Os estudiosos dão raízes à delação premiada na Ordenação Filipina de 1603, de triste memória em matéria de persecução penal.
O ponto de partida da delação premiada provoca a mais atávica repulsa moral. Com efeito, a história abomina traidores.
A semente da delação premiada na Itália se deu início a fim de combater atos de terrorismo na década de 70, porém a mesma recebeu maior destaque após a operazione mani pulite, operação esta que tentou acabar com a máfia. Os delatores na época ficaram conhecidos como pentiti, e desde então o instituto da delação premiada passou a ser regrado pelo Código Penal Italiano, bem como por algumas outras legislações esparsas.
Segundo Fauzi Hassan Choukr (Processo Penal de Emergência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.), a delação premiada na Itália surgiu em meio a um contexto de promessas de uma “nova ordem processual”, contexto que resultou em um endurecimento da legislação de combate à criminalidade, resultando em tensão e desequilíbrio do binômio eficiência e garantismo. Isso aconteceu também no Brasil, no âmbito da operação Lava-jato, que, historicamente, deu continuidade ao que se viu na Itália, como a operação mãos limpas.
O direito alemão traz em seu Código de Processo Penal (StPO), mais precisamente no artigo 129, inciso V, alínea “a”, kronzeugenregelung (regulamentação dos testemunhos), o instituto em questão dispõe que o magistrado poderá atenuar discricionariamente a pena, ou até mesmo deixar de aplicá-la, caso o agente delinqüente co-réu de maneira voluntária se esforce a fim de cessar a continuação da organização criminosa, ou a realização de delito fim desta, ou ainda denuncie (delate) a uma autoridade que possa impedir o crime de cujo planejamento tenha conhecimento.
A delação premiada, mecanismo de cooperação penal que beneficia o acusado, foi expressamente prevista no art. 8º da Lei de crimes hediondos:
Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.
Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços
Sob o ponto de vista processual, a delação premiada consiste na afirmação feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido extrajudicialmente, por meio da qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação no crime como seu comparsa.
O ato de delação há de ser espontâneo, pois não pode ser um ato provocado por terceiro.
Trata-se de um meio de prova, mas, para que seja considerada, há a necessidade da presença de três requisitos: a) o corréu que fez a delação tenha confessado a sua participação no crime; b) a delação encontre amparo em outros elementos de prova existentes nos autos; c) no caso de delação extrajudicial, que tenha sido confirmada em juízo. Sem esses requisitos e sem que tenha sido respeitado o contraditório, com possiblidade de reperguntas pelas partes, a delação não tem qualquer valor, sendo um ato que é destituído de eficácia jurídica.
O instituto da delação premiada se perfaz quando o agente colabora de forma voluntária e efetiva com a investigação e com o processo penal. Seu testemunho deve vir acompanhado da admissão de culpa e servir para a identificação dos demais coautores ou partícipes, e para esclarecimento acerca das infrações penais apuradas.
Recentemente, a matéria foi tratada na Lei que trata do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, Lei nº 12.529/2011, no artigo 86. A delação premiada foi objeto ainda da Lei nº 9.807/99 (artigo 14) e da Lei de Drogas, Lei nº 11.343/06, artigo 41.
O artigo 4º, parágrafo 5º, da Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013), estabelece que, se a delação for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida pela metade ou será admitida a progressão imediata de regime. Contudo, não há a possibilidade de perdão judicial que existe para contribuições no começo das investigações. De acordo com o professor de Processo Penal da USP, Gustavo Henrique Badaró, não há limite temporal para colaborar com a Justiça. Isso pode ser feito inclusive após o trânsito em julgado da condenação.
Cezar Roberto Bitencourt, autor do "Tratado de Direito Penal" e doutor, já afirmou em artigos que a delação premiada está "eivada de inconstitucionalidades", e questionou os fundamentos do Estado ao conceder benefícios a um criminoso que delata crimes que ele não conseguiu combater.
"É no mínimo arriscado apostar em que tais informações, que são oriundas de uma traição, não possam ser elas mesmas traiçoeiras em seu conteúdo", afirmou, em artigo publicado no site "Consultor Jurídico", em dezembro de 2014. "Certamente aquele que é capaz de trair, delatar ou dedurar um companheiro movido exclusivamente pela ânsia de obter alguma vantagem pessoal, não terá escrúpulos em igualmente mentir, inventar, tergiversar e manipular as informações que oferece para merecer o que deseja.".
