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Procedimento administrativo de apuração da responsabilidade das pessoas jurídicas

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21/11/2019 às 14:06
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A ANALOGIA COMO UMA FORMA ESPECIAL DE ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

O argumento jurídico da analogia será vastamente utilizado neste trabalho para justificar a apresentação de um procedimento administrativo de apuração da responsabilidade da pessoa jurídica pela prática de atos prejudiciais à Administração Pública. Isso porque, conforme já mencionado, a legislação pátria que disciplina os procedimentos administrativos não prevê os meios processuais de responsabilização da pessoa jurídica. No entanto, como restará demonstrado, há a possibilidade de utilização analógica de diplomas legais existentes para suprir esta lacuna legal, trazendo à discussão um microssistema de procedimento administrativo.

Robert Alexy estuda a analogia na Teoria da Argumentação Jurídica como forma especial de argumento jurídico. O doutrinador alega que os estados de coisas que são semelhantes do ponto jurí­dico de vista devem ter consequências jurídicas seme­lhantes, por esse motivo trata-se de um caso especial do princípio da universalizabilidade e, portanto, do princípio da igualdade. [16]

Assim, Alexy conclui que para a aplicação do princípio da igualdade é necessária a determinação de semelhança. Entretanto, a análise por si mesma não oferece uma conclusão quanto à existência de uma semelhança jurídica relevante. Destarte, a avaliação da semelhança dependeria de uma avaliação acurada pautada em todos os argumentos possíveis no discurso jurídico. [17]

Robert Alexy pondera que isso não retira o caráter metodológico da utilização da analogia na argumentação jurídica. Isso porque, segundo o doutrinador, a analogia é uma estrutura formal que poderia ser chamada de argumento substantivo, na qual o interesse só pode ser apresentado em uma estrutura como essa. [18]

Nesses moldes, a analogia está ligada ao conceito de discurso de duas maneiras: 1. depende do prin­cípio da universalizabilidade que é constitutivo tanto do discurso prático quanto do jurídico, e 2. só pode entrar no jogo quando é apoiado por argumentos.

Assim sendo, restará demonstrado, em momento oportuno, que a hipótese legal que se utilizará como analogia para a concepção de um microssistema de procedimento administrativo de apuração de responsabilidade da pessoa jurídica põe-se em condição de universalizabilidade, bem como que os argumentos utilizados para sua justificação são suficientemente contundentes.


4. MICROSSISTEMA DE RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E CIVIL DA PESSOA JURÍDICA

4.1.  Microssistema e Descodificação

A ideia de microssistema surgiu na doutrina do italiano Natalino Irti, em um artigo intitulado L’età della decodificazione, de 1978, face à sua ferrenha crítica a codificação, instaurando o fenômeno da descodificação[19]. A teoria de Irti demonstra que o modelo do Estado pós Segunda Guerra Mundial, também chamado de Estado do Bem-Estar Social, transformou a legislação da Europa, implicando em uma fuga dos códigos, inclusive do Código Civil italiano, de 1942, em direção a noções principiológicas e valorativas da Constituição.

A descodificação diz respeito a aversão à forma centralizadora da disciplina do direito material e processual, com utilização de maior arcabouço técnico, sem atentar para a pertinência dos princípios e dos valores imiscuídos na Constituição. Portanto, tratou-se, também, da constitucionalização de diplomas legais.

O microssistema deriva da teoria da descodificação, uma vez que esta prevê uma organização legislativa, de modo a serem criadas diversas leis esparsas acerca da matéria que poderia ser objeto de lei codificada. Assim, demonstrando a ineficácia da codificação em virtude da constante necessidade de nova disciplina normativa sobre sua temática. Logo, com o passar do tempo, o código tenderia a perder a sua utilidade prática e ser substituído pela legislação especial. Daí a ideia de sobrepujar imediatamente o código por um sistema de normas e dispositivos vinculados pela mesma matéria, viabilizando a completude de sua tutela e, portanto, a formação de um microssistema.

Assim, o microssistema envolve vários diplomas e disposições legais sobre matéria complementar ou semelhante com princípios comuns.

No Brasil, os primeiros autores a tratarem das noções desenvolvidas por Natalino Irti sobre microssistema e descodificação foram Orlando Gomes[20], em 1980, e Rodrigo Mazzei[21] mais recentemente.

