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O porte de arma de fogo no Brasil: efeitos e requisitos especiais

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4. ESTUDO ACERCA DOS EFEITOS JURÍDICOS DOS CRIMES COM ARMA DE FOGO

Neste capítulo, busca-se a realização um panorama entre os principais delitos decorrentes do uso de arma de fogo, principalmente com relação a sua evolução diante da legislação armamentista anterior e a aprovação e vigência da nova lei, a Lei 10.826/03, lei do Estatuto do Desarmamento, que trouxe diversas alterações significativas a respeito dos crimes os quais possuem as armas de fogo como objeto material.

A nova lei constituiu novos dispositivos a partir do desmembramento de artigos decorrentes da norma anterior, além disso, desenvolveu novos preceitos sancionatórios e agravou ainda mais algumas condutas decorrentes dessa modalidade, considerando sempre a proteção da coletividade e do bem jurídico maior, que é a vida.

Diante disso, será abordada a distinção entre as condutas da posse e do porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, principalmente com relação a suas características e seus efeitos jurídicos, assim como uma análise a respeito dos efeitos jurídicos acerca do crime de disparo de arma de fogo, e da posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, destacando suas principais atribuições.

4.1. Da posse ilegal de arma de fogo de uso permitido

Em meados de 1997, a Lei 9.437 foi incorporada ao ordenamento brasileiro, trazendo algumas inovações quanto às leis armamentistas do país, em especial com o Sinarm, sistema já supracitado e explanado neste trabalho, além disso, dispunha a respeito dos crimes de posse e porte ilegal de arma de fogo, ambos no mesmo dispositivo normativo:

Art. 10. Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Pena - detenção de um a dois anos e multa. (BRASIL, LEI 9.437/97).

Tal vinculação deixa claro como ambas as condutas típicas de possuir ou portar arma sem autorização eram atreladas e causavam certa confusão principalmente dentre os leigos desta sistemática. Posteriormente, com o advento da Lei 10.826 de 2003, se trouxe maior organização normativa, diferenciando ambas as condutas, principalmente pelo grau nocivo o qual proporcionam a sociedade. Quanto à posse irregular de arma de fogo, a nova lei dispõe:

Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (BRASIL, LEI 10.826/03).

Com a nova tipificação, o agente que na vigência da lei anterior mantinha em seu domicílio, arma de fogo sem registro, e a manteve de forma ilegal após a vigência da nova lei, responderá pelo crime considerado mais grave previsto na nova legislação, visto que, as condutas típicas de possuir e manter sob sua guarda podem ser contínuas, e se manterem no tempo, dando ensejo a aplicação da súmula 711 do STF, referente à aplicação da lei penal no tempo no caso de crime continuado ou permanente. (CAPEZ, 2014, p.220).

De acordo com o trabalho de Silva, Lavorenti e Genofre (2006, p.100), tal tipificação é referente a um crime comum, de mera conduta de possuir ou manter sob sua esfera de vigilância arma de fogo, além disso, a norma ainda deixa em aberto o que vem a ser arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido, sendo passível de complementação de outras normas para melhor compreensão do ato delituoso.

Seu objeto material são os próprios objetos mencionados explicitamente no artigo supracitado, o seu sujeito ativo é universal podendo se tratar de qualquer pessoa, ao passo em que seu sujeito passivo é a coletividade como um todo. Ainda de acordo com Silva, Lavorenti e Genofre (2006, p.100), o elemento objetivo desta tipificação penal são as ações descritas em seu artigo como proibidas, cumulado com o elemento subjetivo do dolo, consistente na vontade consciente do agente em incorrer nas condutas expressas, e por fim, consumando o delito com a realização de tais condutas, sendo sua tentativa inadmissível.

Vale frisar que o local o qual se configuraria a conduta típica não precisa necessariamente em seu domicílio, o próprio artigo deixa isso claro, sendo evidente a falta de exigibilidade de se tratar do domicílio do agente, como versa Nucci, “É expressão equivalente a sua casa, vale dizer, o local onde habita o portador da arma com regularidade. Não há necessidade de ser domicílio, uma residência com ânimo definitivo. E também residência a casa de campo ou de praia, bem como a casa-sede da fazenda.” (NUCCI apud SOARES, 2014, p.07).

