RESUMO:O tema inventário e partilha já foi mais espinhoso, complexo e demorado do que é atualmente. Com a vigência da lei 11.441 de 04 de janeiro de 2007, em vigor a partir do dia seguinte a sua publicação, abriu-se a possibilidade de se fazer o procedimento pela via extrajudicial ou administrativa, o que trouxe um fôlego novo a este instituto, possibilitando, passados mais de dez anos de sua aplicação, a realização de milhares de inventários e partilhas, bem como sobrepartilhas e retificações, em tabelionato. Esta disposição foi corroborada no atual CPC, porém excluindo da seara extrajudicial os inventários em que houvesse testamento. Dada a possibilidade da realização de partilha amigável, entre maiores e capazes, dependia, entretanto, da homologação judicial, para serem expedidos os formais aptos ao registro imobiliário, ou à destinação que deveria ser dada aos bens partilhados. Alguns estados-membros, através de suas Corregedorias, editaram normativas autorizando a lavratura de tais inventários. O Provimento N° 028/2019-CGJ, disponibilizado no DJE Nº 6.653, p. 42, de 17/12/2019, o Estado do Rio Grande do Sul, considerando o contido no parágrafo 1º do art. 610 do Código de Processo Civil Brasileiro e a decisão no Resp nº 1.808.767 do Superior Tribunal de Justiça, soma-se àqueles que autorizam a lavratura do instrumento público de inventário, através da via extrajudicial, embora haja testamento. Mas, qual a forma de efetivar o comando do Provimento, para que alcance o objetivo da eficiência e celeridade? Este artigo tratará, de forma direta, prática e objetiva, do procedimento a ser realizado, desde a abertura da sucessão, para que seja alcançado o objetivo da autorização. Será utilizada a abordagem qualitativa, com a pesquisa exploratória-explicativa, baseada nas normas postas e na doutrina pátria. Espera-se alcançar o objetivo de esclarecer a forma de realizar o procedimento do inventário, pela via extrajudicial, em que pese a existência de testamento, para acelerar o procedimento e desafogar o Poder Judiciário.
Palavras-chave: Inventário; extrajudicial; testamento; partilha amigável
INTRODUÇÃO
O tema inventário e partilha já foi mais espinhoso, complexo e demorado do que é atualmente. Com a vigência da lei 11.441 de 04 de janeiro de 2007, em vigor a partir do dia seguinte à sua publicação, abriu-se a possibilidade de se fazer o procedimento pela via extrajudicial ou administrativa, o que trouxe um fôlego novo a este instituto, possibilitando, passados mais de dez anos de sua aplicação, a realização de milhares de inventários e partilhas, bem como sobrepartilhas e retificações, em tabelionato.
A lei que modificou os artigos 982 e 983 do Código Civil anterior, ao trazer para a seara administrativa a possibilidade de realizar estes procedimentos, desafogou sobremaneira o Poder Judiciário e agilizou a realização dos feitos, que, entre o seu encaminhamento e a finalização, com os formais de partilha entregues aos herdeiros prontos, em prazo considerado exíguo, se comparado com os longos meses, e até anos em que tramitavam na esfera judicial. Em média, se a documentação está em dia e não há dívidas em nome do falecido, todo o procedimento do inventário dura de quinze a trinta dias.
Embora seja uma forma mais simplificada de realizar este tipo de inventário, não são todos os interessados que preenchem os requisitos legais e, neste caso, terão, obrigatoriamente, de se socorrer do Poder Judiciário. A maioria das situações envolvendo inventário e partilha de bens, no entanto, se não há litígio entre os herdeiros e partes interessadas, encaixam-se nesta modalidade, que já não é nova, porém ainda desconhecida, tecnicamente, da maioria das pessoas, sejam profissionais do direito ou não, e a sua forma adequada de realização ainda gera muitas dúvidas.
