Capa da publicação Policial réu uniformizado no plenário do júri: uma garantia da ampla defesa
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O uso da farda ou uniforme pelo policial réu no plenário do júri e pelos policiais que assistem ao júri

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03/02/2020 às 12:55
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Cabe à defesa decidir qual roupa o réu usará em plenário. É possível, inclusive, a utilização da farda/uniforme, ainda que o crime tenha sido praticado em contexto em que o policial não estivesse de serviço, ou que não haja autorização institucional para tanto.

O uso de roupas pelo réu no plenário do júri é um tema de suma importância, na medida em que a imagem do réu pode colaborar para o julgamento dos jurados.

O Superior Tribunal de Justiça1 já decidiu que o réu preso possui o direito de usar roupas próprias no plenário do júri.

Com efeito, a plenitude de defesa é assegurada no tribunal do júri (art. 5º, XXXVIII, “a”, da CF), o que significa que a defesa pode se utilizar de argumentos que vão além do direito - argumentos não jurídicos - como fundamentos religiosos, emocionais, morais, filosóficos, políticos, inclusive argumentos que possam influenciar os jurados sob o ponto de vista da imagem, da estética, o que inclui o direito da própria defesa decidir como o réu vai se trajar no dia do julgamento em plenário.

A imagem do réu é tão importante para o julgamento em plenário que o art. 474, § 3º, do Código de Processo Penal dispõe que “Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.”

Caso as algemas sejam utilizadas sem fundamentos concretos que justificassem o uso em plenário, o julgamento será nulo2, pois pode-se passar a impressão e imagem para os jurados de que o réu é perigoso, o que influenciará o julgamento de forma prejudicial para a defesa.

Nesse sentido, a utilização de roupas de presos pelo réu em plenário pode caracterizar ofensa à defesa, em razão das impressões que serão criadas no íntimo dos jurados que, simplesmente, votam se o acusado deve ser condenado ou inocentado.

Isso porque os trajes utilizados por presos demonstra a imagem de ser uma pessoa violenta, que está presa porque não pode conviver em sociedade e se votarem pela absolvição, podem interpretar que quem não pode conviver em sociedade será posto em liberdade e voltará para o convívio social, para as ruas, inclusive, que o réu estará livre na sociedade em que os próprios jurados vivem. É inegável que o uso de vestimentas próprias de presos gera uma imagem negativa dos réus e deixa a defesa em desvantagem.

As Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos (Regras de Nelson de Mandela) dispõe no tópico que trata do vestuário de presos (item 19.3) que “Em circunstâncias excecionais, sempre que um recluso obtenha licença para sair do estabelecimento, deve ser autorizado a vestir as suas próprias roupas ou roupas que não chamem a atenção.”

A plenitude de defesa já permitiu, inclusive, que réus utilizassem em plenário cartas psicografadas que, certamente, contribuíram para as absolvições, possibilidade esta que é questionável, por não permitir o exercício do contraditório pela acusação.3

Nota-se que a plenitude de defesa é mais ampla do que a “ampla defesa”, que se limita a todo e qualquer argumento jurídico e técnico, sem prejuízo, obviamente, do direito se socorrer a outras ciências quando for necessário para a elucidação da defesa, como o pedido para a realização de uma perícia contábil ou médica.

Não existe plenitude de acusação, devendo o Ministério Público se limitar às provas constantes nos autos, enquanto que a defesa pode mencionar em plenário elementos que não estejam nos autos, como a hipótese em que realiza defesa com argumentos não jurídicos ao invocar uma religião. Caso a defesa mencione fatos jurídicos que não estejam nos autos, caberá ao Ministério Público realizar aparte ou no momento de sua fala explicar para os jurados que as alegações da defesa não estão nos autos.

Feitas essas considerações, dois pontos devem ser analisados. O primeiro consiste no uso da farda/uniforme pelo réu policial no plenário do júri. O segundo trata da possibilidade de policiais fardados/uniformizados assistirem ao júri.

