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Sociedade simples:

responsabilidade dos sócios

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14/02/2006 às 00:00
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4 - Responsabilidade dos sócios nas relações externas da sociedade simples

            Inicialmente destacamos que a sociedade simples pode ser vista como espécie de sociedade [15], como também pode ser avaliada sob a ótica de tipo societário. Tal afirmação é feita considerando que a segunda parte do artigo 983 do Código Civil, estabelece a possibilidade da sociedade simples constituir-se segundo um dos tipos regulados nos arts.1039 a 1092, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias. E este registro é de grande importância de modo a permitir a análise das várias possibilidades de vinculação dos sócios às obrigações da sociedade.

            Na verdade, a matéria relativa à responsabilidade dos sócios na sociedade simples abriga inegáveis equívocos por parte da doutrina. E isto foi mero resultado, em nosso entender, da análise apressada e isolada da regra do artigo 1023 do novo Código Civil, segundo a qual na insuficiência dos bens sociais para atender às dívidas da sociedade, "respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participam das perdas sociais, salvo cláusula de solidariedade".

            Negrão [16], de forma objetiva, ao apresentar quadro dos diversos tipos de responsabilidade do sócio, refere simplesmente que na sociedade simples a responsabilidade do cotista é "pelo saldo, na proporção em que participe das perdas sociais, subsidiariamente ao patrimônio social."

            Ingrid Santos Martinelli [17] levanta dúvida ao afirmar que é "cristalino o conflito das normas contidas nos artigos transcritos, sendo até despiciendo dizer que, muito provavelmente, tais artigos serão objeto de muitas ações judiciais, pois, enquanto o art. 997 prevê a faculdade de responsabilidade subsidiária, o art. 1.023 prevê a obrigatoriedade (a não ser que haja cláusula de solidariedade)". Conclui afinal que

            "caberá ao Poder Judiciário decidir, em cada caso concreto, sobre a responsabilidade ou não dos sócios pelas obrigações da sociedade, e, em caso afirmativo, se é esta em caráter subsidiário ou não, sendo certo que, a respeito da responsabilidade dos sócios, a construção doutrinária e jurisprudencial valerá mais que a própria lei de per se, haja vista o aparente conflito dos artigos em comento".

            Também Bruno Sacani Sobrinho e Bruno Montenegro Sacani [18], afirmam que as disposições dos artigos 1.033 e 1.024 do CC, "determinam que a responsabilidade dos sócios é subsidiária, sejam estes simples quotistas ou administradores, e, mais ainda, não se aplicam apenas às sociedades simples, mas também às limitadas (ex vi do art.1.053), sendo que a responsabilidade é limitada à proporção em que os sócios participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária."

            Com o devido respeito que merecem as posições acima apontadas, não se justifica qualquer dúvida ou posição estática a partir de avaliação criteriosa a ser feita do disposto no art. 997, VIII, em conjunto com o art. 983, que como antes referido, autoriza a adoção de tipo societário que limita a responsabilidade dos sócios.

            Nesta linha, aliás, precisa a posição de Mônica Gusmão [19], ao referir que nas sociedades simples, os sócios podem assumir responsabilidade limitada, ilimitada, subsidiária ou solidária, destacando que dificilmente encontraremos uma sociedade simples em que os sócios assumam responsabilidade ilimitada, arriscando o seu patrimônio pessoal em caso de inadimplemento das obrigações sociais. Esta posição é compartilhada por Campinho [20], quando afirma que os sócios poderão ou não responder subsidiária e ilimitadamente pelas dívidas sociais. A questão deverá ser definida no contrato social (inciso VIII, do art.997). Não havendo responsabilidade subsidiária, o sócio fica obrigado tão-somente pelo valor de sua quota. Caso sua contribuição esteja integralizada, cessa sua responsabilidade.

            Desta forma, se há norma [21] prevendo que cabe ao contrato dispor a respeito da responsabilidade subsidiária dos sócios, bem como dispositivo [22] autorizando a adoção de tipo societário em que há limitação da responsabilidade, tudo vai depender do que estiver fixado no contrato social. E não se argumente que a posição manifestada pelo STJ [23], no sentido de que "o termo ‘subsidiariamente`, constante do inciso VIII do art.997 do CC deverá ser substituído por `solidariamente`, a fim de compatibilizar esse dispositivo com o art.1023 do mesmo CC", sinaliza para a efetiva vinculação dos sócios às obrigações sociais. O que ao nosso ver pretendeu o STJ, foi apenas esclarecer que o contrato fixará se a responsabilidade será ou não solidária ao invés de subsidiária. Sendo assim, poderá perfeitamente o regramento da sociedade estabelecer que os sócios não respondem de forma solidária. E qual será a conseqüência disto? Que a responsabilidade obedecerá ao tipo societário escolhido ou fixado por lei.