O acordo de colaboração contém a enumeração de algumas obrigações dos criminosos, como a entrega de uma lista com os nomes de pessoas que foram beneficiadas pelos crimes, mas contém também este compromisso expresso assumido pelo chefe do Parquet: “o benefício legal do não oferecimento de denúncia”, como está expresso na cláusula 4ª. do acordo de colaboração.
Assim, os criminosos não serão sequer enquadrados como réus em processo criminal, podendo assim fazer a prova de bons antecedentes. Para dar a aparência de legalidade a esse extraordinário favor, é indicado o artigo 4º, parágrafo 4º, da Lei 12850, de 2013, que introduziu no sistema jurídico brasileiro a colaboração premiada. Determina o artigo 1º, parágrafo 5º, da Lei 12.683, o que segue:
- 5o A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.”
O parágrafo quinto do artigo 1º da Lei 9.613/98 foi alterado pela Lei 12.683/12, com o objetivo de ampliar as hipóteses de ocorrência da chamada delação premiada. Àquele que colaborar espontaneamente com as investigações e prestar esclarecimentos que auxiliem na apuração dos fatos, na identificação dos agentes da lavagem do dinheiro ou na localização dos bens, será beneficiado com a redução da pena, sua extinção ou substituição por restritiva de direitos.
O dispositivo, como se sabe, trata da colaboração espontânea nos crimes de lavagem de dinheiro. Estabelece os seus requisitos e consequências jurídicas, com relação a pena a ser aplicada, até admitindo a não aplicação da pena.
Disseram Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini (lavagem de dinheiro, 2ª edição, pág. 172) que a lei não estabeleceu, entre as frações variáveis de 1/3 a 2/3 de redução da pena, qual o critério a ser seguido pelo julgador para aplicar a redução mínima ou mesmo um patamar intermediário. O critério a ser seguido deverá, sem dúvida, ser a eficácia da delação, seja em termos de atingimento das finalidades previstas, na lei, seja em relação ao conjunto de elementos que o delator forneça para confirmar as suas declarações.
Sob o ponto de vista processual, a delação consiste na afirmação feita por um acusado ao ser interrogado em juízo ou ouvido extrajudicialmente , pela qual além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação no crime como seu comparsa.
Trata-se de um meio de prova, mas para que seja considerada, há a necessidade da presença de três requisitos: a) o corréu que fez a delação tenha confessado a sua participação no crime; b) a delação encontre amparo em outros elementos de prova existentes nos autos; c) no caso de delação extrajudicial, que tenha sido confirmada em juízo. Sem esses requisitos e sem que tenha sido respeitado o contraditório, com possiblidade de reperguntas pelas partes, a delação não tem qualquer valor, sendo um ato que é destituído de eficácia jurídica.
Há importantes pontos quanto ao instituto que são objeto da Lei 13.964/19.
A nova lei anticrime, em vigor desde o dia 23 de janeiro do corrente ano, impôs uma maior disciplina à negociação entre os colaboradores.
Estabelece o artigo Art. 3º-A, da Lei 13.964, que “O acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos”.
Por outro lado, o artigo 3º-B estabelece que “O recebimento da proposta para formalização de acordo de colaboração demarca o início das negociações e constitui também marco de confidencialidade, configurando violação de sigilo e quebra da confiança e da boa-fé a divulgação de tais tratativas iniciais ou de documento que as formalize, até o levantamento de sigilo por decisão judicial”.
Combate-se aqui o temível vazamento de informações, que nutriu a imprensa sensacionalista. Aplica-se aqui o artigo 325 do Código Penal.
O Parquet deve explicitar as razões pelas quais não entende viável a formalização de acordo premiada. Isso decorre, inclusive, da própria CFRB que, ao tratar da Instituição Ministério Público [art. 129, §4º], estabelece que ao órgão se aplica, no que couber, o artigo 93, da Carta Magna.
Ainda no artigo 3º-B, mais especificamente em seu primeiro parágrafo, passa-se a impor uma forma de motivação para o indeferimento sumário da proposta de acordo de colaboração premiada. Tal se dá em consonância com a Constituição quando impõe a motivação.
