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O conhecimento de carga marítimo e o controle aduaneiro

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16/06/2020 às 12:20
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O conhecimento de carga marítimo (bill of lading - BL) é um documento chave para o controle aduaneiro de mercadorias e para fluxo no comércio marítimo.

RESUMO: O conhecimento de carga marítimo (Bill of Lading - BL) é um documento chave para o controle aduaneiro de mercadorias e para fluxo no comércio marítimo. Os intervenientes do comércio exterior têm a obrigação legal de sua apresentação à Receita Federal do Brasil (RFB) por meio eletrônico, através dos sistemas Mercante e Siscomex Carga. O BL, além de constituir um contrato de transporte e de prova de posse ou propriedade de mercadoria para o seu consignatário, apresenta uma série de informações chave sob a ótica do controle aduaneiro de mercadorias no país, como a identificação do titular e parte interessada da carga, a origem da mercadoria, o valor do frete, a data de emissão, o peso e cubagem, a descrição da mercadoria, a unidade de carga e seu lacre, o navio responsável pelo transporte e muitas outras.

Palavras-chave: controle aduaneiro, conhecimento de carga, BL.


1.INTRODUÇÃO

Na obra “O conhecimento de carga no transporte marítimo”, Delfim Bouças Coimbra (2014) apresenta uma abordagem aduaneira sobre o tema, com o objetivo de tentar reduzir as dificuldades existentes na aplicação das normas que regem o conhecimento de carga.

Também trata da importância do conhecimento de carga marítimo para o controle aduaneiro, listando uma série de pontos relevantes, que são expostos neste artigo de revisão deste tema.

Além de demonstrar a importância do conhecimento de carga sob o ponto de vista aduaneiro, este artigo também tem por objetivo apresentar o controle aduaneiro e os sistemas para prestação de informações à RFB pelos intervenientes, conceituar conhecimento de carga marítimo e o conhecimento eletrônico, além de suas classificações.


2    O CONTROLE ADUANEIRO E A PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES À RFB

O Território Aduaneiro é dividido em três partes (zonas): Primária, que compreende o espaço demarcado entre a entrada e a saída do País de mercadorias, veículos e pessoas. Sendo a fiscalização nesta zona realizada diuturnamente; a Secundária, que diz respeito ao restante do território aduaneiro e na qual a fiscalização aduaneira é aleatória; e a terceira é a zona de Vigilância, demarcada em até 100 km das fronteiras, onde a fiscalização aduaneira, embora não diuturna, é mais rigorosa do que a da zona secundária.

Art. 26.  A entrada ou a saída de veículos procedentes do exterior ou a ele destinados só poderá ocorrer em porto, aeroporto ou ponto de fronteira alfandegado. 

§ 1o  O controle aduaneiro do veículo será exercido desde o seu ingresso no território aduaneiro até a sua efetiva saída, e será estendido a mercadorias e a outros bens existentes a bordo, inclusive a bagagens de viajantes. (Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009)

Como se pode observar, desde o ingresso do veículo no território aduaneiro ele estará sob o controle da Autoridade, inclusive se estendendo às mercadorias e aos outros bens existentes a bordo.

Conforme o Regulamento Aduaneiro, os intervenientes no comércio exterior devem prestar informações à Receita Federal do Brasil sobre a chegada do veículo procedente do exterior ou a ele destinado, bem como sobre as cargas transportadas.

Art. 31.  O transportador deve prestar à Secretaria da Receita Federal do Brasil, na forma e no prazo por ela estabelecidos, as informações sobre as cargas transportadas, bem como sobre a chegada de veículo procedente do exterior ou a ele destinado. (Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009)

A Convenção para Facilitação do Tráfego Marítimo Internacional (promulgada pelo Decreto nº 80.672/77) estabelece que a declaração de carga é o documento de base no qual figuram as informações relativas à carga exigidas pelos poderes públicos à entrada do navio. No entanto, os poderes públicos deverão aceitar, em lugar da declaração de carga, um exemplar do manifesto do navio, com a condição de conter todas as informações contidas naquele documento e de estar datado e assinado pelo capitão, pelo agente do navio ou por qualquer pessoa devidamente autorizada pelo capitão, de conformidade com o estabelecido no subitem 2.3.4 da referida Convenção.