Destaca-se que, para configurar o ilícito, tanto da posse quanto para o porte ilegal, a arma precisa estar apta a efetuar disparos, caso contrário, não há de se falar em registro, e sem o mesmo, falar em violação dos ilícitos já mencionados. Para realizar essa constatação, é de prima importância à realização de prova pericial, para comprovar a potencial lesividade da arma, e na hipótese da arma ser inapta ao disparo, a mesma não se constitui a arma do ilícito tipificado na Lei 10.826/03, portanto, não é arma, sendo assim, se caracteriza a hipótese de crime impossível pela ineficácia absoluta do meio empregado para a realização do crime. Sendo fato atípico, de acordo com o art.17 do Código Penal, não poderá ser instaurada nem mesmo a persecução penal, no entanto, é importante ter em mente que, a arma sendo eventualmente eficaz, haverá de ser crime, pois a ineficácia não punitiva nesse caso é apenas a absoluta, portanto, em casos como o qual a pistola costuma por vezes falhar, constitui ilícito penal, não podendo se configurar crime impossível com a possibilidade de converter o resultado. (CAPEZ, 2014, p.222).

Com relação aos elementos normativos do ilícito penal, com base na interpretação literal da norma se constituiria o delito em se tratando da posse sem a devida regulamentação pertinente ou sem o certificado de registro de arma de fogo expresso no capítulo II da Lei 10.826/03, que em especial, em seu artigo 5°, trata da regulamentação da posse de arma de fogo:

Art. 5º O certificado de Registro de Arma de Fogo, com validade em todo o território nacional, autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa. (BRASIL, LEI 10.826/03).

Deste modo, o agente sendo possuidor do certificado do registro de arma de fogo mencionado anteriormente, estará fora da tipicidade abordada no artigo 12, estando autorizado a possuir a arma de fogo nos locais indicados no artigo 5° supracitado, além disso, em se tratando da posse da arma de fogo, assessório ou munição de uso permitido em local não disposto pela norma, seja uma caverna ou matagal, o fato não se enquadra nesta disposição criminal, pois os locais a qual a se trata encontram-se explícitos nos artigos 5° e 12 da lei, que a depender do caso concreto, pode ser enquadrado no artigo 14, do crime de porte ilegal. (SILVA, LAVORENTI, GENOFRE, 2006, p.101).

Por fim, de acordo com a lei penal brasileira, este delito, com a pena prevista de detenção de 1 a 3 anos e multa, possui caráter cumulativo onde se podem cumular ambas as sanções de pena privativa de liberdade e a de multa, ademais, não se pode falar em crime de menor potencial ofensivo, visto que a pena máxima mencionada é superior a 2 anos, entretanto, com pena mínima de 1 ano, abre a possibilidade da suspensão do processo expressa no artigo 89 da Lei 9.099/95, Lei dos Juizados especiais, além disso, nos termos do art. 322 do Código de Processo penal, sua pena sendo inferior a 4 anos é passível de arbitramento de fiança por parte da autoridade policial. (SILVA, LAVORENTI, GENOFRE, 2006, p.101).

4.2. Do porte ilegal de arma de fogo de uso permitido

Enquanto no crime da posse ilegal o agente apenas mantém a arma, munição ou acessório dentro de seu domicílio, podendo corresponder a sua casa ou empresa, no porte, o agente possui o objeto material consigo mesmo, sem a autorização necessária, estando à arma nesse caso, de maneira a utiliza-la de imediato, de “pronto uso”, como exemplo, nos casos da arma estar no interior do veículo do agente, na cintura ou no bolso do mesmo. (CAPEZ apud SOARES, 2014, p.08).

A Lei 9.437/97 passa a tipificar o porte ilegal como crime, não mais contravenção penal, como era tratado na lei armamentista anterior, no entanto, se manteve como permitido e condicionado a critério da autoridade competente a concessão de sua autorização, possuindo um caráter pessoal, onde a autoridade interpretaria o caso em questão como necessário a obtenção deste direito e a aptidão do possível detentor, podendo ser tanto em âmbito Estadual, quanto Federal:

Art. 6° O porte de arma de fogo fica condicionado à autorização da autoridade competente, ressalvados os casos expressamente previstos na legislação em vigor.