Mais adiante, no §6º, estabelece-se que “Na hipótese de não ser celebrado o acordo por iniciativa do celebrante, esse não poderá se valer de nenhuma das informações ou provas apresentadas pelo colaborador, de boa-fé, para qualquer outra finalidade”.
A nova lei dita: “As partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor”.
O artigo 3º-C, por sua vez, inova ao restringir a colaboração ao “objeto da investigação”, o que revela inegável avanço, digno de elogios. Segundo o §3º, do retrocitado dispositivo, “[n]o acordo de colaboração premiada, o colaborador deve narrar todos os fatos ilícitos para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados”. Ou seja, a contrario sensu, não é admitida a hipótese da delação não ter relação direta com os fatos investigados.
Outra grande inovação implementada, como acentuaram Valber Melo e Felipe Maia Broeto (O pacote anticrime e seus impactos na delação premiada), está no artigo 4º, da Lei 12.850/2013. O legislador, nesse ponto, amplia as causas de improcessabilidade. Antes, somente era albergado quem não fosse o líder da organização criminosa e delatasse “por primeiro”. Agora, com a nova redação, “o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se a proposta de acordo de colaboração referir-se a infração de cuja existência não tenha prévio conhecimento e o colaborador [...]”.
O §4º-A, do artigo 4º, por sua vez, em verdadeira interpretação autêntica, visando evitar controvérsias, esclarece que “Considera-se existente o conhecimento prévio da infração quando o Ministério Público ou a autoridade policial competente tenha instaurado inquérito ou procedimento investigatório para apuração dos fatos apresentados pelo colaborador”.
O §7º, inciso IV, impôs-se ao juiz mais “atenção” na análise do requisito da “voluntariedade da manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares”.
A partir de agora, reuniões com candidatos a delator e seus advogados serão gravadas, e todos os procedimentos para celebrar acordos passarão por formalização. Dá-se a delação o caráter público.
Só poderão ser oferecidos aos delatores benefícios previstos em lei. Será o caso de rever benefícios, que são entendidos como generosos, que digam respeito a cumprimento de prisões domiciliares em caso não expressamente mencionados na norma atinente.
O colaborador deve narrar todos os fatos ilícitos para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados.
A legislação brasileira diz que ninguém pode ser condenado com base numa delação se não houver provas que a corroborem. Com a nova lei, a palavra dos colaboradores também não bastará para justificar prisões, buscas, bloqueios de bens e a abertura de ações penais. Tal era já o entendimento do STF, por sua Segunda Turma. É o que se lê do Inq. 3.994.
O voto vencedor foi o voto proferido pelo ministro Dias Toffoli, que foi seguido pelo ministro Gilmar Mendes. Segundo ele, a denúncia foi feita apenas com base em delações premiadas, que não são consideradas provas, apenas meio de obtenção de provas.
O ministro Toffoli recusou denúncia porque a peça foi baseada apenas em delações premiadas.
A PGR argumentava que os parlamentares teriam recebido vantagens ilícitas da construtora UTC e de Alberto Youssef para manter Paulo Roberto Costa na Petrobras e garantir contratos da empresa com a estatal.
Segundo Toffoli, porém, “os depoimentos do colaborador premiado sem outras provas idôneas de corroboração não se revestem de densidade suficiente para lastrear um juízo positivo de admissibilidade de acusação”.
Como não há provas do conhecimento da suposta origem ilícita dos valores, o ministro disse que não subsiste a imputação de corrupção passiva e, por arrastamento, a de lavagem de capitais.
Há o entendimento de que aos juízes, a partir da vigência da nova lei, em sua análise, não ficarão apenas restritos a aspectos formais da delação, como era antes.
Os juízes poderão fazer um exame mais profundo antes da homologação, analisando depoimentos dos colaboradores e provas antes de decidir sobre a validade do acordo. O novo artigo §7º-A, também visando afastar a condenação automática ou mesmo uma supressão das hipóteses de absolvição sumária do artigo 397, do Código de Processo Penal, inova ao estabelecer ao juiz o dever de “proceder à análise fundamentada do mérito da denúncia, do perdão judicial e das primeiras etapas de aplicação da pena, nos termos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) e do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), antes de conceder os benefícios pactuados, exceto quando o acordo prever o não oferecimento da denúncia na forma dos §§ 4º e 4º-A deste artigo ou já tiver sido proferida sentença”.
