastasia, corroborou os argumentos da denúncia e repudiou a sugestão da defesa de que toda a peça processual era um “golpe”. Nas palavras de Anastasia:

A abertura de créditos suplementares por decreto é uma exceção à regra geral de fixação das dotações orçamentárias em lei. Nesse sentido, a Constituição veda expressamente a abertura de crédito suplementar sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes (art. 167, V). A edição dos decretos, objeto deste processo, como demonstrado, violou flagrantemente esse dispositivo constitucional, revelando conduta irresponsável da denunciada com relação aos deveres de diligência que lhe são atribuídos com vistas à tutela do equilíbrio das contas públicas.

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  • Julgamento Final e “Fatiamento” da sentença

Findados os trâmites da Comissão Especial de Impeachment, que deu a ambiência para a discussão do pedido, o processo então seguiu para a sua fase final, que começou no dia 29 de agosto, quando a presidente Dilma foi ao Senado fazer sua defesa e ser questionada pelos senadores. Após isso, os advogados de defesa e de acusação fizeram seus discursos finais. Depois, dois senadores partidários de Dilma e dois contrários também fizeram suas considerações finais. No dia 31 de agosto, foi posto em votação o texto da sentença que deveria ou não ser aprovado pelos senadores.

Porém, antes que a votação começasse, o primeiro-secretário do Senado, senador Vicentinho Alves, leu um requerimento elaborado pelo Partido dos Trabalhadores que solicitava o “fatiamento”, isto é, o destaque do texto da sentença. A sentença, segundo a Constituição, previa que Dilma deveria perder o mandato de presidente e ficar inabilitada para o exercício de funções públicas por oito anos. O requerimento pedia uma votação separada para cada um desses tópicos.

O requerimento foi aceito pelo presidente da seção, que era também o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski. Nesse sentido, a votação sobre a perda do mandato foi desfavorável à Dilma, já que 61 senadores votaram a favor da perda. Já a segunda votação favoreceu-a: 42 senadores optaram por não deixar Dilma inabilitada para o exercício de funções públicas, contra 36 que se opuseram.

No mandato de Richard Nixon (1969 – 1974), investigações comprovaram as ações de espionagem de integrantes de seu governo contra membros do partido democrata. Com isso, o Congresso Norte-Americano organizou um processo de impeachment contra Nixon. Contudo, antes disso, o próprio presidente decidiu renunciar ao cargo. Décadas mais tarde, o presidente Bill Clinton sofreu um processo de impeachment devido a um escândalo sexual. No entanto, o Senado não reconheceu a validade do processo.

Ao longo da nova república, sem mencionar o ex-presidente Michel Temer, se vê que todos os presidente sofreram tentativas de impeachment, e quando se analisa o contexto histórico de cada mandato, verifica-se que os presidentes que tinham base parlamentar e apoio popular, mesmo cometendo crimes passiveis de impeachment, não sofreram o processo. Mais ainda, quando analisamos o Art. 23 da 1079/1950, verifica-se a intenção do legislador de querer que o processo seja político, uma vez que deixa o julgamento dos crimes de responsabilidade a cargo do senado, crimes estes que são subjetivos, diferente dos crimes comuns, que são encaminhados para o senado, e deixa mais clara ainda essa intenção.


Referências

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GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de estudo. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

LIMA, Ivanedna Velloso Meira. O crime de responsabilidade do presidente da república e o senado enquanto tribunal. Mato Grosso do Sul: UNILEGIS, 2005.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

PINTO, Paulo Brossard de Souza. O impeachment: aspectos da responsabilidade política do Presidente da República. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1992.

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Sobre o autor
Benigno Núñez Novo

Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense, especialista em direitos humanos, especialista em tutoria em educação a distância, especialista em auditoria governamental pelo EDUCAMUNDO e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheira no Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOVO, Benigno Núñez. O processo de impeachment à brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5986, 21 nov. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77920. Acesso em: 19 abr. 2024.

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