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Da reforma processual civil na execução

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3. DAS EXECUÇÕES DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER

            A obrigação de fazer é a que tem como fim a realização de um ato do devedor. De outra banda, a obrigação de não fazer requer o dever de inércia do obrigado, ou seja, que este não pratique determinado ato.

            Como se pode perceber, a execução específica nessas modalidades de obrigações é mais complicada, sendo que os meios executivos, muitas vezes, são incapazes de levar ao resultado que se chegaria caso a obrigação tivesse sido cumprida voluntariamente. Daí porque o Direito Romano preconizava que o inadimplemento das obrigações de fazer e não fazer resolver-se-ia sempre em indenização.

            Tendo em vista essa dificuldade em obter-se a execução específica nas obrigações de fazer e não fazer, estabeleceu-se, então, a distinção entre as obrigações só exeqüíveis pelo devedor e aquelas que, em tese, podem ser cumpridas por terceiros.

            As obrigações em que o fato pode ser prestado por terceiro, se o credor assim optar, até porque não é obrigado a aceitar, são as fungíveis. Por outro lado, há certas obrigações – infungíveis – que jamais poderão ser prestadas por terceiro, em virtude de sua própria natureza pessoal.

            Assim, pode-se afirmar que, em termos gerais, pintar o muro de uma casa é uma obrigação fungível, pois se o devedor recusa-se a fazê-lo, outro pintor poderá ser contratado para, às expensas do devedor, realizar a obrigação. Ao contrário disso, a confecção de uma obra de arte por artista renomado não poderá ser efetuada por outra pessoa que não esse mesmo artista, por tratar-se de uma obrigação infungível.

            O Código de Processo Civil regula o procedimento a ser adotado no caso de prestação de fato por terceiro, contudo, na prática, esse procedimento não tem sido muito utilizado, uma vez que o referido procedimento acaba sendo muito oneroso para o próprio credor que terá que adiantar as despesas para cumprir a prestação.

            Em todas essas hipóteses, em que se torna impossível ou até mesmo inviável a execução específica da prestação, ter-se-á conversão em perdas e danos, levando-se à inevitável substituição da execução das obrigações de fazer ou não fazer pela execução por quantia certa.

            As execuções das obrigações de fazer e não fazer podem ser propostas tanto com base em título judicial como extrajudicial.

            Assim, merece destaque a seguinte observação feita por CÂMARA,

            "Tratando-se de execução fundada em título judicial, será ela mero prolongamento do mesmo processo em que a condenação foi proferida. Sendo fundada em título extrajudicial, ter-se-á um processo de execução, e o procedimento será dividido (como soem ser os procedimentos executivos) em três fases: postulatória, instrutória e satisfativa. Trata-se, porém, de procedimento extremamente complexo, o que se deve à própria natureza da prestação devida, e sendo certo que ninguém pode ser coagido a prestar um fato." [10]

            Nas execuções com base em título executivo judicial, a partir do momento em que a sentença transitar em julgado, o juiz mandará intimar o executado para cumprir a prestação dentro do prazo estabelecido, sob pena da incidência de multa pelo atraso no cumprimento da obrigação. Trata-se da multa astreinte, que será melhor explanada no próximo tópico.

            3.1 MULTAS ASTREINTES

            Tendo em vista a impossibilidade de se constranger o devedor a prestar um fato, o Código de Processo Civil prevê, como meio de fazer atuar a vontade do direito nas obrigações de fazer e não fazer, a utilização de meios de coerção aptos a exercer pressão psicológica que incidirá sobre o executado, como forma de conseguir o cumprimento da prestação.

            Um desses meios de coerção, de incidência específica nas obrigações de fazer e não fazer, chama-se multa astreinte, que pode ser definida com uma multa periódica pelo atraso no cumprimento da obrigação.

            Com efeito, buscando dar ao processo civil maior efetividade, tendo em vista o fato de que a execução tem caráter estritamente patrimonial, não há como empregar a coerção pessoal, recorrendo-se, então, ao meio de coerção possível de provocar pressão psicológica sobre o devedor, que é a multa astreinte.

            Corroborando esse entendimento, DINAMARCO diz,

            "Essas medidas todas, dispostas abstratamente, visam a agravar a pressão psicológica incidente sobre a vontade do sujeito, mostrando-lhe o dilema entre cumprir voluntariamente o comando contido no direito e sofrer os males que elas representam.

            A boa compreensão do objetivo com que instituídas as astreintes no direito brasileiro leva a excluir o absurdo de considerá-las substitutivas da própria obrigação, considerando-se extinta esta quando pagas aquelas, ou ditando-se a inadmissível extinção do processo executivo nesse caso."

[11]

            A multa é uma forma de coação patrimonial do executado, que se sentirá desestimulado a descumprir a obrigação. A execução tanto pode estar fundada em título judicial como em extrajudicial.

