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O regime jurídico-constitucional da argüição de descumprimento de preceito fundamental

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16. Os vetos nos §§ 2º e 3º do art. 8º

            O parágrafo 1º do artigo 8º dispunha que seria considerada procedente ou improcedente a argüição se num ou noutro sentido se tivessem manifestado pelo menos dois terços dos Ministros.

            Já o parágrafo 2º previa que se não fosse alcançada a maioria necessária ao julgamento da argüição, estando ausentes Ministros em número que pudesse influir no julgamento, seria suspenso a fim de aguardar-se sessão plenária na qual se atingisse o quorum mínimo de votos".

            O veto aos aludidos parágrafos justificou-se a partir da constatação de que o quorum previsto seria superior ao necessário para o exame do mérito da própria ação direta de inconstitucionalidade. Essa exigência acarretaria uma restrição à celeridade, à capacidade decisória e à eficiência na prestação jurisdicional pelo Supremo Tribunal Federal. Além do que o objetivo da Lei da ADPF era a ampliação do sistema de controle de constitucionalidade, incompatível com o excessivo quorum exigido (Mensagem nº 1.807/99).


17. O veto ao art. 9º

            O artigo 9º, também objeto de veto, previa que o Tribunal, julgando procedente a argüição, cassaria o ato ou decisão exorbitante e, conforme o caso, anularia os atos processuais legislativos subseqüentes, suspenderia os efeitos do ato ou da norma jurídica decorrente do processo legislativo impugnado, ou determinaria medida adequada à preservação do preceito fundamental decorrente da Constituição.

            Assim como não se admitiu a intervenção do Supremo Tribunal Federal em questões relacionadas à interpretação ou aplicação dos regimentos internos da Câmara, Senado e do Congresso Nacional, por ocasião dos vetos ao inciso II do parágrafo único do artigo 1º, ao parágrafo 4º do artigo 5º, o artigo 9º que, de modo similar, permitia ao Supremo a apreciação de questões eminentemente interna corporis esse dispositivo foi, igualmente, alvo de veto presidencial.


18. A decisão na ADPF

            Inicialmente, em relação aos efeitos da decisão proferida em sede de ADPF, a decisão produz efeitos gerais, vinculantes e forma a coisa julgada.

            É interessante destacar que em conformidade com o parágrafo 2º do artigo 10 da Lei 9.882/99, o dispositivo da decisão deverá ser publicado no Diário Oficial.

            Esse dispositivo é que formará a coisa julgada e produzirá os outros efeitos.

            De acordo com o artigo 469, apenas o dispositivo da decisão tem o condão de produzir a coisa julgada.

            Esse primeiro efeito, na verdade, não se trata, propriamente, de efeito da decisão mas um modo de manifestar-se e produzir-se dos efeitos da própria sentença, algo que a esses efeitos se ajunta para qualificá-los e reforçá-los em sentido bem determinado. (LIEBMAN, Enrico Tullio: 1984, 178).

            A coisa julgada proferida na ADPF tem como limite objetivo o pedido mas não tem limites subjetivos pois a sua eficácia é contra todos

            Com efeito, a decisão proferida na ADPF tem eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público, é o que dispõe o parágrafo 3º do artigo 10 da Lei 9.882/99.

            Em relação ao efeito erga omnes, trata-se de um típico efeito das ações do controle objetivo de constitucionalidade que objetivam preservar a incolumidade do ordenamento jurídico constitucional.

            Quanto ao efeito vinculante da decisão, esse efeito tem a característica de impor a todos os órgãos do Poder Público a sua observância, impedindo, dessa forma, que decisões ou comportamentos que vulnerem o decisum do Supremo Tribunal Federal sejam adotados.


19. A juridicização das "Razões de Estado": o artigo 11

            O Supremo Tribunal Federal, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo na ADPF, em face de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos da declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, consoante firmado no artigo 11 da Lei 9.882/99.

            Esse dispositivo contém técnica de decisão de controle de constitucionalidade de grande utilidade para o julgador da argüição.

            O artigo 27 da Lei 9.868/99 (Lei que regula a ADIN e a ADC) prevê a mesma possibilidade de restrição de efeitos em razão da segurança jurídica ou de excepcional interesse social.

            As referidas previsões legais cuidam de um típico caso de "Razões de Estado".

            A Razão de Estado é a exigência de segurança do Estado, que impõe aos governantes – leia-se julgadores - determinados modos de atuar. A segurança do Estado é uma exigência de tal importância que os governantes – julgadores, para a garantir são obrigados a violar normas jurídicas, morais, políticas e econômicas que consideram imperativas, quando essa necessidade não corre perigos (BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINI, Gianfranco, 2002, 1.066).


20. A irrecorribilidade e o descabimento de ação rescisória

            O artigo 12 da Lei 9.882/99 dispõe que a decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido em argüição de descumprimento de preceito fundamental é irrecorrível, não podendo ser objeto de ação rescisória.

            Mais uma vez, essa disposição é semelhante ao disposto no artigo 26 da Lei 9.868/99 que prevê o não cabimento de recurso da decisão proferida na ADC e na ADC ressalvada a hipótese de cabimento de embargos declaratórios.

            Embora a lei da ADPF não tenha feito ressalva em relação ao cabimento de embargos de declaração, por não se tratar de um recurso propriamente mas de um instrumento para esclarecimento ou integração de decisão, possivelmente, venha a ser admitido pelo Supremo Tribunal Federal.

            Até o presente momento, das decisões prolatadas em sede de argüição de descumprimento de preceito fundamental não foram interpostos embargos de declaração e por isso o STF ainda não feriu o tema.