Conforme o Regulamento Aduaneiro, o responsável pelo veículo apresentará à Autoridade Aduaneira o manifesto de carga, com cópia dos conhecimentos correspondentes, a lista dos sobressalentes e provisões de bordo, a relação de unidades de carga vazias existentes a bordo, a declaração de acréscimo de volume ou mercadoria. Com a implantação do Siscomex Carga, através da Instrução Normativa RFB nº 800/2007, o manifesto é entregue de forma eletrônica.

Art. 42.  O responsável pelo veículo apresentará à autoridade aduaneira, na forma e no momento estabelecidos em ato normativo da Secretaria da Receita Federal do Brasil, o manifesto de carga, com cópia dos conhecimentos correspondentes, e a lista de sobressalentes e provisões de bordo. (Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009)

Art. 1º O controle aduaneiro de entrada e saída de embarcações e de movimentação de cargas e unidades de carga nos portos, bem como de entrega de carga pelo depositário, serão efetuados conforme o disposto nesta Instrução Normativa e serão processados mediante o módulo de controle de carga aquaviária do Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), denominado Siscomex Carga. (IN RFB nº 800 de 27 de dezembro de 2007)

A prestação de informação deverá ser feita com antecedência mínima, conforme se observa na leitura:

Art. 54.  Os transportadores, bem como os agentes autorizados de embarcações procedentes do exterior, deverão informar à autoridade aduaneira dos portos de atracação, na forma e com a antecedência mínima estabelecidas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, a hora estimada de sua chegada, a sua procedência, o seu destino e, se for o caso, a quantidade de passageiros. (Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009)

Os principais intervenientes privados no comércio exterior que atuam no sistema fornecendo ou consultando informações são os transportadores (empresas e agências de navegação, suas parceiras e agentes de carga); os consignatários (importadores, bancos comerciais); os operadores portuários e os depositários.


3   OS SISTEMAS PARA A PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES À RFB

3.1 Siscomex Carga

É um sistema da RFB de controle da movimentação de embarcações, cargas e contêineres vazios transportados na via aquaviária, em portos brasileiros. Foi criado em 2008, o acesso é por meio de site na internet e não precisa de instalação de software específico, mas de apenas cadastro prévio mediante perfil concedido pela alfândega para cada interveniente individualizado.

O sistema viabilizou a substituição de documentos impressos por documentos eletrônicos para fins de cumprimento de obrigações previstas na legislação aduaneira, principalmente no Regulamento Aduaneiro (Decreto 6759/2009).

O objetivo principal do Siscomex carga é controlar a entrada e saída das embarcações nos portos alfandegados, bem como as cargas estrangeiras de importação, exportação ou passagem e os contêineres vazios transportados pela via aquaviária, desde a sua manifestação até a sua entrega ao importador ou saída do território aduaneiro.

3.2 Mercante

É um sistema de controle da arrecadação do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), por meio do qual as empresas de navegação, agências marítimas e agentes de carga prestam informações necessárias ao controle aduaneiro de embarcações, cargas e unidades de carga no transporte aquaviário, na importação e na exportação e ao controle da arrecadação do AFRMM.

O objetivo principal do Sistema Mercante é controlar a ocorrência do fato gerador do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante, em todos os portos do país, bem como o seu respectivo pagamento ou reconhecimento do benefício de isenção.

3.3 Integração entre os sistemas

O sistema Mercante já existe desde 2001 e foi modernizado para receber as informações de embarcações, cargas e unidades de carga, integrado com o Siscomex Carga. Dessa forma, as informações prestadas pelo transportador sobre escala, manifesto e conhecimentos para a RFB serão efetuadas no sistema Mercante, servindo simultaneamente aos controles da RFB no Siscomex Carga.

Desde 2008 há uma integração entre os sistemas (Siscomex Carga e Mercante). O objetivo dessa integração é receber as informações das embarcações e das cargas em um único sistema, possibilitando a ambos os órgãos (Marinha Mercante e RFB) procederem de forma informatizada aos controles de sua competência, bem como harmonizar a fiscalização quando os controles forem complementares.

O Sistema Mercante permanece como sistema de registro de entrada de dados ou informações relativas a cargas, manifestos, conhecimentos e seus itens do transporte aquaviário. Dessa forma, não há necessidade de o transportador prestar no Siscomex Carga as mesmas informações já transmitidas à RFB via sistema Mercante.