Dada a possibilidade da realização de partilha amigável, entre maiores e capazes, dependia, quando da existência de testamento, entretanto, da homologação judicial, para serem expedidos os formais aptos ao registro imobiliário, ou à destinação que deveria ser dada aos bens partilhados. Alguns estados-membros, através de suas Corregedorias, editaram normativas autorizando a lavratura de tais inventários. O Provimento N° 028/2019-CGJ, disponibilizado no DJE Nº 6.653, p. 42, de 17/12/2019, o Estado do Rio Grande do Sul, considerando o contido no parágrafo 1º do art. 610 do Código de Processo Civil Brasileiro e a decisão no Resp nº 1.808.767 do Superior Tribunal de Justiça, soma-se àqueles que autorizam a lavratura do instrumento público de inventário, através da via extrajudicial, embora haja testamento. Mas, qual a forma de efetivar o comando do Provimento, para que alcance o objetivo da eficiência e celeridade?
Visa-se, com o presente trabalho, clarear o procedimento extrajudicial do inventário e partilha de bens, onde haja testamento, previstos no Código Civil, Código de Processo Civil, na Resolução 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça, no Provimento N° 028/2019-CGJ, disponibilizado no DJE Nº 6.653, p. 42, de 17/12/2019, do Estado do Rio Grande do Sul, e a decisão no Resp nº 1.808.767 do Superior Tribunal de Justiça.
Inicia-se com noções gerais sobre o inventário e um breve histórico do instituto, seguindo-se a sua aplicabilidade antes e depois de 2007 e atualmente, com o CPC em vigor, em razão do ativismo judicial, na implementação de regulamentações de seu procedimento pela via administrativa e, finalmente, com o reconhecimento da eficiência, celeridade e confiança depositada nos serviços extrajudiciais, com ênfase, no caso em tela, dos notariais, adiciona-se o “como fazer”, de maneira que, aquele que deseje realizar este procedimento, tenha uma base do que deverá implementar para alcançar seu objetivo.
1 INVENTÁRIO- NOÇÕES GERAIS
1.1 Conceito
Inventário, no dizer de Gagliano e Pamplona Filho “é uma descrição detalhada do patrimônio do autor da herança, atividade esta destinada a posterior partilha ou adjudicação dos bens”[2]. Já sob o prisma processual, continuam, “o inventário pode ser entendido como uma sequência ordenada de atos tendentes a um fim específico”.
Silvio Rodrigues define o instituto: “inventário é um processo judicial que se destina a apurar os bens deixados pelo finado, a fim de sobre o monte proceder-se à partilha”[3].
Continua Rodrigues: “morto o autor da herança, o seu patrimônio se transmite, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Estes recebem o patrimônio como um todo, cabendo a cada qual uma parte ideal e indeterminada. Através da partilha, entretanto, declara-se qual a parte divisa, ou mesmo indivisa, cabente a cada herdeiro.”[4]
O inventário pode ser entendido como o processo judicial tendente à relação, descrição, avaliação e liquidação de todos os bens pertencentes ao de cujus ao tempo de sua morte, para assim distribuí-los entre os seus sucessores (MALUF e MALUF).[5]
No direito material, o Código Civil não traz a definição de inventário, dispondo no Título IV, do Livro V- Do Direito das Sucessões, artigo 1.991 que desde a assinatura do compromisso até a homologação da partilha, a administração da herança será exercida pelo inventariante.
O Código de Processo Civil também não conceituou inventário, regrando-o, como procedimento especial, no Título III, Capítulo VI- Do Inventário e da Partilha, iniciando no artigo 610, a dizer que havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.
Inventariar, lato sensu, é listar, registrar, arrolar e avaliar bens e obrigações de determinada pessoa, física ou jurídica. No direito sucessório, inventariar é arrolar haveres e dívidas do falecido, a fim de ser feita a partilha do que sobrar (se sobrar) aos herdeiros. Havendo direitos a serem recebidos e obrigações a serem satisfeitas, por parte do espólio, serão apurados no processo ou procedimento de inventário, caso seja judicial ou extrajudicial.
Em regra, a única forma para que os herdeiros regularizem a propriedade e realizem o registro dos bens havidos por herança é através do inventário.
