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Animais: natureza jurídica. Objetos ou sujeitos de direito?

Animais domésticos e guarda compartilhada

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01/04/2020 às 13:25

Resumo:

Resumo de Direito dos Animais


  • Os animais são reconhecidos não apenas como objetos do direito, mas também como sujeitos de direito em algumas jurisdições, refletindo uma evolução nas normas legais e na percepção social sobre o bem-estar animal.

  • Legislações internacionais e nacionais têm avançado no sentido de proteger os animais de maus tratos e crueldade, reconhecendo sua senciência e necessidade de proteção legal.

  • Questões como guarda compartilhada de animais domésticos em casos de separação de casais estão sendo consideradas pelos tribunais, indicando um reconhecimento da relação afetiva entre humanos e animais e a importância do bem-estar animal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

6. PROTEÇÃO INTERNACIONAL. O “Tratado Constitutivo da Comunidade Europeia”, realizado em Roma, em 1957, teve anexado ao seu texto o Protocolo n. 33, que assentou, como regra, observar a proteção e respeito do bem estar dos animais como seres sensíveis (1997).

O “Tratado de Lisboa ou Tratado Reformador”, de 13.12.2007, com vigência a partir de 1º.12.2009, emendou o Tratado da União Europeia (Maastricht,1992)  E o Tratado que estabeleceu a Comunidade Europeia (Roma, 25 de março de 1957), passando esse último à renomeação de Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Nas Disposições de Aplicação Geral, do Título II, desse último, consta no

“Art. 13º. – Na definição e aplicação das políticas da União (omissis) a União e os Estados Membros terão plenamente em conta as exigências em matéria de bem estar dos animais, enquanto seres sensíveis (omissis)”. (In: http://bit.ly/Gzwfkn;  Diário Oficial da União Europeia, 30.3.2010, c 83/47).

A “Declaração Universal dos Direitos dos Animais”, proclamada pela Liga Internacional dos direitos dos Animais, em 15 de outubro de 1978, em Paris, no seu preâmbulo, é firme ao reconhecer que todo animal, como ser vivo, possui direitos naturais, como o direito à vida e o direito de ser respeitado. Elenca, entre outros, o direito  à existência e aos cuidados e à proteção do homem, não podendo ser submetido a maus tratos nem a atos cruéis; sendo seu abate necessário, que seja sem dor e de modo  a não provocar angústia. Em seu artigo 7º, Declara que

 Todo Ato que implique a morte de um animal sem necessidade é um crime contra a vida.

Em seu artigo 9.1 acentua:  “La personnalité  juridique de l’animal et ses droits doivent être reconnus par la loi”.  (Cf.  http://www.fondation-droit-animal.org).


 7. ANIMAIS DOMÉSTICOS. Os animais, especialmente os domésticos, são seres viventes, sencientes, capazes de sentir e demonstrar sensações, dotados de  capacidade, ainda que pequena, de entendimento, de compreender a significação de suas ações em seu ambiente, como também capacidade de querer, significando que podem controlar seus impulsos, obedecer ordens, reagir a estímulos, etc. Senciente é aquele que recebe impressões; percebe pelos sentidos. Observando-se esses animais, mais próximos do homem, não há como recusar essa afirmação.

São incontáveis e emocionantes os casos de animais caseiros, demonstrativos de grandes sentimentos e ligação para com as pessoas com quem convivem; os exemplos mais notáveis são sobre cães que parecem ser os mais evoluídos. Na película “Sempre ao seu Lado”, de 2009, foi levada às nossas telas um historia verídica, ocorrida no Japão, onde um professor universitário era sempre esperado, diariamente, na estação de trem,  quando do retorno do trabalho, por seu cão. Um dia o professor teve  morte súbita e não retornou no trem, mas o cão continuou todos os dias lá a esperá-lo, ganhando dos habitantes  da cidade uma estátua em homenagem àquela amizade e devoção pelo dono.

Teriam alma os animais. É uma indagação que se faz. Não nos compete adentrar, com base nos sentimentos e percepções dos animais, em discussões religiosas. No entanto, não podemos deixar de registrar estudo científico que envolve fenômenos supranormais sobre o tema.

Ernesto Bozzano , discípulo de Herbert Spencer  (filosofia evolucionista das espécies), foi filósofo e pesquisador italiano sobre os referidos fenômenos, no início do século XX. De formação positivista, realizou seus estudos sempre com o uso do método experimental. Segue parte de suas conclusões arrematadas na obra “Gli  Animali Hanno Alma?” ( Trad. Francisco Klörs Werneck. Rio Janeiro: Ed. Lachâtre, 4ª. ed., 2000, p. 155). Sua tese

“consiste em um primeiro ensaio para demonstrar, por um método científico, a sobrevivência da psique animal”, após a morte. “...a existência de faculdades supranormais na subconsciência animal, existência suficientemente comprovada pelos casos que expusemos, constitui uma boa prova em favor da ‘psique’ animal”. (Seu trabalho  prendeu-se aos animais mais próximos ao homem).