Imagine a hipótese em que um policial militar ou civil pratique, em serviço, o crime de homicídio e seja submetido a julgamento perante o tribunal do júri. No dia do julgamento poderá comparecer em plenário usando a farda, se militar, ou o uniforme, se civil?

A resposta é afirmativa. Vige no tribunal do júri a plenitude de defesa, o que extrapola o debate meramente jurídico, podendo a defesa utilizar qualquer argumento na tentativa de conseguir a absolvição do réu. Nesse contexto, a plenitude de defesa abarca a estética do réu, a imagem visual que os jurados terão do acusado no dia do julgamento, por isso é direito do réu não estar trajado com roupas que simbolizem a prisão.

Não cabe ao juiz, ou ao Ministério Público, proibir ou limitar determinados trajes pelo réu no plenário do júri, a não ser que sejam desrespeitosos e fujam da razoabilidade, o que deve ser avaliado caso a caso.

A Instrução Conjunta de Corregedorias n. 01 da PMMG/CBMMG disciplina o uso da farda pelos policiais militares em audiências e proíbe a utilização de farda quando o policial militar estiver na condição de réu e tiver que se apresentar à Justiça, devendo, portanto, comparecer em trajes civis (art. 46, III).

A previsão é salutar e visa preservar a imagem institucional. Ocorre que em se tratando do tribunal do júri, em razão da plenitude de defesa, que é um direito fundamental (art. 5º, XXXVIII, “a”, da CF), o que abrange, inclusive, a imagem do réu, a instituição a que o policial pertence não pode vedar a utilização da farda/uniforme em plenário, razão pela qual o policial não pode sofrer nenhuma consequência disciplinar em caso de utilização de farda/uniforme no tribunal do júri na condição de réu.

Quanto à possível confusão e influência no julgamento pelos jurados, no sentido de estarem julgando “Fulano” ou o “Policial Fulano”, de fato, pode haver uma confusão no íntimo dos jurados e estes acreditarem que estão julgando uma instituição, o que favorecerá a defesa e causará um desequilíbrio no júri, todavia cabe ao Ministério Público explicar para os jurados para que saibam distinguir.

Às vezes, o uso da farda em plenário poderá ser uma boa estratégia da defesa, com a hipótese em que um policial tenha praticado o crime de homicídio durante o serviço e haja dúvida sobre a atuação em legítima defesa. Às vezes a estratégia poderá prejudicar a defesa, como a hipótese em que um policial tenha praticado homicídio fora de serviço, por uma briga particular. O uso da farda, neste segundo exemplo, poderá servir como argumento para o Ministério Público demonstrar em plenário que o réu como policial é um perigo para a sociedade e que não merece usar a farda/uniforme que está vestindo.

Cabe à própria defesa decidir qual roupa o réu usará em plenário, sendo possível, inclusive, a utilização da farda/uniforme, ainda que não haja autorização institucional e o crime tenha sido praticado em um contexto que o policial não estivesse de serviço.

Condicionar o uso da farda/uniforme em plenário à autorização institucional, além de não ter previsão legal e contrariar a plenitude de defesa, pode gerar um certo subjetivismo, além de transferir à Corporação a qual o policial pertence importante decisão que deve fazer parte da estratégia defensiva. Anote-se, ainda, a ausência de critérios seguros para transferir essa autorização para a instituição, pois poderá haver casos em que a instituição não autorizaria o uso da farda/uniforme pelo fato de o policial não estar amparado em nenhuma excludente de ilicitude, mas que, ao ser julgado, termina se comprovando o contrário; ou, por ter atuado em horário de folga, mas que, ao ser julgado, a defesa sustenta que o policial possuía treinamento e porte de arma em razão de sua função e que, naquele caso, a história profissional do policial foi determinante para que atuasse daquela forma. Enfim, há uma série de fatores que compete à defesa analisar e decidir pelo uso ou não da farda/uniforme.