Art. 7° A autorização para portar arma de fogo terá eficácia temporal limitada, nos termos de atos regulamentares e dependerá de o requerente comprovar idoneidade, comportamento social produtivo, efetiva necessidade, capacidade técnica e aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo.

§ 1° O porte estadual de arma de fogo registrada restringir-se-á aos limites da unidade da federação na qual esteja domiciliado o requerente, exceto se houver convênio entre Estados limítrofes para recíproca validade nos respectivos territórios.

Art. 8° A autorização federal para o porte de arma de fogo, com validade em todo o território nacional, somente será expedida em condições especiais, a serem estabelecidas em regulamento. (BRASIL, LEI 9.437/97).

Com a Lei 10.826/03, foram editadas diversas alterações, em especialmente para com o porte de arma, que por via de regra, passou a ser proibido em território brasileiro, ressalvado os casos expressos na própria lei, principalmente em se tratando da atividade profissional exercida pelo possuidor, contemplando principalmente os agentes de segurança pública.

Além disso, com o desmembramento das condutas da posse e do porte ilegal de arma de fogo, o mesmo passou a ser tipificado no artigo 14 da referida lei:

Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente. (BRASIL, LEI 10.826/03).

A nova lei de armas ampliou o leque de possíveis detentores do porte, no entanto, estes se mantêm na esfera de segurança pública, seja ela direta ou indireta, restando aos particulares à possibilidade de obter o porte apenas nos casos legais estabelecidos na forma da lei. Durante a tramitação do projeto da nova lei, foram apresentadas várias emendas que trariam novas categorias passivei do porte, inclusive a dos próprios parlamentares, a qual foi recusada, dessa forma, entende-se que se fosse concedida a liberdade do porte de arma para categorias inteiras, sem o interesse público de estrutura-las, resultaria em um grande risco dos requisitos legais não serem atendidos. (ROCHA, 2011, p.10)

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Destaca-se que, na nova lei, diferente do crime de posse ilegal de arma de fogo, apesar de ter pena máxima não superior a 4 anos, como versa o art. 322 do Código de Processo Penal, o porte ilegal de arma de fogo, no seu parágrafo único da referida lei, determina o caráter inafiançável deste delito, ressalvados os casos em que o agente que incorreu no crime do artigo 14, detenha o registro da arma de fogo em seu nome.

De acordo com o estudo desenvolvido por Santolini (2013), apesar de a norma conter expressamente o caráter inafiançável deste delito, existe grande discussão acerca do tema, havendo inclusive uma ação direta de inconstitucionalidade, a ADIn 3.112, tramitada perante o no Supremo Tribunal Federal, buscando a inconstitucionalidade do parágrafo único dos artigos 14 e 15, que versam sobre a inafiançabilidade destes crimes, de porte ilegal de arma e disparo de arma de fogo. Em resumo, no dia 26 de outubro de 2007, foi publicado o acórdão onde julgaram procedente a declaração de inconstitucionalidade dos parágrafos únicos dos referidos artigos, e assim, permanecendo a norma ainda em vigor, deve ser aplicado o entendimento em que o porte ilegal de arma constitui um delito afiançável, apesar da previsão atual.

O delito do porte ilegal de arma de uso permitido, assim como no delito da posse, este tem como alvo a incolumidade pública, podendo ser exercido por qualquer pessoa, ademais, possui como elemento objetivo, treze ações, são elas:

I. Portar – trazer consigo a arma de fogo, acessório ou munição;

II. Deter – conservar em seu poder a arma de fogo, acessório ou munição;

III. Adquirir – obter a arma de fogo, acessório ou munição por meio de uma compra;

IV. Fornecer – abastecer o comércio clandestino de arma de fogo, acessório ou munição;

V. Receber – aceitar ou acolher arma de fogo, acessório ou munição;

VI. Ter em depósito – conversar a arma de fogo, acessório ou munição;

VII. Transportar – conduzir a arma de fogo, acessório ou munição, de um lugar para outro;

VIII. Ceder, ainda que gratuitamente – transferir a posse de arma de fogo, acessório ou munição, para outra pessoa, sem qualquer ônus para esta;

IX. Emprestar – confiar a alguém, gratuitamente ou não, o uso da arma de fogo, acessório ou munição, a qual será depois restituído ao seu possuidor;

X. Remeter – expedir ou enviar a arma de fogo, acessório ou munição;

XI. Empregar – fazer uso da arma de fogo, acessório ou munição;

XII. Manter sob guarda – conservar em seu poder a arma de fogo, acessório ou munição;

XIII. Ocultar – dissimular, esconder a arma de fogo, acessório ou munição;

(SILVA, LAVORENTI, GENOFRE, 2006, p.104).

