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O regime jurídico-constitucional da argüição de descumprimento de preceito fundamental

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11. A petição inicial

            A teor do artigo 3º da Lei 9.882/99, a petição inicial da ADPF deverá conter a indicação do preceito fundamental que se considera violado, a indicação do ato questionado, a prova da violação do preceito fundamental, o pedido, com suas especificações. E ainda, se o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado.

            A inicial da ADPF deve atender aos requisitos genéricos previsto no artigo 282 do Código de Processo Civil no que for compatível com o artigo 3º da Lei 9.882/99.

            O parágrafo único desse mencionado artigo dispõe que a petição inicial deverá ser apresentada em duas vias que deverão conter cópias do ato questionado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação.


12. O recebimento e (in)deferimento da petição inicial

            A argüição de descumprimento de preceito fundamental será liminarmente indeferida pelo relator quando não for o caso de argüição, quando faltar algum dos requisitos prescritos na Lei da ADPF ou quando for inepta. É o que dispõe o artigo 4º da Lei 9.882/99.

            Para a aferição de inépcia da petição inicial, é necessário recorrer-se ao parágrafo único do artigo 295 do Código de Processo Civil que estabelece as hipóteses de inépcia da inicial. A saber, a ausência de pedido ou causa de pedir, da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão, o pedido for juridicamente impossível, os pedidos forem incompatíveis entre si.

            A interpretação literal do dispositivo conduz à compreensão de que não há espaço para emenda à inicial da argüição, se ausentes os pressupostos de cabimento da ação ou se não atendidos os requisitos pertinentes, a inicial será indeferida liminarmente sem oportunidade de emenda da inicial.

            Esse é o entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal [05].

            Assim como na ADIN, o recurso cabível da decisão de indeferimento da inicial é o recurso de agravo que deverá ser interposto no prazo de cinco dias (§ 2º, artigo 4º, Lei 9.882/99).


13. O caráter subsidiário da ADPF

            O caráter subsidiário da ADPF é aspecto de grande relevância no estudo desse instituto.

            O postulado da subsidiariedade é um requisito de procedibilidade, um pressuposto negativo de admissibilidade da argüição de descumprimento de preceito fundamental. Está expressamente previsto no parágrafo 1º do artigo 4º da Lei 9.882 ao dispor que não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.

            Conquanto o texto legal mencione "qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade", consoante adverte o Supremo Tribunal Federal, a mera possibilidade de utilização de outros meios processuais não basta, só por si, para justificar a invocação do princípio da subsidiariedade. Para que esse postulado possa legitimamente incidir - impedindo, desse modo, o acesso imediato à argüição de descumprimento de preceito fundamental - revela-se essencial que os instrumentos disponíveis mostrem-se capazes de neutralizar, de maneira eficaz, a situação de lesividade que se busca obstar com o ajuizamento dessa ação constitucional.

            No julgamento das ADPFs nºs 03 e 12, o Supremo Tribunal Federal negou-lhes seguimento. O Tribunal considerou, sob o enfoque da argüição como ação própria do controle incidental/difuso de constitucionalidade, cabíveis, em tese, outros recursos como o agravo regimental e o recurso extraordinário para sanar a lesividade do ato atacado.

            Na ADPF nº 13, em uma primeira análise sob a perspectiva do controle de constitucionalidade objetivo, o Tribunal entendeu inviável a argüição de descumprimento de preceito fundamental em razão da existência de ação direta de inconstitucionalidade hábil a sanar a lesão.

            À medida que se avançava no julgamento das argüições, a compreensão do instituto como um instrumento do sistema de controle abstrato de constitucionalidade foi se fortalecendo.

            Essa progressão de entendimento pode ser verificada no julgamento da ADPF nº 17 em que o Ministro Celso de Mello destacou a impossibilidade de o princípio da subsidiriariedade ser invocado para impedir o exercício da ação constitucional da ADPF uma vez que a referida ação estaria vocacionada a viabilizar, numa dimensão estritamente objetiva, a realização jurisdicional de direitos básicos, de valores essenciais, e de preceitos fundamentais contemplados no texto da Constituição da República. Caso contrário, ocorreria grave comprometimento da própria efetividade da Constituição.