Em sentido contrário, o Promotor de Justiça André Luiz Bogado Cunha, em artigo intitulado “Réu PM pode comparecer fardado a seu julgamento no plenário do Tribunal do Júri?”, em apertada síntese, argumenta que não é possível o comparecimento fardado do policial no plenário do júri por violar a paridade de armas e a isonomia; por poder causar uma confusão nos jurados de que estes estão a julgar a instituição; pelo fato de os jurados se depararem com o policial réu fardado ao lado de outros policiais responsáveis pela segurança dos trabalhos, o que pode causar uma certa confusão; por gerar uma situação de desequilíbrio e por incutir nos jurados a sensação de que a pessoa que está em julgamento agiu para defender a sociedade. Cita ainda o autor que em São Paulo a própria Corporação proíbe a utilização de fardas quando os policiais comparecem na Justiça Comum na condição de réu, visando a preservação da imagem da Corporação.4

Não há violação à paridade de armas e à isonomia, pois estas são observadas quando há o cumprimento da Constituição Federal e das leis e a plenitude de defesa é um direito fundamental (art. 5º, XXXVIII, “a”, da CF).

A paridade de armas é assegurada sempre que se oportuniza às partes (Defesa e Ministério Público) o exercício do contraditório; a igualdade de tratamento processual; a concessão de prazos iguais para se manifestarem, salvo alguma peculiaridade do caso concreto; a possibilidade de ambas as partes recorrerem no decorrer do processo; a exigência de uma defesa técnica - formal e material - durante o processo penal; a possibilidade de investigação defensiva, dentre outros.

Nos trabalhos em plenário no júri, de fato, a defesa pode se utilizar de mais argumentos do que o Ministério Público, em observância à plenitude de defesa, pois a pronúncia limita somente acusação, nos termos do art. 476 do Código de Processo Penal, que delimita a acusação, nos limites da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. Isto é, não existe plenitude de acusação, somente de defesa.

Ademais, o direito processual penal possui princípios e instrumentos jurídicos aplicáveis exclusivamente à defesa, com o fim de equilibrar a relação processual.

Nesse sentido, Renato Brasileiro de Lima5 ensina que:

Sob a ótica formal, o princípio da igualdade preconiza que todos são iguais perante a lei, que não pode estabelecer distinções ou discriminações entre sujeitos iguais. No entanto, a realidade demonstra, de maneira inconteste, que esta igualdade não existe, notadamente em sede processual penal. Afinal, de um lado geralmente está o Ministério Público, titular da ação penal pública, com todo seu poder e aparato oficial, sendo auxiliado por outro órgão estatal - Polícia Judiciária -, que municia o dominus litis com os elementos de informação necessários ao oferecimento da denúncia. Do outro lado coloca-se o acusado, invariavelmente num plano de inferioridade, até mesmo por conta do caráter seletivo do direito penal. Por isso, não basta uma mera igualdade formal. Há de ser buscada uma igualdade substancial por meio da criação de mecanismos processuais capazes de reequilibrar tamanha desigualdade, permitindo que o acusado possa desenvolver sua defesa em paridade substancial de armas com a acusação.

Esses mecanismos, que compõem um conjunto de privilégios processuais estabelecidos em favor do acusado, dando ensejo ao denominado favor rei ou favor libertatis, justificam-se exatamente pela situação inicial de desigualdade que coloca o acusado em posição inferior àquela ocupada pela acusação. Portanto, são plenamente constitucionais à luz do princípio da isonomia porque objetivam conferir tratamento desigual aos desiguais para que se atinja a verdadeira igualdade. São diversos os exemplos de mecanismos postos à disposição exclusiva da defesa na busca de equilibrar os pratos da balança com a acusação: recursos privativos da defesa, como os embargos infringentes; regra de interpretação da prova do in dubio pro reo; absolvição por falta de provas; proibição da reformatio in pejus; revisão criminal exclusivamente pro reo, etc.

