3 A REINVENÇÃO DO INVENTÁRIO E O RECONHECIMENTO DA EFICIÊNCIA, CELERIDADE E CONFIANÇA NOS SERVIÇOS NOTARIAIS. MAS COMO FAZER?
A teor do Código Civil, a sucessão abre-se no momento em que ocorre a morte do proprietário dos bens, no lugar do último domicílio do falecido, transmitindo-se desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. (artigos 1.784 e 1785), do Codex. Com a morte do proprietário dos bens, o chamado princípio da saisine, insculpido no artigo 1.784 do Código Civil, impõe que “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”[13].
Caso não haja testamento, ou seja, disposição de última vontade, serão chamados os herdeiros e sucessores elencados na lei, pois “a sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade”. (artigo 1.786), devendo ser observada a lei vigente ao tempo da abertura da sucessão, para saber-se quem é o legitimado a suceder (artigo 1.787), pois embora o Código Civil conte com mais de uma década e o Código de Processo Civil esteja em vigor há mais de ano, os prazos lá estabelecidos nem sempre são observados e ainda existem inventários que não foram realizados, com sucessão aberta na vigência das leis anteriores.
No momento da morte do autor da herança, caso não haja testamento, esta se transmite aos herdeiros legítimos, ocorrendo o mesmo, caso haja testamento que não contemple todos os bens do falecido. Se o testamento for caduco ou nulo, defere-se a herança aos herdeiros legitimados a suceder (artigo 1.788, CC), sendo que, por testamento, só poderá haver disposição da metade disponível da herança, caso o testador tenha herdeiros necessários (artigo 1.789, CC). Havendo qualquer herdeiro na classe dos chamados herdeiros necessários (ascendentes, descendentes, cônjuge ou companheiro), os colaterais não terão direito à sucessão, a menos que tenham sido agraciados por testamento, dentro da parte disponível do autor da herança.
Gagliano e Pamplona Filho esclarecem que “o artigo 1798 do Código Civil contém uma regra material para a sucessão hereditária em geral, que legitima as pessoas nascidas e os nascituros (aqueles seres humanos já concebidos, embora não nascidos) ao tempo da morte do autor da herança, para receber parte ou todo o patrimônio deixado pelo falecido”.[14]
Na sua disposição de última vontade, o autor da herança pode beneficiar a quem quiser, sem precisar declinar o motivo, podendo fazê-lo, se assim o quiser, respeitando a legítima dos herdeiros necessários ou a totalidade de seu patrimônio, se não houver esta classe de herdeiros. O testamento válido será registrado e então, será aberto o inventário.
3.1 O inventário extrajudicial
Os herdeiros podem optar entre o inventário e partilha de bens pela forma judicial ou extrajudicial, se preencherem os requisitos de lei. Caso o inventário se dê através da via administrativa, isto é, em Tabelionato de Notas, o inventariante será nomeado na escritura pública, uma vez que todo o procedimento é feito de uma vez só, após a juntada dos documentos necessários pelo advogado assistente e o recolhimento dos impostos e taxas previstos na lei, por parte dos herdeiros. Os requisitos de tal procedimento estão previstos no Código de Processo Civil, na Lei 11.441 de 2007, na Resolução 35 de 2007, do Conselho Nacional de Justiça e nas normas das Corregedorias estaduais.
O inventário judicial, ou seja, aquele que deverá obedecer ao procedimento especial previsto no Código de Processo Civil, uma vez instaurado, reger-se-á pelas normas processuais previstas. Este procedimento (via judicial) pode se dar por vontade das partes, visto que a via extrajudicial é opcional, ou em razão de não atender aos requisitos para tanto. A obrigatoriedade se dá em razão de haver interessado incapaz, testamento ou ausência de consenso entre as partes, conforme prescreve o artigo 610 e seu parágrafo único do CPC, com a excepcionalidade, no Estado do Rio Grande do Sul, da possibilidade de realizá-lo pela via extrajudicial, atendendo ao que preconiza o Provimento n° 028/2019-CGJ, disponibilizado no DJE nº 6.653, p. 42, de 17/12/2019, e a decisão no Resp nº 1.808.767 do Superior Tribunal de Justiça.
Para a realização do inventário e partilha dos bens em Tabelionato de Notas, o interessado deverá atender a determinados requisitos, previstos na legislação, excluindo-se esta alternativa quando houver herdeiros incapazes, litígios e disposições não patrimoniais. A ausência de testamento, conforme a crescente ingerência dos Tribunais, em alguns Estados, como é o caso do Rio Grande do Sul, deixou de ser requisito para a realização deste procedimento pela via administrativa.