Ocorre que, a atual conjuntura legislativa dos países ocidentais propiciou uma modificação no entendimento sobre a descodificação, pois se vive um novo momento, em que não se busca apenas a consolidação legal de direitos antes extirpados, mas a sua real efetivação, dando-se maior crédito aos códigos.

O próprio Irti não vê mais o período de fins do séc. XX como a da descodificação, mas, ao contrário, como, possivelmente a da recodificação. Isto porque o jurista italiano vê agora os fenômenos da descodificação e da recodificação como categoria históricas e não lógicas, por isso, mutáveis. Sendo que o primeiro fenômeno pressupõe que a unidade do ordenamento decorra da constituição, e o segundo, do próprio código civil. Neste sentido, é bem possível falar-se em dois momentos do ilustre doutrinador italiano para expressar essa relativização do pensamento sobre a descodificação; inserindo-a no processo histórico e propondo a recodificação também como necessidade histórica.

Isto é perfeitamente explicável, e o próprio jurista italiano o faz bem. De fato, houve, nas décadas de oitenta e noventa – portanto, posteriormente à época que ele escreveu sobre a descodificação –, uma modificação na condução das políticas governamentais dos países desenvolvidos, deixando de se preocuparem com a promoção do bem-estar e com traços meramente liberalizantes, implicando uma reformulação sobre a concepção de Estado - antes social, agora novamente liberal ou neoliberal se se quiser. [22]

Assim, saiu de cena a descodificação para a volta da recodificação. O que, de modo algum, conseguiu abolir a concepção inovadora da ideia do microssistema.

A grande maioria da doutrina que utiliza a noção de microssistema, atualmente, no Brasil, refere-se à existência de um microssistema de processo coletivo, deixando de lado a amplitude da temática, haja vista existirem diversos estatutos legislativos e disposições legais a tratarem de matérias ainda não codificadas, mas que precisam ser devidamente correlacionadas.

Sem embargo, a teoria do microssistema já ter sido vastamente abordada na seara processual de direito coletivo, guarnece ainda de maior abordagem no procedimento administrativo. Este composto de complexos sistemas jurídicos ainda não tratados conjuntamente pela doutrina pátria e, portanto, carecendo de maior utilização da analogia como forma especial de argumentação jurídica.

Esse é um dos motivos pelo qual pedimos a vênia para, de forma pioneira, tratar de um microssistema de procedimento administrativo de responsabilização da pessoa jurídica por prática de atos contra a Administração Pública, em especial, quanto às hipóteses e penalidades previstas na Lei nº. 8.443/92, na Lei nº. 8.666/93 e na Lei nº. 10.520/02.

4.2. Microssistema de Responsabilidade Civil e Administrativa

A legislação em vigor tem várias normas disciplinadoras da responsabilização civil e administrativa da pessoa jurídica em virtude de atos praticados contra a Administração Pública, mais propriamente com o fito de proteger o erário público e os princípios administrativos. Em 1º de agosto de 2013, foi promulgada a Lei nº. 12.846/13, que objetivava disciplinar a matéria em um único diploma e uniformizar o procedimento administrativo. Ocorre que o referido estatuto legal frustrou esses objetivos, fortalecendo a concepção de um microssistema de procedimento para responsabilização administrativa das pessoas jurídicas.

A responsabilidade civil e administrativa da pessoa jurídica foi inaugurada no ordenamento jurídico pátrio pela Constituição Federal em seu art. 173, § 5º[23], ao estabelecer que estas estarão sujeitas às punições compatíveis com sua natureza. O art. 225, § 3º[24], também da Magna Carta, reitera essa possibilidade de aplicação de sansões administrativas à pessoa jurídica.

A leitura mais atenta da Carta Política de 1988 demonstra que as garantias constitucionais do contraditório e de ampla defesa, bem como a previsão de prescrição, também se aplicam às pessoas jurídicas, conforme preveem seus arts. 5º, LV, e 37, §5º[25], respectivamente, tratando-se, portanto, de consectário lógico da possibilidade de sua responsabilização.