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Cita-se ainda, em razão do princípio do favor rei, prevalecer que o tribunal pode, em sede de recurso do Ministério Público que visa agravar a pena do acusado, melhorar a situação do réu.

O fato de o réu estar fardado/uniformizado em plenário não ofende a paridade de armas, pois não possui nenhum caráter processual ou viola a Constituição ou a lei, pelo contrário, somente reforça a plenitude de defesa. O uso da farda/uniforme em plenário relaciona-se com o próprio mérito do julgamento e caberá à defesa e ao Ministério Público utilizarem essa condição para argumentarem em prol ou contra o réu. Enquanto a defesa tentará demonstrar para os jurados que o policial é um “herói” e o contraponto da violência e do crime, o Ministério Público poderá tentar demonstrar que um policial que mata, sem ser em legítima defesa, é um perigo para a sociedade, pois pode usar da farda/uniforme e do armamento para matar inocentes e que eventual absolvição passaria uma mensagem para a sociedade de que policiais estão autorizados a matar.

O uso da farda/uniforme não necessariamente compromete a acusação. Às vezes poderá ser prejudicial para a defesa, mas cabe à defesa analisar o caso concreto e decidir se o policial utilizará as vestimentas de sua atividade profissional.

Destaca-se ainda que a acusação poderá, em plenário, fazer a leitura dos antecedentes criminais do réu, conforme Jurisprudência em Tese do STJ (Edição n. 48, item 4)6, com o fim de demonstrar para os jurados que o acusado possui registro por outros crimes e que, em liberdade, é um perigo para a sociedade, o que pode influenciar os jurados no julgamento ao decidirem, no íntimo de cada jurado, que o réu deve ser condenado pelo histórico de vida e não pelo crime de homicídio que está em julgamento.

Nota-se, portanto, que o histórico de vida do réu, ainda que lhe seja prejudicial, pode ser utilizado em plenário, não havendo razões para impedir o uso da farda/uniforme pelo policial, por constituir uma característica marcante da história de sua vida.

Certo é que os jurados julgam fatos, mas nada impede que a defesa e o Ministério Público explorem em plenário a história de vida do réu, inclusive com perguntas para as testemunhas sobre o comportamento social do acusado, o que é objeto de pergunta pelo juiz ao realizar o interrogatório (art. 187 do CPP).

O fato dos jurados se depararem com o réu fardado ao lado de outros policiais não compromete a regularidade dos trabalhos e a necessária imparcialidade dos jurados, pois é suficiente que o juiz ou o próprio Ministério Público explique aos jurados a condição do policial acusado.

No júri, geralmente, a condição de policial é favorável ao acusado, pois, nas palavras de Roberto Tardelli, “É muito difícil condenar o herói. A população é bombardeada por uma avalanche de notícias de violência. Quem é o contraponto da violência praticada por pessoas na rua? A polícia. E se é a polícia que vai dar essa resposta, o policial que matou terá sempre a vantagem de sair ganhando de dois a zero num júri”.

No tocante à possibilidade de policiais fardados/uniformizados assistirem ao júri, o tema é controverso.

A influência externa a ponto de comprometer o julgamento pelos jurados deve ser séria, fundada e se basear em elementos concretos, seja a influência exercida de forma favorável ou desfavorável ao réu.

A plenitude de defesa não permite que haja elementos externos que influenciem o jurado, pois a plenitude de defesa se refere à atuação defensiva dentro do processo e não fora do processo, mediante interferência de terceiros, tanto é que a dúvida sobre a imparcialidade dos jurados é causa que justifica o desaforamento (art. 427 do CPP).