Em síntese, se trata de um crime de caráter comum, de mera conduta, de múltiplas ações e de perigo abstrato, no entanto, diante da chance de ocorrer perigo concreto, o delito será formal. E condizente com a forma de norma penal em branco em sentido estrito, pois a expressão “em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, subentende-se a necessidade de ser complementado o que viria a ser arma de fogo de uso permitido. Neste delito não se admite a tentativa, ressalvados os casos, em tese, das condutas de fornecer, receber, emprestar ou ceder, já que o inicio de um ato executório destas condutas configuraria a consumação da outra. (SILVA, LAVORENTI, GENOFRE, 2006, p. 104).

De acordo com Fernando Capez (2014, p.230), em contraste com a lei anterior, o art. 14 da Lei 10.826/03, decidiu pelo uso dos verbos “fornecer” ou “ceder”, pensando no intuito de ser gratuito na prática, pois, quem pratica essas ações com finalidade onerosa, se enquadraria na verdade, no art.17 da referida lei, que se refere à venda ilegal, que sendo constatado o exercício de atividade comercial ou industrial, possui pena muito mais rigorosa para com o agente que incorrer nesta modalidade, além disso, a nova lei acrescentou dois novos objetos materiais do crime, que são as munições e assessórios de armas de fogo.

Por fim, a legislação do Estatuto do desarmamento prevê a possibilidade de cláusula de aumento de pena desde que o ilícito seja praticado por determinados agentes específicos:

Causa de aumento de pena: prevê o art. 20, in códex, que a pena é aumentada da metade, se o crime for praticado por integrante dos órgãos e empresas referidas nos arts. 6º, 7º e 8º, desta lei, ou seja: integrantes das Forças Armadas; da Polícia Federal; das Polícias Civil e Militar dos Estados e do Distrito Federal; das Guardas Municipais, dos agentes e guardas prisionais; das escoltas de presos e as guardas portuárias; das empresas de segurança privada e de transporte de valores; das entidades de desporto legalmente constituídas etc. (SILVA, LAVORENTI, GENOFRE, 2006, p. 105).

Para se consumar a tipificação penal abordada, assim como no crime da posse ilegal, o crime de porte ilegal de arma de fogo possui como elemento normativo jurídico, “Sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, deste modo, mesmo com a prática das ações abordadas no caput do artigo 14, se praticadas com o devido registro, respeitada a lei armamentista vigente, principalmente no que diz respeito à arma ser de uso permitido, não há de se falar em crime, constituindo-se apenas o exercício da concessão de um direito adquirido. (CAPEZ, 2014, p.231-232).

Por fim, destaca-se que no Estatuto do Desarmamento, assim como a norma anterior, Lei 9.437/97, existe lacuna ao preceito de “fora de casa ou de dependência desta”, presente no art. 19, já revogado, da Lei das Contravenções Penais, a qual regulava o crime do porte de ilegal de arma, e assim, é necessária interpretação a partir da posse ilegal, onde o agente a exerce adentro a sua residência ou nas dependências dessa, portanto, o porte ilegal será compreendido fora de tal esfera, e se na posse o agente necessita do registro de sua arma de fogo, no porte, é necessária a autorização especial para transitar com a arma fora do âmbito de seu domicílio, que se compreende, tanto como sua residência ou local de trabalho. (CAPEZ, 2014, p.232-233).

4.2.1. Disparo de arma de fogo

Na vigência da Lei 9.437/97 o crime de disparo de arma de fogo estava entranhado no dispositivo normativo a respeito da posse e do porte ilegal, partilhando inclusive da mesma pena base, que seria calculada diante da gravidade do caso concreto. Tal ilícito penal se encontrava disposto no inciso III do parágrafo 1° do artigo 10 da lei supracitada, “III - disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que o fato não constitua crime mais grave.” (BRASIL, LEI 9437/97).