3.2 Inventário extrajudicial com testamento: como fazer?
A opção da realização do procedimento do inventário extrajudicial, na existência de testamento, em tabelionatos gaúchos, deve atender aos requisitos elencados no Provimento n° 028/2019-CGJ, disponibilizado no DJE nº 6.653, p. 42, de 17/12/2019, do Estado do Rio Grande do Sul, e a decisão no Resp nº 1.808.767 do Superior Tribunal de Justiça, que alterou a numeração do parágrafo único para parágrafo 1º, bem como incluídos os parágrafos 2º, 3º e 4º no artigo 613 da Consolidação Normativa Notarial e Registral do Rio Grande do Sul- CNNR/RS, e mais o que prevê o Código Civil, o Código de Processo Civil e a Resolução 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça.
Em primeiro lugar, o interessado deve constituir um advogado, para promover o registro do testamento. No pedido de registro de testamento, deve ser requerida a autorização do juízo competente para a lavratura do inventário no tabelionato de notas.[15]
O advogado já terá analisado se há ou não incapaz, se os interessados estão de acordo e se o testamento dispõe somente sobre o patrimônio do falecido, em atendimento ao que consta no Provimento 028/2019- CGJ/RS. Não havendo incapaz, estando todos concordes e constando no testamento tão somente disposições patrimoniais seguirá o procedimento do inventário extrajudicial, após registrado e autorizado pelo juiz.
A Resolução 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça estabeleceu os documentos mínimos necessários, no artigo 22: Art. 22. Na lavratura da escritura deverão ser apresentados os seguintes documentos: a) certidão de óbito do autor da herança; b) documento de identidade oficial e CPF das partes e do autor da herança; c) certidão comprobatória do vínculo de parentesco dos herdeiros; d) certidão de casamento do cônjuge sobrevivente e dos herdeiros casados e pacto antenupcial, se houver; e) certidão de propriedade de bens imóveis e direitos a eles relativos; f) documentos necessários à comprovação da titularidade dos bens móveis e direitos, se houver; g) certidão negativa de tributos; e h) Certificado de Cadastro de Imóvel Rural - CCIR, se houver imóvel rural a ser partilhado.[16] Determina, ainda, no artigo 23 que os documentos apresentados no Tabelionato devem originais ou em cópias autenticadas, salvo os de identidade das partes, que sempre serão originais e que a escritura pública deverá fazer menção aos documentos apresentados (artigo 24).
A Consolidação Normativa Notarial e Registral gaúcha- CNNR/RS, prevê, a partir do artigo 614 os documentos que devem ser apresentados para a lavratura da escritura pública de inventário: pagamento do tributo correspondente, deverá conter os requisitos estabelecidos pelo art. 993 do CPC[17]; deverão constar da escritura as certidões negativas da Fazenda Federal, Estadual e Municipal e, além de outros documentos exigidos em lei, o tabelião deverá solicitar: a) Carteira de Identidade e número do CPF das partes e do autor da herança; b) certidão de óbito; c) certidão do pacto antenupcial, se houver; d) documentos que comprovem a propriedade e os direitos sobre o patrimônio inventariado; e) declaração de inexistência de testamento, ou certidão do Arquivo Central de Testamentos.
Além destes documentos deverão ser apresentadas matrículas atualizadas dos imóveis, negativas de ônus, extratos bancários e outros, conforme seja a propriedade inventariada (por exemplo: relação de semoventes registrados em nome do falecido). No inventário extrajudicial em que houver testamento, deve ser apresentado o registro do mesmo e a autorização do juízo competente para a lavratura da escritura pública.
Embora não haja previsão expressa na lei e na normativa estadual, recomenda a boa técnica que o advogado, da mesma forma que peticiona ao juízo competente no inventário judicial, também o faça ao tabelião de notas. Esta providência evita que haja controvérsias na hora de relacionar herdeiros, bens e forma de partilhamento.
Após juntar a documentação, será encaminhada a escritura pública de inventário perante o tabelionato de notas. O tabelião fará a DIT (Declaração de Imposto de Transmissão)[18], para o recolhimento do imposto e taxa correspondente, nos termos da Lei Estadual nº 8.821, de 27 de janeiro de 1989.[19] Verificada a implementação de todos os requisitos determinados pela lei e pela norma estadual, bem como o recolhimento das taxas e impostos incidentes, será lavrada a escritura pública de inventário e partilha dos bens, conforme as disposições do testamento, obedecendo a vocação hereditária e os direitos sucessórios previstos na lei civil.[20] As partes interessadas poderão ser representadas por procurador com poderes específicos para o ato, cuja procuração deverá se dar por instrumento público.