A primeira corrente sustenta que a presença de um alto número de policiais fardados/uniformizados na plateia do tribunal do júri pode influenciar os jurados, o que é causa de nulidade, por comprometer a necessária imparcialidade do júri (arts. 427, 472 e 593, III, “a”, todos do CPP), uma vez que terão sido influenciados externamente pelo público presente, o que retira a livre e íntima manifestação de vontade do jurado ao votar pela condenação ou absolvição do réu. Basta ver que, em que pese o sigilo do voto, por serem pessoas simples e da sociedade local, podem se sentir receosas.

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a presença de familiares vestindo camisetas com a foto da vítima, assim como o funcionamento de trio elétrico na área externa do fórum local durante a realização de audiência destinada à instrução criminal justificam, pela forma concreta de indiscutível e inaceitável pressão, o desaforamento do feito.7

Nota-se que, no caso narrado, houve, além da presença de familiares trajando camisetas com a foto da vítima, o funcionamento de um trio elétrico na área externa do fórum, o que justificou a transferência do julgamento para outra Comarca.

Em outro caso, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que foto estampada em duas ou mais camisas, por si sós, não tem o condão de alterar o estado de ânimo dos jurados sobre o caso, pois os jurados estavam sujeitos a outros dados apresentados pela defesa e pela acusação, inclusive, tiveram acesso ao acervo de fotografias do laudo de exame necroscópico, além do réu ter confessado em plenário ter sido o autor dos disparos, de forma que os jurados não precisavam de nenhum elemento externo para firmar a convicção sobre o julgamento.8

O Tribunal de Justiça de São Paulo anulou um julgamento (Caso Highlander) pelo fato de pessoas terem comparecido ao plenário trajando camisas de apoio à vítima, que dizia “deficiente mental é assassinado por PMs da Força Tática”, ocasião em que o juiz determinou que os presentes retirassem a camisa de apoio. Todavia, o Ministério Público exibiu a camisa durante os debates em plenário, o que fundamentou a nulidade do júri.9

Não é possível definir, abstratamente, quando haverá influência sobre os jurados a ponto de comprometer o julgamento, devendo cada caso ser devidamente analisado, inclusive, diante das alegações da defesa e do Ministério Público.

Fato é que a presença maciça de policiais fardados/uniformizados durante os trabalhos no júri pode influenciar os jurados, pois o uso da farda/uniforme representa o Estado, a força da lei, e não, simplesmente, uma roupa qualquer com mensagens de apoio para o acusado ou vítima, o que pode incutir nos jurados a falsa sensação de que devem julgar de acordo com a vontade da plateia.

Caso haja poucos policiais fardados/uniformizados presentes, a análise é diversa, pois um número baixo de policiais é insuficiente para causar nos jurados qualquer sensação de medo ou de obrigatoriedade em votar em determinado sentido.

A segunda corrente preconiza que a presença de um alto número de policiais fardados/uniformizados na plateia do tribunal do júri não é motivo, por si só, suficiente para anular um júri, na medida em que deve haver algum fato concreto e comprovado que seja apto a influenciar os jurados e pelo fato do voto ser sigiloso, não há motivo para que os jurados tenham receio em votar em sentido diverso daquele que os presentes na plateia desejam.

Além do mais, a circunstância dos policiais trajarem roupas próprias das atividades funcionais decorre da liberdade de expressão (art. 5º, IX, da CF) e impedir o uso de farda/uniforme pelos policiais caracteriza censura, além de ser uma forma de se manifestarem silenciosamente, sendo vedada qualquer manifestação ativa, barulhenta ou que cause tumultos para o desenrolar dos trabalhos, na forma do art. 795 do Código de Processo Penal10.

Não é incomum que familiares e amigos da vítima compareçam ao plenário do júri com camisas e faixas de apoio à vítima.