4    CONCEITO E DENOMINAÇÕES DO CONHECIMENTO DE CARGA MARÍTIMO

A legislação que rege o assunto refere-se ao conhecimento com as denominações “conhecimento de frete”, “conhecimento de embarque”, “conhecimento de transporte” ou, conforme o Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009 (Regulamento Aduaneiro), como “conhecimento de carga”. No transporte marítimo, a denominação utilizada é Bill of lading, utilizando a sigla BL.

O conhecimento de carga é um documento emitido pelo transportador, que representa o instrumento de contrato de transporte internacional. O contrato entre o embarcador e o armador é estabelecido quando o embarcador e o seu agente de cargas fazem um booking (reserva) com o armador. O BL é a evidência do contrato de transporte acordado entre o armador e o embarcador ou proprietário da carga, a fim de realizar o transporte da carga de acordo com o contrato entre o comprador e o vendedor.

O conhecimento de embarque também serve como um recibo da carga. O BL é emitido pelo armador ou por seu agente para o embarcador ou seu agente em troca do recebimento da carga. A emissão do BL é a prova que o armador recebeu a carga em aparentemente boas condições do embarcador ou de seu agente, conforme entregue pela empresa ou pessoa que fez o transporte até o recinto do armador.

Além de representar o contrato entre embarcador e transportador e de servir como recibo da carga, o BL também serve como prova de posse ou propriedade da mercadoria para o importador, conforme art. 554 do Regulamento Aduaneiro.

Art. 554. O conhecimento de carga original, ou documento de efeito equivalente, constitui prova de posse ou de propriedade da mercadoria. (Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009)

Por tratar-se de documento comprobatório da posse ou propriedade da mercadoria, o conhecimento de carga identifica seu possuidor ou proprietário – conforme o caso, o consignatário, o último endossatário ou o portador – e, em consequência, o titular do despacho aduaneiro.

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Consignatário é aquele a quem se destina a mercadoria, sendo normalmente o próprio comprador ou importador. Endossatário é aquele para quem o documento é transferido mediante endosso, transferido para si pelo endossante. A parte interessada (Notify) é comumente utilizada para identificar o interessado quando a operação de importação for do tipo conta e ordem de terceiros e por encomenda. Também é de praxe que, quando se trata de importação direta, os campos “Consignatário” e “Parte interessada” sejam preenchidos ambos com o nome do importador próprio. Abaixo o trecho da legislação correspondente aos despachos de importação na modalidade “por conta e ordem” e “encomenda”, que deverão resultar em pessoas jurídicas distintas nos campos “Consignee” e “Notify”.

Art. 2. Considera-se operação de importação por conta e ordem de terceiro aquela em que a pessoa jurídica importadora é contratada para promover, em seu nome, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria estrangeira, adquirida no exterior por outra pessoa jurídica.

§ 1º Considera-se adquirente de mercadoria estrangeira importada por sua conta e ordem a pessoa jurídica que realiza transação comercial de compra e venda da mercadoria no exterior, em seu nome e com recursos próprios, e contrata o importador por conta e ordem referido no caput para promover o despacho aduaneiro de importação.

§ 2º O objeto principal da relação jurídica de que trata este artigo é a prestação do serviço de promoção do despacho aduaneiro de importação, realizada pelo importador por conta e ordem de terceiro a pedido do adquirente de mercadoria importada por sua conta e ordem, em razão de contrato previamente firmado, que poderá compreender, ainda, outros serviços relacionados com a operação de importação, como a realização de cotação de preços, a intermediação comercial e o pagamento ao fornecedor estrangeiro.

Art. 3º Considera-se operação de importação por encomenda aquela em que a pessoa jurídica importadora é contratada para promover, em seu nome e com recursos próprios, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria estrangeira por ela adquirida no exterior para revenda a encomendante predeterminado.

§ 1º Considera-se encomendante predeterminado a pessoa jurídica que contrata o importador por encomenda referido no caput para realizar a transação comercial de compra e venda de mercadoria estrangeira a ser importada, o despacho aduaneiro de importação e a revenda ao próprio encomendante predeterminado. (IN 1.861 de 27 de dezembro 2018).