Uma vez lavrada a escritura pública de inventário e partilha de bens (ou adjudicação), será assinada pelas partes, pelo advogado assistente e pelo tabelião, sendo entregue uma via (traslado ou certidão) a cada um dos interessados. Prevê o artigo 618 da CNNR/RS que “cada herdeiro, apresentando o traslado da escritura pública de partilha, poderá requerer o Registro Imobiliário”. Esta normativa é sucinta e incompleta, pois, além do registro imobiliário, servirá a escritura para a implementação dos direitos sobre todos os bens constantes do inventário, como por exemplo, transferência de veículos e saques de valores em instituições financeiras. Com isto, exaure-se a competência do tabelião de notas, com relação à lavratura de inventário e partilha de bens, com ou sem testamento, não terminando, entretanto, sua responsabilidade sobre os atos notariais praticados, isto é, deve o instrumento ser título hábil ao que se propôs a partilha, devendo os bens imóveis ser registrados, valores sacados perante as instituições financeiras e os demais bens registrados em nome do(s) herdeiro(s) a quem couberam. O notário deverá retificar, caso necessário, o instrumento público para adequá-lo às normas registrais, caso haja divergência entre o que consta na escritura e na lei registral.
Tendo sido observados todos os requisitos e determinações legais, a possibilidade da lavratura do inventário extrajudicial com testamento, no tabelionato de notas, mostra-se mais uma alternativa para a celeridade de procedimentos que podem ser realizados pela via administrativa, desafogando o Poder Judiciário e liberando os bens, móveis e imóveis, aos herdeiros e sucessores do falecido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Até 2007 a legislação pátria só previa o inventário e partilha de bens, decorrentes de sucessão hereditária e/ou testamentária, pela via judicial. Com a edição da Lei Federal nº 11.441/2007, que alterou o Código de Processo Civil vigente à época, foi facultada a sua lavratura, desde que atendesse a determinados requisitos, como consenso entre as partes, ausência de incapazes e de testamento. A lei foi regulamentada pela Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça, no mesmo ano, onde foi padronizado o procedimento extrajudicial, espantando as dúvidas existentes. Durante mais de uma década foram lavrados milhares de inventários extrajudiciais pelos tabelionatos brasileiros, com base nas normas vigentes, detalhadas pelas Corregedorias Estaduais, através de provimentos e corroboradas quando da entrada em vigência do atual Código de Processo Civil.
Entretanto, em que pese a legislação autorizar a partilha amigável entre herdeiros, legatários e interessados, maiores e capazes, a existência de testamento excluía a possibilidade da lavratura de inventário extrajudicial e aqueles que queriam testar pensavam duas vezes antes de fazê-lo, em razão do prejuízo de tempo que causariam a quem desejavam beneficiar e aos demais herdeiros, acaso existentes, pois a celeridade da via administrativa contrapõe-se, de forma evidente, à judicial.
O Superior Tribunal de Justiça, julgando recurso do Estado do Rio de Janeiro, através da decisão no Resp nº 1.808.767 autorizou a lavratura da escritura de inventário pela via extrajudicial, mesmo havendo testamento. A Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, através do Provimento n° 028/2019-CGJ- Disponibilizado no DJE nº 6.653, pág. 42, de 17/12/2019 regulamentou a forma e os requisitos como deve ser realizado o procedimento nos tabelionatos, após o registro do testamento e a autorização do juízo competente.
Uma vez que haja a autorização do juiz, o procedimento do inventário extrajudicial com testamento é o mesmo do autorizado pela Lei 11.441/2007, com os documentos necessários a serem apresentados, determinados pela Resolução 35 do CNJ e atendendo o recolhimento dos impostos e taxas inerentes ao ato, com assinatura das partes, do advogado e do tabelião. Será entregue uma via a cada parte interessada, para que promova o registro, imobiliário ou não, e sirva o instrumento para a comprovação de seu direito como herdeiro, da mesma maneira como o formal de partilha extraído dos autos do processo de inventário o faz.
Esta faculdade, colocada à disposição dos interessados que se enquadrem nos requisitos elencados, trará mais agilidade aos inventários, de forma que os herdeiros e sucessores terão, em prazo mais reduzido, o direito implementado, para desfrutar da forma que melhor desejarem, do patrimônio deixado pelo de cujus e, embora haja críticas severas ao ativismo judicial, em certas situações isto vem favorecer de forma inequívoca aos interessados na resolução de situações em que não haja conflito, mas simplesmente a vontade de pôr fim ao inventário.