            Em outras palavras, a responsabilidade dos sócios vai depender do tipo societário adotado.

            Nesta linha, indispensável agora fazer outro registro, vinculado às variações possíveis de forma que a sociedade simples pode adotar, de modo a melhor detalhar as alternativas de responsabilização de seus integrantes.

            Para a primeira variação possível, escolhemos a denominação de `pura`. Trata-se da sociedade que será regida pelas normas que lhe são próprias, nos termos fixados pela parte final do art. 983 do CC. Isto ocorrerá quando não incidirem regras específicas, previstas em legislação especial ou quando não escolhido tipo societário específico, conforme adiante demonstraremos. Em síntese, as regras serão as constantes do Código Civil, específicas para as sociedades simples (arts.977 e seguintes).

            Nesse caso, a responsabilidade do sócio será sempre subsidiária e atenderá ao saldo devedor de forma proporcional à participação nas perdas sociais, por forca da incidência da primeira parte do artigo 1.023. A solidariedade dos sócios dependerá, assim, de cláusula expressa nesse sentido no contrato social, nos termos da segunda parte do referido dispositivo.

            Conseqüentemente, terceiros que contratarem com a sociedade e desejarem saber o nível de responsabilidade dos sócios, deverão ter o cuidado de consultar o contrato social, na medida em que nele será especificado se ela, a responsabilidade, será subsidiária ou solidária.

            Cabe ressaltar que na eventualidade do contrato social nada referir a respeito da responsabilidade dos sócios – muito embora neste caso seu registro deva ser recusado, visto que tal matéria constitui exigência legal por forca do disposto no inciso VIII do art. 997, VIII), a responsabilidade será subsidiária por incidência automática da regra geral [24].

            A segunda forma que a sociedade simples poderá adotar, que denominamos de `especial`, é aquela que tem disciplina prevista em lei especial. Com efeito, por disposição legal não será possível escolher forma diversa. As normas dos arts.977 e seguintes do CC serão apenas aplicadas em caráter complementar, na hipótese de eventual lacuna.

            Exemplo desta variação é a sociedade de advogados, regida pela Lei nº 8.906/94 - Estatuto da OAB, que entre suas disposições contém expressa [25] vedação relativamente a utilização da forma mercantil [26] (art. 16 do Estatuto e art. 2º do Provimento da OAB nº 92/00).

            No caso em exame a responsabilidade dos integrantes da sociedade de advogados é a fixada pelo artigo 17, com a seguinte redação: "Além da sociedade, o sócio responde subsidiária e ilimitadamente pelos danos causados aos clientes por ação ou omissão no exercício da advocacia, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar em que possa incorrer".

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            Conseqüentemente, por disposição em regra especial, a responsabilidade de integrantes de sociedade de advogados será sempre subsidiária e estará vinculada à prática de ação culposa.

            Entretanto, não podemos deixar de admitir que a redação do referido artigo 17 pode permitir dúvidas quanto ao limite da responsabilidade dos sócios, ou seja, se está vinculado ou não ao capital social. Assim, para evitar possíveis discussões, entendemos conveniente que conste expressamente no contrato social tal limitação, com indicação clara de que a responsabilidade é limitada ao capital social subscrito e integralizado.Por outro lado, pensamos que a apontada norma contempla o que é óbvio, pelo que é totalmente dispensável. É que a sociedade sempre será responsável até o limite de seu capital social, enquanto que o sócio sempre responderá pessoalmente e de forma ilimitada, quando agir com culpa, por forca do disposto no artigo 927 do CCB.

            Desta forma, possíveis os seguintes desdobramentos tratando-se de sociedade de advogados:

            a) a sociedade sempre responderá em caso de ação culposa praticada por seus sócios, empregados ou prepostos, até o limite de seu capital social;

            b) poderá qualquer sócio responder pessoalmente, de forma subsidiária e ilimitada, sempre que caracterizada a sua ação culposa.

            c) para o sócio que não é atribuída conduta culposa, incidirá a limitação resultante da cláusula que vincula a responsabilidade ao capital social.

            Outro exemplo desta variação é a Sociedade Cooperativa [27], regulada pela Lei nº 5.764/71. Aqui o art. 982 do Código Civil de 2002, em seu parágrafo único, determina que independentemente do seu objeto, a sociedade cooperativa será sempre simples. Da mesma forma que o exemplo anterior, no que a lei especial for omissa valerão os dispositivos legais expressos nos arts. 997 e seguintes. Todavia, no que se refere à responsabilidade dos integrantes da cooperativa, deverão ser observadas as regras específicas [28] previstas na referida lei. E aqui também tudo vai depender do que estiver especificado no estatuto social, na medida em que neste deverão estar previstos os direitos e deveres dos associados e a natureza de suas responsabilidades [29].