Ainda tratando da matéria no âmbito da Constituição Federal de 1988, pode-se ter em conta a abordagem da temática de improbidade administrativa em seu art. 37, § 4º[26], que ensejou a criação da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92). O referido estatuto legal possibilitou a responsabilização de pessoas jurídicas e pessoas físicas não vinculadas à Administração Pública, em virtude do ato de induzir ou concorrer para a prática da improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta[27].

Deste modo, não apenas as pessoas naturais, mas também as pessoas jurídicas podem participar atos de improbidade administrativa e responder civil e administrativamente por sua prática.

Na atualidade, o principal estatuto legal de responsabilização administrativa da pessoa jurídica é a Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº. 8.666/93), e mais, recentemente, a já mencionada Lei nº. 12.846/13.

Outros diplomas legais também disciplinam a matéria, a exemplo da Lei Antitruste (antiga Lei nº. 8.884/94, atual Lei nº. 12.529/11) que trouxe várias inovações ao ordenamento jurídico pátrio, disciplinando novas sanções e a forma de implementação de algumas já existentes.

Cabe destacar o fato de o mencionado estatuto legal ter previsto, originariamente, a penalidade de proibição de contratar com institutos financeiros oficiais, e participar de quaisquer licitações para fornecimento de bens ou prestação de serviços, bem como de concessão de serviços públicos, em qualquer entidade federativa da Administração Pública (Art. 38, inciso II, da Lei nº. 12.529/11); vencimento imediato de parcelamentos tributários e a impossibilidade de realizar novos acordos, além da vedação de receber incentivos fiscais ou subsídios públicos (art. 38, inciso IV, alínea “b”, da Lei nº. 12.529/11). Já no concernente à aplicação da sanção, inovou estabelecendo parâmetros percentuais para as multas.

A Lei do Pregão (Lei nº. 10.520/02) e a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei nº. 8.443/92) e a já mencionada Lei nº. 8.666/93, referem-se expressamente à sanção administrativa de inidoneidade para contratar e licitar com a Administração Pública, prescrevendo regulamentação muito semelhante que aborda, em geral, o prazo de até cinco anos de duração da penalidade, o direito a ampla defesa e a retirada do nome do infrator dos cadastros de fornecedores da Administração.

Na seara dos acordos internacionais, também se observa a disciplina da responsabilização administrativa e civil das pessoas jurídicas, tendo a Convenção da Organização das Nações Unidas - ONU, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE[28] e da Organização dos Estados Americanos – OEA, disciplinado a prevenção e combate à corrupção, inclusive, quando a ofendida é a Administração Pública estrangeira.

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Os estatutos legais apresentados são conformadores de um microssistema de responsabilização civil e administrativo, motivo pelo qual a compilação de normas existentes ou até mesmo a codificação da matéria torna-se desnecessária.

Não obstante, a importância da crítica à Lei nº. 12.846/13, pois embora hoje integre o mencionado microssistema, quando foi proposta por meio do Projeto de Lei nº. 6.826/2010, tinha o desiderato de uniformizar a responsabilização civil e administrativa da pessoa jurídica, e os procedimentos a serem adotados para tanto. Ocorre que esse diploma não logrou esse objetivo, além de pouco inovar na ordem jurídica.

Desta forma, ainda mostra-se mais apropriada a utilização da argumentação jurídica por meio da analogia para consagrar um microssistema de procedimento administrativo de responsabilização da pessoa jurídica.

4.3. Críticas à Lei nº. 12.846/13: Processo Administrativo e Tutela de Atos Lesivos à Administração

A Controladoria Geral da União – CGU e o Ministério da Justiça com o apoio da Advocacia–Geral da União – AGU, formularam o Projeto de Lei 6.826/2010, que deu origem à Lei nº. 12.846/13, com fito de reprimir e prevenir a corrupção e combater a impunidade referente aos atos perpetrados pela pessoa jurídica ou por seus prepostos contra a Administração Pública nacional ou estrangeira. O novo estatuto legal estabelece formas de responsabilização civil e administrativa da pessoa jurídica em virtude de práticas atentatórias ao patrimônio público nacional ou estrangeiro, aos princípios da Administração Pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil[29].

O mencionado estatuto legal prevê um rito próprio para apuração da responsabilidade das pessoas jurídicas (Capítulo IV, compreendido pelos art. 8º a 15), entretanto, pouco inovou na ordem jurídica, tendo, em grande monta, repetido a disciplina da matéria já prevista na Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública (Lei nº. 8.666/93), Lei do Processo Administrativo Federal (Lei nº. 9.784/99) e Lei do Regime Jurídico Único (Lei nº. 8.112/90).