Somente poderá haver a rescisão do acordo de colaboração premiada pela prática de crime doloso, quando houver “pertinência delitiva”, ou seja, quando a conduta ilícita estiver relacionada ao objeto da colaboração.
Criou-se o §18, segundo o qual “O acordo de colaboração premiada pressupõe que o colaborador cesse o envolvimento em conduta ilícita relacionada ao objeto da colaboração, sob pena de rescisão”.
Na linha proposta por Felipe Maia Brueto e Valber Melo( A prática de novo crime, após a homologação de acordo de colaboração premiada, como hipótese de rescisão do pacto: os limites semânticos da expressão e a subjetividade da cláusula contratual), diz-se que a rescisão do acordo de colaboração premiada, calcada na “prática de novo crime”, deve ser interpretada como “prática de novo crime doloso, após a homologação do pacto premial, desde que tenha a mesma natureza dos fatos albergados no contrato de cooperação” e – o mais importante – somente após a devida formação da culpa, ou seja, após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, sob pena de a cláusula padecer de insuperável inconstitucionalidade.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no dia 29 de junho de 2017, que ilegalidades descobertas depois da homologação de um acordo de delação podem levar à sua rescisão. A regra estabelecida é que as cláusulas devem ser mantidas pelo Judiciário depois de homologadas, mas abriu essa exceção. Além disso, caso o delator descumpra os termos do acordo, também poderá perder seu benefício.
O relator do caso em julgamento é o ministro Edson Fachin. Seu voto inicial causou resistência pelo uso da palavra "vinculação", o que foi interpretado por alguns ministros como uma forma de tolher os poderes do plenário do STF, que não poderia mudar o estabelecido por um de seus integrantes. Isso porque o tribunal também decidiu que a homologação do acordo é uma tarefa apenas do relator do caso, e não do plenário.
Acordo homologado como regular, voluntário e legal gera vinculação condicionada ao cumprimento dos deveres assumidos pela colaboração, salvo ilegalidades supervenientes aptas a justificar anulação do negócio jurídico - propôs Fachin.
Alexandre de Moraes discordou dos termos: O controle dessa legalidade, regularidade e voluntariedade deve ser feito pelo relator na homologação. Ele vai homologar, mas isso não impede que, no momento do julgamento, o colegiado, seja turma, seja o plenário, analise os fatos supervenientes ou os fatos de conhecimento posterior - disse Moraes.
Assim, o ministro Luís Roberto Barroso perguntou qual seria a sugestão dele. O ministro Moraes propôs:
- Acordo homologado como voluntário, regular e legal deverá em regra produzir seus efeitos face ao cumprimento dos deveres assumidos na colaboração possibilitando ao colegiado a análise do parágrafo 4º do artigo 966. É uma referência ao artigo do Código de Processo Civil (CPC) que permite rescindir decisões quando verificadas algumas hipóteses de ilegalidades. Fachin concordou com a redação proposta por Moraes e a incorporou a seu voto. Depois, seguiram o mesmo entendimento os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Celso de Mello e Cármen Lúcia.
Observe-se o disposto no artigo 966, parágrafo quarto, do CPC:
Art. 966 A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando
§ 4º Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.
Trata-se de dispositivo oriundo do Código de Processo Civil de 1973, que falava da anulação de atos judiciais.
Utilizando-se a lição oriunda de Rogério Lauria Tucci, verbete na Enciclopédia Saraiva, Coqueijo Costa (Ação rescisória, quarta edição), ao interpretar o artigo 486 daquele diploma legal, disse:
“Eis ai a ação anulatória de ato judicial praticado no processo, pelas partes, nunca por órgão judicial, envolvendo declaração de vontade, homologado ou não, que é desconstituído por outra ação que não a rescisória”.
Na verdade o alvo dessas ações anulatórias não é a coisa julgada, como se vê na ação rescisória. Trata-se de ação constitutiva-negativa, que envolve conduta material contrária ao direito.
Estamos diante de atos judiciais, não sentenciais, ou quando esta for meramente homologatória como o caso das homologações de delação premiada, um ato jurídico praticado entre o Parquet e o delator, podem ser anulados, diga-se, não rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei material.