Com a alteração advinda da Lei 10.826/03, o crime de disparo de arma de fogo ganhou um artigo próprio, dispondo apartadamente do que se trata este delito em questão:

Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (BRASIL, LEI 10.826/03).

Segundo Capez (2014, p.236), tal tipificação possui como objeto jurídico a ser protegido a incolumidade publica, tendo como escopo a preservação da segurança da mesma, para que seja mantida a tranquilidade de indeterminado número de pessoas que a simples realização da conduta tipificada poderia comprometer. Neste delito, não se enquadra apenas uma eventual situação, podendo abranger várias outras:

Haverá crime quando o agente: (a) disparar arma de fogo em lugar habitado; (b) disparar arma de fogo em adjacências de lugar habitado; (c) disparar arma de fogo em via pública; (d) disparar arma de fogo em direção a via pública; (e) acionar munição em qualquer desses lugares ou em direção a eles. (CAPEZ, 2014, p.236).

O crime de disparo de arma de fogo se consuma com o primeiro disparo de arma ou quando acionada a munição pelo agente, sendo a modalidade tentada válida, como por exemplo, em caso da arma falhar, ou o agente ser impedido no momento exato em que iria praticar o tipo penal. Este crime restará efetuado mesmo que o agente efetue um disparo para o alto, ou mesmo para o chão, só precisa que seja em local habitado, em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, como já destacado anteriormente, além disso, em concurso de normas, havendo o disparo de arma de fogo e o porte ilegal de arma, desde que de uso permitido, o disparo se sobressai e se torna a conduta típica. (SILVA, LAVORENTI, GENOFRE, 2006, p. 106).

Destaca-se, como elemento subjetivo deste ilícito, o dolo, a vontade livre do agente de praticar a conduta, não sendo punível nesta esfera a modalidade culposa, diante da falta de previsão legal, sendo assim, será considerado fato atípico o disparo acidental. Ressalta-se, que independentemente do número de disparos, haverá apenas um crime, e se executado conjuntamente com crime contra pessoa, este será absorvido em se tratando de crime de menor potencial lesivo, e em se tratando de posterior crime de dano, seja contra a vida, ou patrimonial, haverá concurso de crimes, o horário da infração é irrelevante, pois o perigo pode ser presumido, só não será fato típico, se o disparo for realizado em local ermo, diante da impossibilidade de trazer perigo ao bem jurídico protegido, a incolumidade pública. (CAPEZ, 2014, p.238-239).

Ponto de bastante crítica, a nova redação do dispositivo acerca do disparo de arma de fogo não leva em conta a gravidade da conduta, mas apenas a finalidade do autor. O agente que atira com arma de fogo em direção a uma vítima, com a finalidade clara de provocar lesões corporais de natureza leve, não responderá pelo disparo em si, infração mais grave, mas por lesão corporal, crime de menor potencial lesivo, se afastando o princípio da subsidiariedade, onde prevaleceria o crime de maior gravidade, e dando incidência ao da especialidade, onde o que se destaca é a vontade do agente, não o dano produzido. (CAPEZ, 2014, p.239-240).

A Lei trata com maior benevolência quem dispara arma de fogo em direção a uma pessoa específica, com a finalidade de feri-la ou de expô-la a risco, do que o que efetua disparos a esmo. É muito mais vantajoso para o agente apontar a arma de fogo em direção a uma região não letal da vítima e dispará-la com a nítida intenção de produzir ferimentos, caso em que responderá por lesão corporal leve (infração de menor potencial ofensivo), ou mesmo disparar a arma com a intenção de expor alguém a uma situação de risco concreto, efetivo e iminente, do que efetuar disparos para o alto, por exemplo, comemorando a vitória de seu time de futebol. Nas duas primeiras hipóteses, o atirador será levado ao Juizado Especial Criminal e se livrará do processo, aceitando uma pena alternativa; no caso de disparos para o alto, responderá por um crime, cuja pena máxima é a reclusão de 4 anos, mais multa. (CAPEZ, 2014, p.240).

Portanto, nota-se a crítica majoritária pela doutrina acerca da discrepância entre as punições de tais ilícitos, onde se aparenta ser mais gravoso para o agente realizar um disparo contra o céu, do que contra outro individuo diretamente, acarretando aparente desproporcionalidade entre as sanções penais, dada a condição do bem da vida maior resguardo jurídico, e neste caso, não parece ser o que acontece.