1.2 Histórico
O inventário, no Código de Processo Civil anterior[6] era previsto no LIVRO IV DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS, Capítulo IX, a partir do artigo nº 982[7].Pela via judicial, o cônjuge supérstite, herdeiros, credores ou aqueles legitimados pela lei a promover a ação deveriam abrir o processo de inventário e partilha de bens, no prazo de sessenta (60) dias.
No Código de Processo Civil atual, Lei 13.105/2015, o inventário vem tratado a partir do artigo 610, que remete ao inventário judicial dizendo que “havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.”
O artigo 611 diz que o processo de inventário e de partilha deve ser instaurado dentro de 2 (dois) meses, a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 (doze) meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar esses prazos, de ofício ou a requerimento de parte, modificando para meses o prazo que era em dias (sessenta dias), no CPC anterior. Assegura, no artigo 612 que o juiz decidirá todas as questões de direito desde que os fatos relevantes estejam provados por documento, só remetendo para as vias ordinárias as questões que dependerem de outras provas. Assim, estando a documentação em ordem, e não havendo situações que dependam de outras provas, o inventário se processará na forma determinada pela legislação processual, obedecendo a vocação hereditária, caso não haja testamento ou cessão de direitos hereditários.
No atual CPC, o inventário é um procedimento especial e deve obedecer as regras estabelecidas na codificação processual civil, atendendo ao direito material constante do Código Civil.
Para Cahali “o Código Civil de 2002, mantendo a inadequação da legislação anterior, trata do processo de inventário, da partilha e do pagamento das dívidas do espólio, trazendo regras, em sua maioria, relativas ao procedimento da apuração, liquidação e efetiva transferência da herança.”[8] Para Cahali, como “a matéria guarda maior intimidade com o processo civil e, como tal, deve ser analisada com a sistemática deste ramo do direito”.
Por concordar com o ilustre professor, a sistemática deste estudo se dará em conjunto, direito material e processual e, indo mais além, somando a isto, as normativas de ordem administrativa, do Conselho Nacional de Justiça, que regulamentaram o inventário extrajudicial, bem como o posicionamento jurisprudencial dos tribunais superiores, em alguns temas que, embora constem do direito material, já não são mais aplicáveis na prática, como, por exemplo, a autorização normativa para lavratura de inventário, de forma administrativa, mesmo havendo testamento.
2 INVENTÁRIO E O ATIVISMO JUDICIAL: O ANTES E O AGORA DA VIABILIDADE JURÍDICA DO INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL COM TESTAMENTO
A Resolução 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça, editada após a entrada em vigor da Lei 11.441/2007, que alterou o Código de Processo Civil anterior, trouxe profundas mudanças no instituto de inventário e partilha de bens, possibilitando, a partir da edição da lei, que a parte opte, se preencher os requisitos determinados na lei, entre a via judicial ou a extrajudicial para a realização do feito.
Na esfera extrajudicial, também as Corregedorias Gerais dos Estados, através de suas normas, estabelecem os procedimentos que devem adotar tabeliães e registradores, quando da opção da parte, pelo procedimento extrajudicial.
Até a aprovação da lei 11.441/2007, o inventário e partilha somente era possível através da via judicial. A partir de então, abriu-se a possibilidade das partes optarem, se atenderem os requisitos da lei, entre esta e a via administrativa. Em 04 de janeiro de 2017, foi aprovada a lei que alterou os artigos 982 e 983 do Código de Processo Civil revogado, estabelecendo que, querendo as partes, e atendendo os requisitos de não haver testamento, nem menores e incapazes, realizarem o inventário de forma extrajudicial, isto é, em um tabelionato de notas. Na mesma modificação, estabeleceu ainda que as partes devem estar assistidas de advogado, para validade do procedimento.
Desde então, tendo passado mais de uma década, houve um alívio para o Poder Judiciário, pois milhares de inventários e partilhas são feitos nestes serviços extrajudiciais, deixando ao estado-juiz, mais disponibilidade para tratar dos assuntos em que há litígio.