Disse, aliás, Pontes de Miranda (Tratado da ação rescisória) que os atos têm de ser das partes, não do juiz, a despeito do adjetivo “sentenciais”.
São vícios que levam à anulação: erro, dolo, coação, simulação, na reserva mental.
São conceitos próprios do direito civil que poderão ser utilizados para o caso.
A anulação desses acordos diante dos vícios apontados está sujeita a prazo decadencial em situações próprias de exercício de direitos potestativos.
Não é um direito que se extingue com a passagem do tempo, mas, sim, a aquisição do direito que se impede como decurso inútil do termo. Uma faculdade a cujo exercício se marcou de antemão um termo, que nasceu, originalmente, com uma limitação de tempo de modo que não pode se fazer valer.
Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:
I - no caso de coação, do dia em que ela cessar.
O prazo é o mesmo para as hipóteses de erro, dolo.
Já se utilizou a expressão revogação da delação premiada:
Processo HC 5304636 PR 0530463-6; Orgão Julgador: 3ª Câmara Criminal; Publicação DJ: 176; Julgamento: 28 de Maio de 2009; Relator: Edvino Bochnia; Ementa:
HABEAS CORPUS PREVENTIVO - ESTELIONATO - ART. 171, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL - REVOGAÇÃO DA DELAÇÃO PREMIADA - IMPRESTABILIDADE DAS INFORMAÇÕES QUE NÃO FORAM CONFIRMADAS PELAS DILIGÊNCIAS POLICIAIS - DELATOR QUE, APÓS FIRMAR O ACORDO, VOLTOU A SE ENVOLVER EM OUTROS CRIMES - IRRELEVÂNCIA DAS CONDIÇÕES PESSOAIS PARA RESPONDER AO PROCESSO EM LIBERDADE - CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO - ORDEM DENEGADA.
Com a decisão, o STF deixou claro que o acordo poderá ser revisto caso o delator não cumpra o que foi acertado com o Ministério Público, deixando de revelar fatos importantes ou se ficar comprovado que ele faltou com a verdade.
"Não seria nem necessário dizer isso. Isso é o óbvio. Se surge um fato novo ou se chega ao conhecimento do sistema judiciário um fato já ocorrido que torna ilegal o acordo, é óbvio que pode ser revisto o acordo. Ninguém aqui quer agasalhar ilegalidade.", disse o ex- procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Cita-se o exemplo dado pelo ministro Alexandre de Moraes: se é descoberto que houve tortura, coação de uma pessoa para delatar, ou colusão entre Ministério Público e defesa para a feitura do acordo, esse acordo tem que ser anulado.
Na prática, abriu-se uma vereda para eventual revisão na hora da decisão final, de mérito, no Supremo Tribunal Federal, em nome da confiança do Estado e da segurança jurídica.
O julgamento traz segurança jurídica nas relações instituídas.
A segurança jurídica prepondera, de forma que o princípio da legalidade assume a forma da exigência da reserva absoluta de lei formal.
O princípio da segurança jurídica não está elencado como princípio penal, contudo, sua aparição e garantia consta presente na Constituição de 1988, de forma implícita.
A segurança jurídica é um princípio que o Estado tem que garantir ao seu cidadão, tendo em vista a necessidade de demonstrar que, apesar de ter ele, o Estado, um poder maior, garantido na mesma Carta Magna, existe uma dosagem e um controle da utilização deste poder.
Aqui se fala em densificação, concretização (construção da norma), destinada a densificá-la.
Dir-se-ia que é feita pelo Supremo Tribunal Federal, na sua atividade de maior guardião da Constituição, uma densificação da norma dentro do que a doutrina chama de atividade de concretização.
É certo que se poderia falar numa atividade de densificação da norma, que, na lição de J.J.Gomes Canotilho (Direito Constitucional, 4º edição, pág. 1165), significa preencher, complementar e precisar o espaço normativo de um preceito especialmente carecido de concretização, a fim de tornar possível a solução, por esse preceito, dos problemas concretos.
A isso chega-se, a bem da lógica da razoabilidade, no que se concentrou sobre a matéria. Além disso, há de se considerar o postulado da segurança jurídica na prática desses julgados diante de decisões interativas.