21. A reclamação e a preservação da autoridade do STF.

            O respeito às decisões do Supremo Tribunal Federal tomadas no julgamento da ADPF deve ser garantido mediante a interposição de reclamação em caso de descumprimento.

            A reclamação é instrumento processual que deve ser intentado perante o Supremo Tribunal Federal e destina-se à preservação da competência e da autoridade dos julgados do STF.

            Os artigos 156 do Regimento Interno do STF prevêem o procedimento para a interposição, processamento e julgamento das reclamações.

            A reclamação será interposta pelo Procurador-Geral da república ou pelo interessado na causa. Será instruída com prova documental.

            A autoridade a quem for imputada a prática do ato prestará informação.

            Há previsão de impugnação da reclamação por qualquer interessado. O PGR terá vista e em seguida o Plenário do Tribunal ou a Turma poderá avocar o conhecimento do processo em que se verifique usurpação de sua competência ou ordenar que lhe sejam remetidos , com urgência, os autos do recurso para ele interposto ou cassar decisão exorbitante de seu julgado, ou determinar medida adequada à observância de sua jurisdição.

            A decisão exarada no julgamento da reclamação será cumprida imediatamente e o acórdão será lavrado posteriormente.


CONCLUSÕES

            A ADPF será proposta perante o Supremo Tribunal Federal para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público – argüição autônoma - bem como nos casos de relevância do fundamento de controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição – argüição incidental.

            A argüição de descumprimento de preceito fundamental, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, completa o sistema de controle de constitucionalidade de perfil relativamente concentrado no STF, uma vez que as questões até então não apreciadas no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade (ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade) podem ser objeto de exame no âmbito do novo procedimento.

            A expressão "preceito fundamental" não tem um conceito definitivo mas possui extensão ampla abrangendo os fundamentos da República - a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. De igual modo, a forma federativa do Estado, a independência e harmonia entre os poderes, os princípios da administração pública e os princípios constitucionais sensíveis. Bem assim, os direitos e garantias fundamentais.

            Sucintamente, os preceitos fundamentais devem ser compreendidos como todos aqueles postulados constitucionais que viabilizam a máxima efetividade às previsões constitucionais.

            O objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental é o descumprimento de preceito decorrente da Constituição por ato do Poder Público.

            A lei da ADFP estendeu o instituto para abranger os atos normativos e não normativos do Poder Público. Contudo, a análise acerca da configuração do ato suscetível de controle via ADPF será exercida mediante a apreciação da real natureza do ato impugnado.

            O parágrafo único do artigo 1º da Lei 9.882/99 que prevê o cabimento da argüição de descumprimento de preceito fundamental incidental está sendo questionado na ADI 2231. Em face da presunção de constitucionalidade que milita em favor do ordenamento jurídico a referida argüição não pode ser considerada inconstitucional. Até mesmo porque não parece ter desbordado dos limites constitucionais.

            Com a edição da lei 9.882/99 ampliou-se o sistema de controle abstrato de normas em face da Constituição Federal para permitir a análise em abstrato de normas pré-constitucionais bem como do direito municipal.

            O artigo 2º da Lei 9.882/99 estabeleceu que os legitimados para a propositura da ADPF são os mesmos legitimados para o manejo da ação direta de inconstitucionalidade.

            Os legitimados para a propositura da ADPF os mesmos legitimados para a propositura da ADIN. São eles: o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Partido Político com representação no Congresso Nacional e Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

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            Exige-se a demonstração de pertinência temática da Confederações e entidades de classe de âmbito nacional, dos Governadores de Estado e Distrito Federal, das Assembléias Legislativas e Câmara Legislativa.

            A petição inicial da ADPF deverá conter a indicação do preceito fundamental que se considera violado, a indicação do ato questionado, a prova da violação do preceito fundamental, o pedido, com suas especificações. E ainda, se o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado.

            A argüição de descumprimento de preceito fundamental será liminarmente indeferida pelo relator quando não for o caso de argüição, quando faltar algum dos requisitos prescritos na Lei da ADPF ou quando for inepta. É o que dispõe o artigo 4º da Lei 9.882/99.

            O princípio da subsidiariedade é um pressuposto negativo de admissibilidade da argüição de descumprimento de preceito fundamental. Está expressamente previsto no parágrafo 1º do artigo 4º da Lei 9.882 ao dispor que não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.

            A existência de outros meios eficazes de sanar a lesividade deve ser verificada em harmonia com o sistema objetivo de defesa da Constituição.

            É possível a concessão de medida cautelar na ADPF tanto pelo Supremo Tribunal Federal em colegiado como pelo relator monocraticamente ad referendum do Plenário.

            É possível a participação de interessados, embora não legitimados ativa ou passivamente, no julgamento da ADPF.

            Essas possibilidade consagra a idéia de democratização e interpretação plural do processo constitucional.

            A decisão de inconstitucionalidade na argüição de preceito requer maioria absoluta do Plenário. A decisão de constitucionalidade poderá ser tomada pela maioria simples dos julgadores.

            A decisão proferida em sede de argüição de descumprimento fundamental produz efeitos gerais, vinculantes e forma a coisa julgada.

            O Supremo Tribunal Federal poderá, em face de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, restringir os efeitos da declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

            As decisões tomadas no julgamento de ADPFs são irrecorríveis. De igual modo não se admite a interposição de ação rescisória.

            Para garantir a autoridade da decisão proferida pelo STF, o instrumento processual adequado é a reclamação.

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Sobre a autora
Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves

juíza federal substituta da Seção Judiciária do Estado de Goiás, pós-graduada pela Escola Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios e pela Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins. O regime jurídico-constitucional da argüição de descumprimento de preceito fundamental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 965, 23 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8017. Acesso em: 20 abr. 2024.

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