4.3. Comentários acerca da posse e do porte de arma de fogo de uso proibido

De acordo com o estudo de Rocha (2011, p.09), a legislação armamentista disposta na Lei 9.437/97 trouxe consigo os conceitos de arma de fogo de uso permitido e proibido ou restrito, deixando a cargo do Poder Executivo, a definição de ambos os conceitos, como versa o artigo 11 da referida lei: “A definição de armas, acessórios e artefatos de uso proibido ou restrito será disciplinada em ato do Chefe do Poder Executivo federal, mediante proposta do Ministério do Exército. ” (BRASIL, LEI 9.437/97).

Tal definição se deu pelo Poder Executivo mediante Decretos os quais caracterizariam o que viria a ser arma de fogo de uso proibido sob a égide da lei brasileira:

...se deu mediante sua regulamentação pelo Decreto n. 2.222, de 8 de maio de 1997, cujo art. 43 dispunha que “armas de fogo, acessórios e artefatos de uso restrito ou proibido são aqueles itens de maior poder ofensivo e cuja utilização requer habilitação especial, conforme prescreve o Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105) e sua legislação complementar”. Tal normativo já existia, pois o Decreto n. 9.998, de 23 de março de 1999, dispunha, em seu art. 3º, inciso XVIII, que arma de uso restrito era a “arma que só pode ser utilizada pelas Forças Armadas, por algumas instituições de segurança, e por pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo Exército, de acordo com legislação específica”, relacionando-as no art. 16. O Decreto n. 2.222/1997 foi revogado pelo Decreto n. 3.665, de 20 de novembro de 2000, que manteve a redação do dispositivo. (ROCHA, 2011, p.09).

Hoje, a doutrina possui diferentes definições acerca da diferença entre arma de fogo de uso permitido e proibido, segundo Gabriel Habib:

Arma de uso permitido é aquela cuja atualização é autorizada a pessoas físicas, bem como a pessoas jurídicas, de acordo com as normas do comando do Exército e nas condições previstas na Lei 10.826, de 2003 (art. 10 do Decreto 5.123/2004);

Arma de uso restrito é aquela de uso exclusivo das Forças Armadas, de instituições de segurança pública e de pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo o comando do Exército, de acordo com a legislação específica. (HABIB apud SOARES, 2014, p.13).

No entanto, Fernando Capez traz uma interpretação diferente, dividindo os conceitos em três, são eles:

  • Arma de fogo de uso proibido: está mencionada no art. 16 da Lei n° 10.826/03, mas não pelo regulamento. Trata-se de uma arma que não pode ser utilizada em hipótese alguma, ou seja, aquela cuja posse ou porte não podem ser autorizadas nem mesmo pelas forças armadas.

  • Arma de uso restrito: é a arma que só pode ser utilizada pelas Forças Armadas, por algumas instituições de segurança e por pessoas físicas e jurídicas habilitadas.

  • Arma de uso permitido: é a arma cuja utilização é permitida a pessoas físicas em geral, bem como a pessoas jurídicas. (CAPEZ apud SOARES, 2014, p.13).

Em detrimento das definições doutrinárias, quando da interpretação ao caso concreto se observa o convencionado em lei, onde não se estabelece distinção entre os tipos de uso proibido e restrito, consistindo um mesmo objeto material da conduta típica.

A Lei 9.437/97 dispunha em uma mesma norma penal, em seu artigo 10, os crimes de posse e porte ilegal de arma de uso permitido, assim como as de uso proibido e o comercio ilegal armamentista, sendo assim, caso o agente fosse frustrado com armas de fogo de uso permitido de forma ilegal em sua residência, sofria, em tese, a mesma punição que o agente que realizasse a importação, comércio, indústria ou fabricação de armas de uso restrito, apenas estipulando uma pena mais alta em seu parágrafo 2° para o caso de contrabando, desde que de arma de uso proibido, as munições não fazendo parte deste dispositivo. (CAPEZ, 2014, p.243-244).

Posteriormente, juntamente com a revogação desta lei, foi sancionada a Lei 10.826/03, Lei do Estatuto do Desarmamento, a qual apartou o delito de posse ou porte ilegal de arma de uso restrito em um dispositivo próprio, trazendo o referido crime no caput do artigo 16, que versa:

Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. (BRASIL, LEI 10.826/03).