            Constata-se, pois, que as astreintes punem as violações a deveres no intuito de conduzir ao cumprimento de outras normas. O objetivo das astreintes não é o de obrigar o devedor ao pagamento da multa, mas sim cumprir a obrigação específica.

            Essas multas possuem natureza inibitória, não se prestando a fixar perdas e danos, uma vez que têm por fim compelir o devedor a realizar a obrigação de fazer e não fazer, seja ela fungível ou não.

            Pode-se afirmar, também, que as astreintes não têm propriamente caráter executório, pois não há nelas a presença da sub-rogação do Estado.

            As astreintes deverão ser arbitradas na própria sentença condenatória e sua fixação independe de requerimento do interessado, cabendo ao juiz fixá-la de ofício.

            Nada obstante o arbitramento da astreinte na sentença, não há óbice para que esta seja modificada no curso da execução, seja porque se tornou excessiva, seja porque se mostrou insuficiente, podendo o juiz reduzi-la ou aumentá-la quando entender necessário.

            As astreintes não guardam relação com o valor da obrigação principal. Todavia, cabe ao magistrado verificar se a multa não se tornou demasiadamente elevada, tendo em vista que esta será revertida em favor do credor. Em outras palavras, as astreintes não podem ser fonte de enriquecimento sem causa para o exeqüente.

            É notória a possibilidade de fixação das multas astreintes nas obrigações de fazer e não fazer, contudo, existe também essa possibilidade nas obrigações de entrega de coisa, surgida a partir da vigência da Lei nº 10.444/2002, ao passo que tornou insubsistente a Súmula 500 do Supremo Tribunal Federal que enunciava a impossibilidade de compelir o devedor da obrigação de dar a cumprir a prestação.

            No entanto, quanto às obrigações de pagar quantia, a restrição permanece. Nesse sentido, é interessante trazer a seguinte observação:

            "Com efeito, se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa (CPC, art. 287), poderá ser fixada a multa cominatória pelo juízo, de ofício ou a requerimento. Não se vê, dentre as providências requeridas, o pagamento de soma em dinheiro, não sendo possível, portanto, fixar astreintes para forçar tal adimplemento.

            Seria, aliás, meio ilógico condenar o réu ao pagamento de uma multa pecuniária para que se convença a pagar quantia certa. Nesse caso, a decisão que assim determinasse somente estaria majorando o valor da dívida. Para cobrir o prejuízo decorrente do atraso no pagamento, já existem a multa e os juros moratórios." [12]

            A fixação das astreintes deve atender aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, para que não se tornem nem muito excessivas, nem muito irrisórias, bem como, que induzam aquele devedor em particular a cumprir voluntariamente a obrigação.

            Desde a promulgação da Lei nº 8.953/94, observa-se que as astreintes podem ser estabelecidas, também, nas execuções que têm por base título executivo extrajudicial. Nesses casos, sendo o título omisso, o juiz fixará a multa e a data a partir da qual ela é devida, podendo, inclusive, reduzir o valor se considerá-lo excessivo, porém não poderá elevá-lo.

            Segundo CÂMARA, a doutrina assim tem se pronunciado sobre o tema:

            "Utiliza-se, aqui, sistema bastante semelhante ao estabelecido pelo CPC para as astreintes na execução fundada em título judicial. Em princípio, a fixação da multa se dá no próprio título executivo, hipótese em que será lícito ao juiz reduzir o valor da mesma. Note-se que a lei processual permite ao juiz da execução reduzir a multa excessiva, mas não o autoriza a aumentar a multa que considere insuficiente. Nesta hipótese, deverá ser respeitado o valor estabelecido extrajudicialmente pelas partes, que consideraram que aquele valor seria capaz de exercer sobre o espírito do devedor a pressão psicológica necessária a obter o cumprimento da obrigação devida. Em suma, na execução fundada em título extrajudicial, multas excessivas podem ser reduzidas, mas multas insuficientes terão seu valor mantido." [13]

            Sendo cumprida a obrigação com atraso, ainda assim será devida a multa que tenha incidido até então, mesmo que a obrigação específica venha a ser substituída por uma obrigação genérica, com conversão em perdas e danos.

            Por fim, é imperativo destacar que o principal objetivo das astreintes é desestimular o devedor ao não cumprimento da obrigação, possuindo nítida índole de responsabilidade decorrente de um inadimplemento eventual.

            3.2 NOVA SISTEMÁTICA PARA CUMPRIMENTO DA SENTENÇA

            Antes da primeira etapa da reforma processual, as obrigações de fazer e não fazer que não fossem cumpridas voluntariamente eram, constantemente, convertidas em indenização, tendo em vista que o Estado-juiz não dispunha de meios processuais para compelir o devedor a cumprir o comando específico da sentença.