Nesse sentido, os tribunais de justiça têm decidido que não se mostra capaz de influenciar a íntima convicção dos jurados o simples fato de familiares vestirem camisetas com a foto da vítima em plenário, tratando-se tal fato de manifestação amparada pelo princípio da liberdade de expressão11; que o simples fato de as pessoas em Plenário estarem vestindo camisetas com a foto da vítima não se mostra capaz de influenciar os jurados a ponto de decidirem contrariamente à sua íntima convicção.

Além do mais, a liberdade de manifestação é prevista no texto constitucional, não havendo vedação na Lei para tal procedimento12; que o simples fato de as pessoas em Plenário estarem vestindo camisetas com a foto da vítima não se mostra capaz de influenciar os jurados a ponto de decidirem contrariamente à sua íntima convicção, mormente, no caso concreto em que o juiz-presidente, buscando tomar todas as cautelas necessárias com vistas a garantir um julgamento imparcial, explicou aos jurados que nenhuma influência externa deverá ser levada em consideração para efeito de julgamento, devendo os Juízes do fato se aterem ao que ocorresse durante a instrução e debates, desconsiderando quaisquer manifestações de ordem emocional13, sobretudo porque inexiste vedação legal ao uso de camisetas com a imagem da vítima e faixas pela plateia. Tudo isso, atrelado à ausência de tumulto, não influencia os jurados14.

Cabe ao juiz que preside o Tribunal do Júri esclarecer para os jurados que deverão desconsiderar qualquer influência externa, que o voto é absolutamente sigiloso e não tem como ninguém ficar sabendo, a não ser que o próprio jurado conte, bem como observar, ao julgar, os trabalhos em plenário realizado pelo Ministério Público e pela defesa.

Assim como familiares utilizam roupas com imagens de apoio às vítimas, nada impede que policiais compareçam fardados/uniformizados, como uma forma de demonstrar, silenciosamente, apoio à vítima ou acusado.

Não é possível afirmar, abstratamente, ou estipular critérios para autorizar ou proibir a presença de policiais fardados/uniformizados no plenário do Tribunal do Júri, devendo o juiz analisar caso a caso e se os jurados estão de alguma forma influenciados, por qualquer motivo, a decidir pelo “sim” ou pelo “não” ao votarem os quesitos que resultarão na condenação ou absolvição do réu.

Dessa forma, é possível extrair as seguintes conclusões:

a) O policial que for réu poderá comparecer no dia de seu julgamento, no plenário do Tribunal do Júri, fardado/uniformizado, ainda que o crime não tenha sido praticado em razão da função, em observância à plenitude de defesa;

b) A decisão acerca da utilização de farda/uniforme pelo policial no júri deve caber, exclusivamente, à defesa, ainda que o Comando da Instituição não autorize, pois deve prevalecer a plenitude de defesa, que é um direito fundamental, e não eventuais normas administrativas, ainda que se fundamente na preservação da imagem da Corporação, o que apesar de salutar, não deve prevalecer sobre um direito fundamental e não possui amparo constitucional;

c) A instituição policial não poderá punir o policial que compareça fardado/uniformizado no plenário do Tribunal do Júri, ainda que norma administrativa disponha de forma diversa, pois a plenitude de defesa autoriza o uso da farda/uniforme e deve ser feita uma interpretação sistemática das normas;

d) É possível que policiais compareçam ao plenário do júri fardados/uniformizados somente para assistir; todavia, tal direito não é irrestrito, devendo o juiz que preside o Tribunal do Júri analisar se há qualquer influência na votação dos jurados, de forma que comprometa a total independência que os jurados possuem para votar.

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Sobre o autor
Rodrigo Foureaux

Juiz de Direito - TJGO. Mestre em Direito. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz do TJAL. É Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Bacharel em Direito e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social. Especialista em Direito Público. Autor do livro "Justiça Militar: Aspectos Gerais e Controversos".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FOUREAUX, Rodrigo. O uso da farda ou uniforme pelo policial réu no plenário do júri e pelos policiais que assistem ao júri. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6060, 3 fev. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79346. Acesso em: 21 nov. 2024.

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