5 O CONHECIMENTO ELETRÔNICO

O Conhecimento Eletrônico (CE) é o espelho do conhecimento de carga (BL) no sistema. O transportador (a empresa de navegação nacional ou a agência de navegação) informa os dados básicos e os itens de carga do conhecimento e finaliza a inclusão, gerando o conhecimento eletrônico. A finalização gera numeração nacional, anual e sequencial.

Conforme a IN RFB 800/2007, as informações prestadas sobre o conhecimento de carga devem ser feitas de forma eletrônica, no Sistema Mercante, por meio de certificado digital do emitente.

Art. 2º – Para efeitos desta Instrução Normativa define-se como:

(…)

XI – conhecimento eletrônico (CE), declaração eletrônica das informações constantes do conhecimento de carga (Bill of Lading – BL), informando à autoridade aduaneira na forma eletrônica, mediante certificação digital do emitente;

(…)

Art. 6º O transportador deverá prestar no Sistema Mercante as informações sobre o veículo assim como as cargas nele transportadas, inclusive contêineres vazios e demais unidades de cargas vazias, para cada escala da embarcação.

(…)

Art. 13. A informação do CE compreende os dados básicos e os correspondentes itens de carga, conforme relação constante dos Anexos III e IV, e deverá ser prestada pelo transportador.

§ 1º O CE somente será considerado informado quando seus dados básicos e pelo menos um de seus itens de carga tiverem sido registrados no sistema.

§ 2°Os CE informados receberão numeração nacional, anual e sequencial.

§ 3º A alteração ou exclusão dos dados básicos do CE somente poderá ser efetuada pelo transportador que o informou no sistema.

§ 4º Todos os dados básicos do CE são alteráveis.

§ 5º O campo de descrição de mercadorias, nos dados básicos da CE, deverá conter também a quantidade total de volumes do conhecimento. (IN RFB nº 800 de 27 de dezembro de 2007)

5.1 Classificações do CE

De acordo com a IN RFB 800/2007, o CE e a carga são denominados nacionais quando o porto de origem e destino da carga for nacional; e estrangeiro quando pelo menos um dos portos (origem ou destino) for estrangeiro. O CE ou carga estrangeira ainda são classificados como de exportação, de importação ou de passagem, de acordo com o porto de origem e destino de cada.

Ainda há outra classificação do CE, conforme o emissor e o consignatário. O CE é classificado como único, quando o consignatário não é um desconsolidador, ou seja, já é a empresa que vai registrar a Declaração de Importação (DI). É classificado como genérico ou master, quando o consignatário é uma agência desconsolidadora. E, por último, é classificado como filhote, agregado ou house, quando é emitido por um desconsolidador e o consignatário é a empresa que vai registrar a DI (não é um desconsolidador).

Art. 2º – Para efeitos desta Instrução Normativa define-se como:

(...)

§ 1º Para os fins de que trata esta Instrução Normativa:

(…)

II – o CE e a carga serão denominados:

a) nacionais, quando os portos de origem e de destino forem nacionais; ou

b) estrangeiros, quando o porto de origem ou de destino for estrangeiro, classificando-se nas seguintes modalidades:

1. de exportação, quando o porto de origem for nacional e o de destino estrangeiro;

2. de importação, quando o porto de origem for estrangeiro e o de destino nacional; ou

3. de passagem, quando os portos de origem e de destino forem estrangeiros;

(…)

V – o conhecimento de carga classifica-se, conforme o emissor e o consignatário, em:

a) único, se emitido por empresa de navegação, quando o consignatário não for um desconsolidador;

b) genérico ou master, quando o consignatário for um desconsolidador; ou

c) agregado, house ou filhote, quando for emitido por um consolidador e o consignatário não for um desconsolidador;

(...)

§ 2° O conhecimento de carga é também denominado conhecimento de frete, conhecimento de embarque ou conhecimento de transporte.

§ 3º O conhecimento de carga emitido por consolidador estrangeiro e consignado a um desconsolidador nacional, comumente denominado co-loader, para efeitos desta norma será considerado genérico e caracteriza consolidação múltipla. (grifos meu) (IN RFB nº 800 de 27 de dezembro de 2007)

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Gustavo Oliveira. O conhecimento de carga marítimo e o controle aduaneiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6194, 16 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79973. Acesso em: 18 abr. 2024.

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