            Na referida ADPF, incidiu o veto do parágrafo 4º do artigo 5º em razão efetiva possibilidade do manejo da ação popular para reparar a lesão a preceito fundamental.

            Posteriormente, o entendimento esposado na ADPF nº 33 reforçou o caráter da argüição de descumprimento de preceito fundamental como ação de natureza de processo objetivo de controle de constitucionalidade e por essa razão a sua subsidiariedade há que ser sempre interpretada de acordo com o sistema objetivo de controle. Somente os instrumentos do controle objetivo servem de parâmetro para a análise do atendimento ao princípio da subsidiariedade. Caso contrário, sempre existiriam, em tese, meios de salvaguardar preceito fundamental afastando, dessa forma, a aplicação da argüição de descumprimento de preceito fundamental.

            Por ocasião desse julgamento, assentou-se que uma leitura excessivamente literal da disposição contida no parágrafo 1º, do artigo 4º conduziria à retirada de qualquer significado prático do instituto da ADPF.

            O Supremo Tribunal Federal considerou que se a ação fosse apreciada apenas sob uma perspectiva estritamente subjetiva, a ação somente poderia ser proposta se já se tivesse verificado a exaustão de todos os meios eficazes de afastar a lesão no âmbito judicial.

            Em verdade, o Ministro Relator da referida ADPF 33 ressaltou a importância de uma leitura mais cuidadosa a revelar que na análise sobre a eficácia da proteção de preceito fundamental no processo da ADPF deve predominar um enfoque objetivo ou de proteção da ordem constitucional objetiva.

            O principio da subsidiariedade, inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesão, contido no §1º do art. 4º da Lei nº 9.882, de 1999, deveria ser compreendido no contexto da ordem constitucional global.

            Nesse contexto, em que se considera o caráter objetivo da ação, meio eficaz de sanar a lesão seria o apto a solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata.

            Dessa forma, se cabível a ação direta de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade, não será admissível a argüição de descumprimento. Em contrapartida, se não for hipótese de cabimento de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade, caberá a argüição de descumprimento de preceito fundamental.

            Em princípio, dificilmente incidiria o obstáculo da subsidiariedade da argüição de descumprimento de preceito fundamental nas hipóteses de solução de questões relativas a normas anteriores à Constituição Federal de 1988 e questões de direito municipal em face da Constituição Federal. Isso porque nesses casos não se admite o ajuizamento de ADIN ou ADC.


14. As medidas liminares em ADPF

            É possível a concessão de medida cautelar na ADPF. O artigo 5º da Lei 9.882/99 prevê que o Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na argüição de descumprimento de preceito fundamental.

            Conquanto o referido texto legal se refira à medida liminar, em verdade, a liminar é o veículo mediante o qual se concede as medidas cautelares. O que existe é a possibilidade de concessão de cautelares. Essa distinção não tem maiores conseqüências, quer no aspecto meramente processual quer no constitucional, restringe-se apenas ao aspecto da terminologia, não merecendo outros comentários. Entretanto, foi necessário tecer esse esclarecimento para que a terminologia adequada seja utilizada sem que seja causada qualquer perplexidade.

            Conforme o artigo 5º, a maioria absoluta dos membros do STF pode conceder medida cautelar na ADPF.

            Os requisitos para a concessão de cautelar nesse processo constitucional são os mesmos requisitos exigidos para a sua concessão no processo civil comum.

            Genericamente, o artigo 798 do Código de Processo Civil exige a plausibilidade da alegação (fumus boni iuris) bem como o perigo de lesão grave ou de difícil reparação (periculum in mora) para que sejam concedidas as medidas cautelares (GRECO FILHO, Vicente: 2003: 155).

            Mais adiante, o parágrafo 1º do aludido artigo 5º faculta ao relator a concessão de liminar ad referendum do Tribunal Pleno em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave.

            Nesse caso, o relator poderá, monocrática e liminarmente, conceder a medida cautelar desde que atendidos pressupostos de perigo na demora e plausibilidade.