            Com a evolução do processo, verificou-se que a conversão das obrigações de fazer e não fazer em perdas e danos, na verdade, frustrava a pretensão do credor, devendo, desta forma, ser encarada não como uma regra, mas sim como exceção.

            De início, a Lei nº 8.952/94 armou o juiz de poderes capazes de proporcionar a satisfação específica e efetiva do direito do autor, introduzindo, no artigo 461 do Código de Processo Civil, uma série de medidas destinadas a garantir o cumprimento das obrigações de fazer e não fazer na forma devida, conforme se observa o teor do artigo 461 do Código de Processo Civil,

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            "Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

            § 1º A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

            § 2º A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).

            § 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

            § 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

            § 5º Para a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.

            § 6º O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva."

            A tutela específica, como já foi dito, confere ao credor exatamente aquilo que ele obteria caso a obrigação fosse cumprida espontaneamente pelo devedor. Por outro lado, quando o artigo 461 do Código de Processo Civil menciona o resultado prático equivalente, o faz em referência à tutela equivalente, que só poderia ser admitida quando a tutela específica tiver se tornado impossível ou inviável.

            Assim, o artigo 461 do Código de Processo Civil privilegia a concessão da tutela específica da obrigação, só permitindo a adoção da tutela equivalente em situações excepcionais. Ressalte-se, por oportuno, que essas regras são igualmente empregadas nas execuções das obrigações de entrega de coisa.

            Com a promulgação da Lei nº 10.444/2002, a execução autônoma das obrigações de fazer e não fazer ficou restrita aos títulos extrajudiciais. A referida lei instituiu também a tutela específica das obrigações de entrega de coisa, sujeitando-as aos mesmos institutos processuais empregados nas obrigações de fazer e não fazer.

            A sentença proferida nessas ações terá, ao mesmo tempo, efeito mandamental e executivo. Considere-se a hipótese de determinada indústria que despeja seu lixo em certo rio, poluindo-o e, conseqüentemente, impossibilitando o consumo daquela água pela população. O juiz irá decretar que essa indústria adquira meios de despejar o seu lixo em outro local, que seja apropriado, sob pena de multa diária. Caso não seja obedecida essa determinação judicial mesmo com a incidência da multa, sucessivamente, poderá ser ordenado o fechamento daquele estabelecimento. Trata-se do binômio condenação-execução.

            Por meio do artigo 461 do Código de Processo Civil, o juiz terá a seu dispor vária medidas em prol da tutela específica e, quando for o caso, da tutela equivalente também. Essas medidas estão previstas no § 5º do aludido artigo, podendo ser determinadas pelo juiz de ofício ou a requerimento do autor, exercendo, sobre a vontade do obrigado, pressão psicológica no sentido de que cumpra a obrigação específica.

            Todavia, além dessas medidas dispostas no § 5º do artigo 461 do Código de Processo Civil, outras medidas podem ser decretadas visando efetivar a prestação da tutela jurisdicional pelo julgador.

            Excursionando acerca da matéria,

            "O juiz prescinde da vontade do devedor e promove a execução da prestação por outros meios. O § 5º do artigo 461 autoriza o juiz a determinar a busca e apreensão da coisa, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras, o impedimento de atividade nociva, bem como quaisquer outras medidas necessárias à efetivação da tutela específica ou à obtenção de resultado prático equivalente.

            Conforme já assinalei, a realização prática do direito do credor à pretensão constante do título justifica o uso de qualquer meio executório, ainda que não previsto expressamente em lei, para assegurar a efetiva tutela jurisdicional do direito do credor. A variabilidade e a atipicidade dos meios sub-rogatórios não violam o princípio da legalidade, porque assentam no direito do credor, constitucionalmente assegurado, à tutela jurisdicional efetiva." [14]

            Contudo, deve-se fazer uma ressalva no que concerne às obrigações de fazer infungíveis, uma vez que nessas obrigações as medidas dispostas no § 5º do artigo 461 e a multa do § 4º do mesmo artigo apenas são aptas a coagir o devedor para que ele próprio cumpra a prestação, isto é, não há como o juiz substituir a atividade que o próprio devedor deveria ter cumprido por atividade realizada por terceiro, sendo que o único resultado prático equivalente seria a conversão da prestação em perdas e danos.

            Por não serem meios sub-rogatórios, os meios coativos não podem variar nem serem atípicos como os primeiros, pois importam em intimidação pessoal. Tanto os meios coativos como os sub-rogatórios não podem contrariar os direitos da personalidade ou outros direitos indisponíveis do devedor.

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Sobre a autora
Caroline Maria Pinheiro Amorim

advogada em Maceió (AL)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Caroline Maria Pinheiro. Da reforma processual civil na execução. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 951, 9 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7936. Acesso em: 20 abr. 2024.

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