            Por fim, para a última variação escolhemos a denominação de `alternativa`, que estará caracterizada quando houver escolha de algum dos tipos regulados pelos arts.1.039 a 1.092. Aqui, usando os sócios a faculdade prevista na segunda parte do art.983, escolherão um dos tipos societários fixados pelos artigos 1039 a 1092.

            Em conseqüência, as regras relativas à responsabilidade dos sócios serão aquelas estabelecidas pelo tipo escolhido. Por exemplo, se a escolha recair na sociedade limitada, terá aplicação exclusiva o disposto no artigo 1052; se recair a escolha na sociedade em nome coletivo, terá aplicação a regra do art.1.039.

            Em síntese, a responsabilidade dos sócios da sociedade simples comporta todo tipo possível. Se a forma da sociedade for pura, a responsabilidade poderá ser subsidiária ou solidária, dependendo do que estabelecer o contrato social; se a forma for a especial, dependerá da legislação específica a ser aplicada obrigatoriamente; e se a forma for a alternativa, ficará vinculada ao tipo societário escolhido pelos sócios.


Notas

            01

Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Volume 1. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1945, pag. 492.

            02

Curso de Direito Comercial, 1 vol., 24 ed., pág.59

            03

Campinho, Sérgio – O Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil, pág.13 – Rio de Janeiro: Renovar, 2003

            04

ob.cit. pág.91

            05

in Direito Empresarial, pág. 126 – 3ª. Edição, Rio de Janeiro: Empenos, 2004

            06

art.1007 do CC

            07

ob.cit. pág.92

            08

ob.cit. pág.128

            09

ob. cit. pág.91

            10

ob. cit. pág.96

            11

ob. cit. pág.129

            12

art.1005

            13

Art 32. As pessoas jurídicas, enquanto estiverem em débito, não garantido, para com a União e suas autarquias de Previdência e Assistência Social, por falta de recolhimento de imposto, taxa ou contribuição, no prazo legal, não poderão:

            a) distribuir quaisquer bonificações a seus acionistas;

            b) dar ou atribuir participação de lucros a seus sócios ou quotistas, bem como a seus diretores e demais membros de órgãos dirigentes, fiscais ou consultivos;

            14

§ 1o A inobservância do disposto neste artigo importa em multa que será imposta:

            I - às pessoas jurídicas que distribuírem ou pagarem bonificações ou remunerações, em montante igual a 50% (cinqüenta por cento) das quantias distribuídas ou pagas indevidamente; e

            II - aos diretores e demais membros da administração superior que receberem as importâncias indevidas, em montante igual a 50% (cinqüenta por cento) dessas importâncias.

            § 2o A multa referida nos incisos I e II do § 1o deste artigo fica limitada, respectivamente, a 50% (cinqüenta por cento) do valor total do débito não garantido da pessoa jurídica.

            15

na classificação: sociedade simples e sociedade empresária

            16

op. cit. pág.255

            17

"Sociedade Simples no Novo Código Civil – Aspectos Polêmicos, in Juris Síntese nº 39 - jan/fev/2003

            18

"A Estrutura do Contrato Social e a Responsabilidade dos Sócios nas Sociedades Simples e Empresária sob a Luz do Novo Código Civil", in Repertório IOB n.24/2003, pág.675.

            19

Direito Empresarial, pág.134 – 3ª. Edição – Rio de Janeiro: Impetus, 2004

            20

ob.cit. pág.111

            21

art. 997, VIII

            22

art.983

            23

Jornada do STJ - n.61

            24

art.1.023

            25

Art. 16. Não são admitidas a registro, nem podem funcionar, as sociedades de advogados que apresentem forma ou características mercantis, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam sócio não inscrito como advogado ou totalmente proibido de advogar.

            26

a expressão "mercantil", com o advento do Novo Código Civil deixou de existir, passando a integrar o conceito de sociedade empresária.

            27

Art. 3° Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.

            28

Art. 11. As sociedades cooperativas serão de responsabilidade limitada, quando a responsabilidade do associado pelos compromissos da sociedade se limitar ao valor do capital por ele subscrito.

            Art. 12. As sociedades cooperativas serão de responsabilidade ilimitada, quando a responsabilidade do associado pelos compromissos da sociedade for pessoal, solidária e não tiver limite.

            Art. 13. A responsabilidade do associado para com terceiros, como membro da sociedade, somente poderá ser invocada depois de judicialmente exigida da cooperativa.

            29

II, do art.21
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Sobre o autor
Angelo Arruda

advogado em Lajeado (RS), professor de Direito na UNIVATES

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARRUDA, Angelo. Sociedade simples:: responsabilidade dos sócios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 956, 14 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7971. Acesso em: 23 nov. 2024.

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