O Estatuto do Desarmamento trouxe algumas alterações significativas a respeito do porte ou posse de arma de uso restrito. Além do aumento da pena de 2 a 4 anos para 3 a 6 anos, com a manutenção da multa, a nova lei incluiu as munições de uso restrito como objeto material deste delito, sendo assim, qualquer uma das condutas do caput, realizadas com munição de uso restrito também serão passiveis de punição, se constituindo uma novatio legis incriminadora, a qual não pode retroagir, podendo penalizar apenas as condutas durante a sua vigência. Ademais, a respeito dos acessórios de uso restrito, esses já se encontravam dispostos desde a lei anterior, ganhando apenas um caráter mais gravoso e tratamento mais severo com a vigência da nova lei, sendo vedada apenas sua aplicação mais severa aos crimes anteriores, de forma que prejudicaria o réu. (CAPEZ, 2014, p.243).

Quanto às características básicas deste ilícito, de acordo com Silva, Lavorenti e Genofre (2006, p.107), este muito se assemelha aos crimes da posse e do porte ilegal, onde todos buscam a manutenção da proteção à incolumidade pública, e que em todos os casos, as condutas não necessariamente precisam ser praticadas por um agente específico, estas podem ser exercidas por qualquer pessoa, necessitando apenas no dolo do agente em realizar as condutas típicas em sua vontade livre e consciente, e em se tratando de tentativa, assim como nos outros delitos já mencionados, é inadmissível na maioria das condutas, se configurando apenas em casos onde o agente seja frustrado quando dá início aos atos executórios.

Com relação à execução do referido crime, de acordo com Capez (2014, p.244), constitui-se um delito de tipo misto alternativo, onde, na execução de mais de uma conduta pelo infrator, este responderá por um único crime, com base no princípio da alternatividade, onde não haverá um conflito de normas, mas sim de condutas dentro de um mesmo tipo penal, onde o agente que pratica diversas condutas interligadas, responderá apenas por uma delas. Um exemplo para essa “ligação” entre as condutas é a hipótese em que o agente transporta a arma de uso proibido, a mantem em sua guarda e fornece o artefato a outrem, este será enquadrado apenas em um delito. No entanto, tal entendimento não poderá prevalecer nos casos em que entre as condutas típicas, não se guarde qualquer nexo causal, como no caso do agente ter em depósito arma de fogo proibida, mas empresta a outrem arma diversa da conduta anterior, nesse caso, não existe correlação entre as condutas e assim, torna-se difícil que ambas configurem um mesmo delito, não podendo falar-se em absorção de uma conduta pela outra:

Tratando-se de fatos completamente diversos, realizados em contextos fáticos distintos, como é o caso acima exposto, será juridicamente impossível falar em atos integrantes da mesma conduta, inexistindo qualquer conflito aparente de normas. Haverá, em suma, dois crimes distintos, devendo o agente ser responsabilizado por ambos, sob a forma de concurso material ou, quando presentes todas as circunstâncias do art. 71, caput, do Código Penal, de crime continuado. O mesmo sucede se o agente guarda um grande lote de acessórios de uso restrito em sua residência e transporta caixas de munições. Nessa hipótese, não há como afastar o concurso de crimes, dado que não existe qualquer nexo causal entre as condutas. (CAPEZ, 2014, p.245).

Por fim, no paragrafo único do referido artigo, comtemplam-se os delitos equiparados aos do caput, são eles:

I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato;

II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz;

III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;

IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;

V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e

VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo. (BRASIL, LEI 10.826/03).

Tais tipificações são equiparadas às condutas previstas no caput do artigo 16 da lei supracitada, incorrendo na mesma pena proposta a posse ou o porte de arma de fogo de uso restrito, e são constituídas com o intuito de se apararem arrestas e preencher lacunas da lei anterior, com relação a algumas situações decorrentes da análise do caso concreto.

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Trabalho de Conclusão do Curso, apresentado como requisito para graduação no curso de Direito na Universidade Luterana do Brasil/ Instituto Luterano de Itumbiara, Goiás.Orientador: Professor Carlos Eduardo de Oliveira Gontijo

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