            Ao que tudo indica, o legislador pretendeu conferir a faculdade de concessão monocrática de cautelar ao relator e não criar um requisito específico para essa concessão já que a extrema urgência ou perigo de lesão nada mais são que o perigo da demora (periculum in mora).

            O parágrafo 3º do artigo 5º esclarece que a liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada.

            Se o relator considerar necessário, antes de conceder a liminar, poderá ouvir os órgãos e autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo de cinco dias (§ 2º, artigo 5º).

            O parágrafo 4º do artigo 5º foi vetado. O dispositivo previa que o Supremo Tribunal Federal, para evitar lesão à ordem constitucional ou dano irreparável ao processo de produção da norma jurídica, poderia ordenar a suspensão do ato impugnado ou do processo legislativo a que se refira, ou ainda da promulgação ou publicação do ato legislativo dele decorrente.

            As razões de veto descansam no princípio da separação dos Poderes. Objetivou-se evitar ingerências do Poder Judiciário na atuação política do Poder Legislativo (Mensagem nº 1.807/99).


15. O julgamento da ADPF

            O procedimento do julgamento da ADPF está previsto nos artigos 6 a 12 da Lei 9.882/99.

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            Após a apreciação de eventual pedido de liminar, o relator da ação deverá solicitar informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado. O prazo para a apresentação das informações é de dez dias.

            O parágrafo 1º do artigo 6º permite ao relator ouvir as partes nos processos que ensejaram a argüição, bem como requisitar informações adicionais, designar perito ou comissões de peritos para que emitam parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria.

            Em harmonia com essa previsão, o parágrafo 2º prevê a sustentação oral e juntada de memoriais, por interessados no processo. Entretanto, o relator da ADPF poderá ou não, segundo juízo discricionário, permitir a participação desses interessados no julgamento da ação.

            Essas previsões prestigiam a idéia de sociedade aberta de intérpretes da Constituição. Peter Härbele defende a interpretação plural da Constituição. Assevera que todos que de alguma forma puderem auxiliar na interpretação constitucional devem ter a oportunidade de participar desse processo, pois todo aquele que vive a Constituição deve ser o seu intérprete. Trata-se de uma verdadeira democratização do processo de interpretação constitucional. (HÄRBELE, Peter: 1997, 14)

            A participação do Ministério Público é obrigatória quando não for o autor da argüição de descumprimento de preceito fundamental. O parquet deverá manifestar-se após o decurso do prazo para informações no prazo de cinco dias (parágrafo único, artigo 7º).

            Esgotado o prazo das informações e, se o caso, apresentado o parecer pelo Ministério Público, o relator da argüição elaborará o relatório, encaminhará a todos os Ministros e pedirá dia para julgamento (artigo 7º).

            O quorum da sessão de julgamento da ADPF é qualificado. Exige-se a presença de pelo menos dois terços dos Ministros do Supremo Tribunal Federal para que a decisão seja prolatada.

            Entretanto, não há exigência de que a decisão seja tomada por votos de dois terços dos Ministros. Nada obstante, merece destaque a previsão do artigo 97 da Constituição Federal de que somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

            Sendo assim, se a decisão da argüição de preceito for no sentido da constitucionalidade do ato, poderá ser tomada pela maioria simples dos julgadores. Se a decisão for no sentido da inconstitucionalidade, a mesma deverá respeitar a reserva da maioria absoluta do Plenário (full bench).

            Dispõe o artigo 10 da Lei 9.882/99 que julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados, fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental.

            A decisão do STF deverá ser cumprida de imediato, independentemente da lavratura de acórdão que será feita posteriormente (§ 1º, artigo 10).

            Após o trânsito em julgado da decisão, o dispositivo deverá ser publicado no Diário da Justiça e no Diário Oficial da União no prazo de dez dias (§ 2º do artigo 10).

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Sobre a autora
Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves

juíza federal substituta da Seção Judiciária do Estado de Goiás, pós-graduada pela Escola Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios e pela Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins. O regime jurídico-constitucional da argüição de descumprimento de preceito fundamental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 965, 23 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8017. Acesso em: 23 dez. 2024.

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