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O regime jurídico-constitucional da argüição de descumprimento de preceito fundamental

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8.Controvérsia relevante: ADIN 2231

            O parágrafo único do artigo 1º da Lei 9.882/99 prevê o cabimento de argüição de descumprimento de preceito fundamental quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição.

            Cuida-se da chamada argüição de descumprimento incidental ou por derivação (TAVARES, André Ramos: 2001, 284)..

            A mencionada argüição configura um incidente em ação em curso. Diferencia-se da argüição prevista no artigo 1º, caput, que é autônoma, independente de ação pré-existente, cabível para impugnar ato do Poder Público lesivo a preceito fundamental.

            A argüição incidental tem o condão de acionar a competência do Supremo Tribunal Federal para o julgamento de controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, inclusive os pré-constitucionais.

            Contra o dispositivo legal que prevê a argüição incidental foi proposta ação direta de inconstitucionalidade pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados.

            A referida ação direta (ADIN 2231) tramita no STF desde 27/06/2000. O Relator à época, Ministro Néri da Silveira, em juízo de prelibação, deferiu o pedido de liminar deduzido na ação. Logo em seguida, o julgamento foi suspenso em razão de pedido de vista do Ministro Sepúlveda Pertence.

            Por essa razão, ainda não há manifestação conclusiva do Supremo Tribunal Federal acerca da validade ou não do instituto atacado.

            A petição inicial da ADIN aponta a inconstitucionalidade do dispositivo ao argumento de que o mesmo teria ampliado o conceito constitucional de "argüição de descumprimento de preceito fundamental desta Constituição", acrescentando-lhe a relevância do fundamento da controvérsia constitucional relativa a lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal. Extrapolando, dessa forma, os contornos constitucionais.

            Os autores da ADIN aduziram que a Lei 9.882/99 criou equiparação indevida entre o descumprimento de preceito da Constituição e relevância da controvérsia. Alargando, indevidamente, mediante lei ordinária, a competência do Supremo Tribunal Federal que é taxativamente prevista na Constituição Federal.

            Por fim, alegou-se ofensa aos princípios do juiz natural e do devido processo legal, já que a controvérsia seria atraída para a apreciação do Supremo Tribunal Federal sem previsão constitucional.

            O relator considerou plausível a tese de ofensa à Constituição em face da generalidade da formulação do parágrafo único do art. 1º que autorizaria, além da argüição autônoma de caráter abstrato, a argüição incidental em processos em curso, o que não poderia ser feito pelo legislador ordinário, imprescindível, para tanto, emenda constitucional.

            A decisão proferida foi no sentido de dar ao texto guerreado interpretação conforme à Constituição Federal para excluir do seu âmbito as controvérsias constitucionais concretamente já postas em juízo.

            Entrementes, a despeito desse primeiro pronunciamento, o dispositivo ainda não foi declarado inconstitucional, permanece valendo em sua inteireza uma vez que o julgamento da ação direta ainda não foi encerrado.

            Apenas quatro argüições incidentais foram propostas perante o Supremo Tribunal Federal e estão sobrestadas aguardando o julgamento da aludida ADIN [04].

            Certamente, a questão terá o seu desfecho somente com o crivo final do Supremo Tribunal Federal que é o guardião e intérprete último da Constituição Federal.

            Contudo, não se pode olvidar que diante de eventuais controvérsias constitucionais que possam lesionar preceitos fundamentais não há como se entender vulnerados os marcos constitucionais da competência deferida ao Supremo Tribunal Federal para apreciar lesão a preceito fundamental decorrente da Constituição.


9. Normas anteriores à Constituição

            Até a edição da Lei 9.882/99, o sistema de controle abstrato de normas em face da Constituição Federal limitava-se apenas às normas concomitantes e posteriores à Constituição Federal de 1988.

            A argüição de descumprimento de preceito fundamental, timbrada no inciso I do parágrafo único do artigo 1º, permite a veiculação de controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal anteriores à promulgação da Constituição.

            Essa inovação legal ampliou o alcance das ações do controle de constitucionalidade objetivo para suprir a ausência de um instrumento de controle concentrado e abstrato apto à apreciação do direito pré-constitucional.