As entidades responsáveis pela formalização do mencionado projeto de lei, que deu origem à Lei nº. 12.846/13, alegaram como motivos para sua apresentação ao Congresso Nacional: i) a morosidade do processo administrativo; ii) a ausência de legislação devidamente repressiva contra as práticas de atos de pessoas jurídicas contra a Administração Pública, fazendo-se necessária a ampliação do rol das vedações legais desses atos; iii) a ineficácia de se ter apenas a regulamentação da responsabilização criminal da pessoa jurídica; iv) a importância da previsão de atos lesivos à Administração estrangeira; v) os altos índices de utilização da personalidade jurídica para lesar o erário público e infringir princípios administrativos; e, o que mais importa para este estudo, vi) a ausência de uniformização do procedimento administrativo de responsabilização das pessoas.    

4.4. Rito do Processo Administrativo de Responsabilização da Pessoa Jurídica na Lei nº. 12.846/13.

A Lei nº. 12.846/13 trouxe um rito de processo administrativo próprio de responsabilização da pessoa jurídica, mas não logrou êxito em promover sua uniformização, nem de garantir a razoável duração do processo e a efetividade do direito ao contraditório e à ampla defesa.

A observância da razoável duração do processo teria por objetivo diminuir a morosidade dos procedimentos administrativos atualmente adotados. Ocorre que o novo diploma prevê que a comissão responsável pela apuração da responsabilidade da pessoa jurídica deverá concluir os trabalhos no prazo de 180 (cento e oitenta dias) (art. 10, §3º, da Lei nº. 12.846/13[30]), com possibilidade de prorrogação. Ademais, deve-se registrar que, na hipótese de dilação do prazo originário, o estatuto legal não estipulou prazo máximo para conclusão dos trabalhos (art. 8º, §4º, da Lei nº. 12.846/13).

Assim, o novo diploma previu prazo superior para a apuração da responsabilidade das pessoas jurídicas, se comparado com os previstos para a sindicância e procedimento administrativo disciplinar de funcionários públicos federais (Lei nº. 8.112/90), que são, respectivamente, de 30 (trinta)[31] e 60 (sessenta)[32] dias, prorrogáveis por igual prazo[33].

Ademais, a referida lei dilata o prazo para apresentação da defesa de 5 (cinco) dias úteis [34] para 30 (trinta) dias corridos[35]. Ora, o projeto de lei que deu origem ao estatuto legal previa o prazo de 15 (quinze) dias[36] para a apresentação das contrarrazões, tal qual é utilizado como prazo ordinário para a mesma finalidade no processo civil.

Destarte, a adoção do prazo de 30 (trinta) dias para apresentação da defesa se mostra como a alternativa mais nefasta para a Administração Pública, pelos seguintes motivos: i) trata-se de período muito extenso, e, portanto, prejudicial ao término das relações contratuais, quando se verifica, simultaneamente, a aplicação de penalidade e a rescisão contratual, e ii) não garante a efetividade do prazo para a apresentação da defesa, pois não menciona que sua fluência ocorrerá nos dias úteis.

O prazo de 30 (trinta) dias que a Lei nº. 12.846/13 estipula é, por exemplo, igual ao período de regular duração da sindicância prevista na Lei nº. 8.112/1999 e corresponde ao dobro do prazo ordinário para apresentação da defesa no processo civil, portanto em dissonância com o princípio da razoável duração do processo.

Ademais, o referido prazo pode se tornar inócuo, pois o estatuto legal não prevê sua fluência apenas nos dias úteis, tal qual a Lei nº. 8.112/1999. Deste modo, a pessoa jurídica pode ter prejudicado todo o período destinado a sua defesa, em virtude, por exemplo, dos servidores do órgão público que mantém relação contratual encontrarem-se em greve.