Também esta alternativa, que já não é nova, traz às partes maior celeridade, visto que, pela via judicial, um inventário pode levar anos até ser a partilha homologada, o que não ocorre administrativamente, pois o tempo médio em tabelionato de notas é de quinze a trinta dias, conforme a complexidade do ato, estando preenchidos os requisitos, apresentados os documentos e recolhidos os devidos impostos e taxas.
Casos há, no entanto, em que é obrigatório o inventário judicial, e então, a parte não tem escolha. No Código de Processo Civil atual, Lei 13.105/2015, o inventário vem tratado a partir do artigo 610, que remete ao inventário judicial dizendo que “havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.”
Entretanto, o comando legal está sendo mitigado pelas normas das Corregedorias Estaduais, respaldadas na decisão no Resp nº 1.808.767 do Superior Tribunal de Justiça[9]. É o caso do Rio Grande do Sul, que, através da Corregedoria Geral de Justiça- CGJ editou o Provimento n° 028/2019-CGJ , disponibilizado no DJE nº 6.653, p. 42, de 17/12/2019. [10] Foi alterada a numeração do parágrafo único para parágrafo 1º, bem como incluídos os parágrafos 2º, 3º e 4º no artigo 613 da Consolidação Normativa Notarial e Registral do Rio Grande do Sul- CNNR/RS[11], que passaram a viger com a seguinte redação: Art. 613- § 1º - Admitem-se inventário e partilha extrajudiciais com viúvo(a)[12] ou herdeiro(s) capazes, inclusive por emancipação, representado(s) por procuração formalizada por instrumento público com poderes especiais. §2º - Havendo expressa autorização do juízo sucessório competente, nos autos do procedimento de abertura e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes, poderão ser feitos o inventário e a partilha por escritura pública, que constituirá título hábil para o registro imobiliário. § 3º - Poderão ser feitos o inventário e a partilha por escritura pública, também, nos casos de testamento revogado ou caduco, ou quando houver decisão judicial com trânsito em julgado declarando a invalidade do testamento, observadas a capacidade e a concordância dos herdeiros.
A maior novidade está no § 2º, pois, sendo autorizado pelo juiz competente, quando do ajuizamento do procedimento de registro e cumprimento do testamento, poderá ser remetido para a via extrajudicial o inventário, desde que todos os interessados sejam capazes e estejam de acordo. Assim, proceder-se-á da mesma forma que o já autorizado inventário extrajudicial, permitido desde 2007, isto é, será lavrada a escritura pública de inventário e partilha dos bens, na forma da legislação vigente. Antes, era autorizada a partilha amigável, entre os interessados maiores e capazes, havendo a necessidade de homologação judicial e expedição dos formais de partilha pelo juiz.
Outra importante determinação do Provimento estadual diz respeito à possibilidade de lavrar o inventário em Tabelionato de Notas quando o testamento for revogado, caduco ou declarado inválido por decisão judicial transitada em julgado. Esta era uma dúvida frequente, desde a edição da Lei 11.441/2007, pois não havia disposição quanto ao procedimento a ser adotado, caso o testamento não mais fosse possível de ser executado.
O ativismo judicial, através dos Tribunais vem trazendo fôlego às situações que podem ser solucionadas pela vontade das partes, desafogando o Poder Judiciário, em que pese estarem legislando, no lugar dos integrantes do Congresso Nacional. A regulamentação de tais normas emanadas ou da lei ou através de provimentos fica a dever para quem precisa colocar em prática os atos, no dia-a-dia do Poder Judiciário ou dos Serviços Extrajudiciais e, não raro, os operadores do Direito precisam se valer de tentativas de acerto e erro até que se assente, pacifique e uniformize as formas pelas quais os procedimentos devem ser executados.
Em razão disto, a seguir, explana-se, de forma breve, como tais procedimentos podem ser realizados, atendendo as normativas legais, visando que o inventário e partilha dos bens seja, realmente, título hábil ao registro de imóveis e à implementação dos demais direitos dos interessados, como, por exemplo, fazer o saque dos valores perante as instituições bancárias ou a transferência do veículo que coube ao viúvo ou herdeiros.