            Gilmar Ferreira Mendes assinala "essa solução vem colmatar uma lacuna importante no sistema constitucional brasileiro, permitindo que controvérsias relevantes afetas ao direito pré-constitucional sejam solvidas pelo Supremo Tribunal Federal, com eficácia geral e efeito vinculante."(TAVARES e ROTHENBURG (Organizadores) - MENDES, Gilmar F.: 2001, 142).

            Destarte, a ADPF possui parâmetro temporal mais amplo que a ADC e a ADI, pois tanto normas anteriores como posteriores à Constituição podem ser confrontadas na referida ação (TAVEIRA BERNARDES, Juliano: 2004,156).


10. Os legitimados para a propositura da ADPF

            10.1 Os mesmos da Adin

            O artigo 2º da Lei 9.882/99 estabeleceu que os legitimados para a propositura da ADPF são os mesmos legitimados para o manejo da ação direta de inconstitucionalidade.

            Dessa forma, os legitimados para a propositura da ADPF são o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Partido Político com representação no Congresso Nacional e Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

            A Emenda Constitucional nº 45/2004, publicada em 08/12/2004, também conhecida como a Reforma do Judiciário, acrescentou ao rol dos legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade e para a ação declaratória de constitucionalidade, o Governador do Distrito Federal e a Mesa da Câmara Legislativa.

            A referida inclusão deve-se ao fato de que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já havia consagrado a legitimidade do Governador do Distrito Federal e da Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal para a ação direta de inconstitucionalidade em respeito ao princípio federativo.

            10.2 O veto ao inciso II do art. 2º

            O inciso II do artigo 2º da Lei em comento estabelecia que poderia propor argüição de descumprimento de preceito fundamental qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público.

            Ocorre que esse dispositivo foi vetado.

            Nas razões do veto (Mensagem 1.807/99), aduziu-se que a disposição inserira um mecanismo de acesso direto, irrestrito e individual ao Supremo Tribunal Federal sob a alegação de descumprimento de preceito fundamental por "qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público". A admissão de um acesso individual e irrestrito seria incompatível com o controle concentrado de legitimidade do atos estatais – modalidade em que se insere o instituto regulado pelo projeto de lei sob exame. A inexistência de qualquer requisito específico a ser ostentado pelo proponente da argüição e a generalidade do objeto da impugnação acarretariam a elevação excessiva do número de feitos a reclamar apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, sem a correlata exigência de relevância social e consistência jurídica das argüições propostas.

            Considerou-se que a viabilidade funcional do Supremo Tribunal Federal que consubstancia um objetivo ou princípio implícito da ordem constitucional, para cuja máxima eficácia deveriam zelar os demais poderes e as normas infraconstitucionais estaria comprometida.

            Além disso, nas razões, mencionou-se a existência de um amplo rol de entes legitimados para a promoção do controle abstrato de normas, inscrito no artigo 103 da Constituição Federal, o que asseguraria a veiculação e a seleção qualificada das questões constitucionais de maior relevância e consistência, atuando com verdadeiros agentes de representação social e de assistência à cidadania.

            Sem contar a legitimação do Procurador-Geral da República, em sua função precípua de Advogado da Constituição, para a formalização das questões constitucionais carentes de decisão e socialmente relevantes.

            Por fim, as razões de veto descansaram na constatação de que em face da existência de uma pluralidade de entes social e juridicamente legitimados para a promoção de controle de constitucionalidade – sem prejuízo do acesso individual ao controle difuso – tornaria desnecessário e pouco eficiente admitir-se o excesso de feitos a processar e julgar certamente decorrente de um acesso irrestrito e individual ao Supremo Tribunal Federal. Na medida em que se multiplicariam os feitos a examinar sem que se assegurasse sua relevância e transcendência social, o comprometimento adicional da capacidade funcional do Supremo Tribunal Federal constituiria inequívoca ofensa ao interesse público.

            Muito embora o inciso II tenha sido objeto de veto, o parágrafo 1º do referido inciso foi sancionado e prevê a possibilidade de o interessado solicitar, mediante representação ao Procurador-Geral da República, a propositura de argüição de descumprimento de preceito fundamental.