 Outro equívoco que foi consolidado pela Lei nº. 12.846/13 é a composição das comissões com o escopo de apurar a responsabilidade da pessoa jurídica, que devem contar com o mínimo de dois servidores estáveis. [37] Assim, caso a matéria suscitada no processo administrativo seja objeto de divergência entre os membros da comissão, provavelmente sua composição par impedirá a emissão de um parecer com uma conclusão uniforme. Daí o motivo de a Lei nº. 8.112/90 estipular que a sindicância ou comissão de procedimento disciplinar deve ser formada por três funcionários ocupantes de cargos estáveis[38]. Portanto, nesse aspecto, o novo diploma legal perece consolidar um retrocesso normativo.

Outra questão que merece destaque no novo estatuto legal são as possibilidades de atuação do Ministério Público. A Lei nº. 12.846/13 prevê que o parquet poderá ajuizar ação, em razão de prejuízos à Administração Pública e aos princípios de direito administrativo, com vistas a aplicar as seguintes sanções: a) perdimento dos bens, direitos ou valores atinentes às vantagens ou proveitos direta ou indiretamente obtidos da infração, garantido o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; b) suspensão ou interdição parcial de suas atividades; c) dissolução compulsória da pessoa jurídica, e d) proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, durante o período mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.

Entretanto, o novo diploma estipula que o Ministério Público poderá atuar de forma complementar e subsidiária no concernente às sanções administrativas previstas em seu art. 6º[39]. A atuação é dita complementar porque acresce em uma mesma ação de responsabilização as sanções administrativas que eram da alçada da autoridade competente do órgão público[40]. Já o caráter subsidiário da legitimação do Ministério Público consiste na possibilidade de atuação apenas quando da omissão da autoridade competente para promover a responsabilização administrativa. [41]

Não obstante, a mencionada previsão legal é demasiadamente genérica e possibilita interpretações que transformariam o Ministério Público em órgão de atuação subsidiária das procuradorias federais, estaduais e municipais, consubstanciando-se, portanto, em mero representante judicial de entidades públicas, prática esta expressamente vedada pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 129, inciso IX[42].

Assim, devem ser traçados parâmetros para a atuação do Parquet nas ações de responsabilização da pessoa jurídica, devendo, somente, tutelar os bens jurídicos de sua competência, conforme disciplinam os incisos I e II, do art. 129, da Magna Carta, ou então agir na omissão ou negligência dos órgãos da Administração Pública, mas ainda dentro dos limites de sua competência constitucional[43].

Deste modo, em conformidade com a Constituição Federal de 1988, o Ministério Público apenas poderá atuar na responsabilização civil e administrativa da pessoa jurídica, com a devida instauração do inquérito civil e ajuizamento da ação civil pública, quando observados os requisitos supramencionados, dentre os quais: i) a relevância pública do serviço contra o qual foi promovido o ato ilícito; ii) a proteção do patrimônio público e social, vislumbrados a relevância e a pertinência da ofensa, não se tratando de simples cobrança de débito ou multa, mas de efetivo prejuízo ao erário público; além de iii) práticas contrárias ao meio ambiente e aos interesses difusos e coletivos.

Destarte, ausente nos art. 20 da Lei nº. 12.846/13 os motivos constitucionais ensejadores da legitimidade de atuação do Ministério Público, além da vedação de atuação deste como representante judicial de entidades públicas, fazendo-se mister a reforma do retro-mencionado dispositivo.

Outra disposição legal que merece reforma é o §4º, do art. 19, do mencionado estatuto legal[44]. Isso porque, embora a importância do dispositivo seja inquestionável, uma vez que trata da indisponibilidade de bens, direitos e valores necessários à garantia do pagamento da multa ou reparação integral do dano causado, a lei faz remissão equivocada a seu art. 7º, ou invés de seu art. 6º. Aliás, dispositivo este que contrariamente ao previsto no projeto de lei que originou o diploma legal, não prevê a reparação integral do dano causado.  

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Sobre o autor
Felipe Jacques Silva

Mestre e Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia - UFBA, Especialista em Direito Civil pela UFBA. Professor Substituto da Faculdade de Direito da UFBA, da Pós-graduação da UNIFACS e de outras faculdades. Sócio-fundador do Escritório Antônio Bastos & Felipe Jacques Advocacia Especializada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Felipe Jacques. Procedimento administrativo de apuração da responsabilidade das pessoas jurídicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5986, 21 nov. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77927. Acesso em: 21 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho objeto de avaliação na disciplina Teoria Geral do Processo no então mestrado em Direito no PPGD/UFBA

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