            O Procurador-Geral da República, nesse caso, decidirá acerca do cabimento do seu ingresso em juízo a partir do exame dos fundamentos jurídicos do pedido.

            Aliás, não é demais ressaltar, que ao Procurador-Geral da República cabe a análise acerca da conveniência do manejo da argüição a partir de uma análise do ordenamento global e não a partir de interesses resultantes de situações particularizadas de cada indivíduo.

            10.3 O requisito da pertinência temática.

            O Supremo Tribunal Federal construiu a teoria da ação direta de inconstitucionalidade calcando-se na exigência de um requisito específico para determinados legitimados ativos.

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            Em algumas oportunidades, o STF asseverou que pertinência temática é requisito implícito da legitimação, dentre outros, das Confederações e entidades de classe de âmbito nacional e, que esse requisito que não decorreu de disposição legal, mas da interpretação que esta Corte fez diretamente do texto constitucional. (ADI 1792, ADI 2482, ADI 1282).

            Em relação às entidades de classe, tradicionalmente, o Supremo não admitia a legitimidade das entidades de classe constituídas por associações de associações mas somente aquelas que tivessem como associados as pessoas físicas. O Tribunal superou esse entendimento para reconhecer às associações de associações legitimidade para o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade em face de seu objetivo ser o de defender uma mesma categoria social assim como as entidades de classe formadas por associações formadas por pessoas físicas. (ADI 3153 AgR/DF – Informativo 361)

            Exige-se também dos Governadores de Estado e Distrito Federal, das Assembléias Legislativas e Câmara Legislativa esse interesse de agir qualificado chamado de pertinência temática. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou-se no sentido de não exigir a pertinência temática da do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ao entendimento de que a sua previsão no rol dos legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade deve ser interpretada não como as demais entidades de classe de âmbito nacional mas de forma a lhe permitir a propositura de ADIN contra qualquer ato normativo que possa ser objeto dessa ação, na defesa da ordem jurídica com o primado da constituição federal (ADI 03).

            O STF, por ocasião do julgamento da medida cautelar na ADI 1.096, assentou a inexigência de demonstração da pertinência temática para o exercício do controle abstrato para os partidos políticos ao entendimento de que os partidos políticos possuem legitimação ativa universal gozando da prerrogativa de impugnarem qualquer ato normativo do Poder Público qualquer que seja o seu conteúdo material.

            De acordo com o Supremo Tribunal Federal os partidos políticos têm o dever de zelar pela preservação da supremacia normativa da Constituição e pela defesa da integridade do ordenamento consubstanciado na Lei Fundamental. Essa compreensão deve ser considerada à luz dos fins institucionais dos partidos políticos de instrumentos de ação democrática.

            Considera-se que a pertinência temática dos partidos políticos com representação no Congresso Nacional ocorre por antecipação.

            Ainda relativamente aos partidos políticos, recentemente, o Supremo Tribunal Federal superou entendimento pacífico no sentido de que a aferição da legitimidade deve ser feita no momento da propositura da ação e, portanto, a perda superveniente de representação do partido político no Congresso Nacional não o desqualifica como legitimado ativo para a ação direta de inconstitucionalidade (Agravo Regimental na ADI 2159 AgR/DF – Informativo 356).

            A decisão tem assento, basicamente, na concepção de um controle de constitucionalidade abstrato no qual se pretende a proteção da incolumidade do ordenamento e não a satisfação de interesses individuais.

            Se o processo objetivo tem por finalidade a retirada de normas do ordenamento jurídico que estejam em conflito com a Constituição Federal e, no caso específico da ADPF, a salvaguarda de preceito fundamental, a perda superveniente de representação no Congresso Nacional não torna incólume o ordenamento já maculado por ato ou lei inconstitucional.

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Sobre a autora
Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves

juíza federal substituta da Seção Judiciária do Estado de Goiás, pós-graduada pela Escola Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios e pela Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins. O regime jurídico-constitucional da argüição de descumprimento de preceito fundamental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 965, 23 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8017. Acesso em: 15 nov. 2024.

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