  Destacamos que nosso estudo é resumido, não se tratando de tema novo,  e  o direito brasileiro deve debruçar-se sobre ele. Se, em relação aos animais, ainda há ausência de firmeza nas afirmações ou posturas jurídicas para novos paradigmas, o que será então quando  estivermos engajados e submetidos à regência de relações, envolvendo a Inteligência Artificial,  rumo sem volta no evolver da nossa sociedade, onde a ciência evolui com estrondosa rapidez, criando situações inconcebíveis anteriormente,  e o homem se vê atarantado frente à alta tecnologia?

“Assim, os robôs, (omissis) mostram-se aptos, num futuro próximo, a adaptar-se a situações distintas e inesperadas, como fazem as pessoas”. “...essa é uma das habilidades  que a inteligência artificial precisará adquirir – assim como a de criação artística e a de simular emoções – antes de se considerar que os androides pensem como nós e, quem sabe, possam até ter os mesmos direitos e deveres na sociedade, como se fossem cidadãos de pele artificial” (Revista Veja. Ed. Abril, edição n. 2555, de 8.11.2017, p. 88).


8. O ANIMAL DOMÉSTICO NA CONVIVÊNCIA FAMILIAR. Os animais domésticos, principalmente os mais atentos ao ser humano, como cães e gatos, passam a integrar a família. Alguns são, como comprovado pela ciência, eficientes companhias para crianças, pessoas idosas ou portadoras de enfermidades, e as auxiliam, com esse relacionamento, na melhora dos sintomas enfermiços.

Enquanto a família se mantém coesa, tudo transcorre normalmente. Contudo, no caso de desfazimento da sociedade conjugal (art. 1571, código civil), podem surgir situações delicadas, sendo que as partes não conseguem solucioná-las, remetendo a matéria para o juízo. Com quem permaneceria o cão da família? Os cônjuges deverão ter bom senso e praticar algum ato de renúncia, normalmente  trazido pelas  dissoluções de vínculos, em geral.

A) Do ângulo exclusivo dos sujeitos, a análise se voltará para aquele que mais se dedica, cuida, trata do animal, OU  que desse necessita. B) Mas se voltarmos o olhar para o ângulo do animal, o que deverá também ser feito, a quem restaria a guarda ou posse, indagando-se a quem o animal (um cão, v.g.) está mais afeiçoado.

Pensamos que não é mais de se apoiar a doutrina de que o animal é uma coisa. Ser sujeito de uma vida abrange o humano e o não humano.  OU se aceita a teoria de que ele é sujeito de  uma vida,  sujeito de direito,  uma pessoa não humana, um ser senciente, como defendeu a Liga Internacional dos Direitos dos Animais, bem como o Código Civil Francês, cujo artigo 515-14 foi alterado pela Lei n. 177, de 16.2.2015, art. 2º., para incluir os animais como seres vivos dotados de sensibilidade.

OU se incluem os animais em outra categoria de seres especiais `a parte, protegidos por estatutos ou dispositivos  normativos especiais, excluindo-os das COISAS, matéria a ser debatida prévia e exaustivamente pela doutrina.  Em ambos os casos, conforme as circunstâncias, haveria de ser tomada, também, a decisão da guarda mais favorável a eles, mesmo não os reconhecendo no patamar jurídico do homem.

O eminente Senador Antônio Anastasia, jurista nacionalmente reconhecido,  apresentou Proposta ao Senado Federal ( Projeto de Lei n. 351, de 2015),  que altera os artigos 82, e inciso IV ao artigo 83, da Lei n. 10.406, de 10.1.2002 (Código Civil), para determinar que os animais não são considerados coisas  , mas BENS, porquanto esses podem ser materiais e imateriais.  Na Câmara dos Deputados, recebeu o n. PL 3670/2015, onde se encontra em tramitação.

Consta na sua Justificação:

“Não obstante a proposta que ora submetemos não se alinhe com a legislação francesa, consideramos que a medida é um grande passo para uma mudança de paradigma jurídico em relação aos animais, mesmo os tratando como bens”.

Observou que o Código Civil Suíço, artigo 641 a, o Alemão (§ 90ª) e o Austríaco (art. 285ª) reconhecem os animais como categoria intermediária entre coisas e pessoas.  Declaram que eles não são coisas.

Na Itália, a Lei de 4 de novembro de 2010, n. 201, ratificou a Convenção Europeia para Proteção dos Animais de Companhia/domésticos, realizada em Strasburgo, em 13.11.1987. O artigo 3º. dessa última  traça dentre os princípios fundamentais para o bem estar dos animais:

“1.Ninguém causará inutilmente dor, sofrimento ou angústia a um animal de companhia”.

2. Ninguém deve abandonar um animal de companhia” (doméstico).

O artigo 1º do capítulo I conceitua o animal de companhia:

“qualquer animal possuído ou destinado a ser possuído pelo homem, designadamente em sua casa, para seu  entretenimento e enquanto companhia.”

Evocando esses preceitos jurídicos, o Tribunal de Milão, IX Seção Civil, asseverou que “O sentimento pelos animais tem proteção constitucional e reconhecimento europeu, pelo que deve ser reconhecido um verdadeiro e próprio direito subjetivo ao animal de companhia (Trib. Varese,  decreto 7 de dezembro de 2001)”. Afirmou que o animal  “não pode mais ser colocado na área semântica conceitual das coisas”, mas deve ser reconhecido como ser senciente, como consta no Tratado de Lisboa. Com essa natureza, “é legítima faculdade dos cônjuges de regular a permanência perto de uma ou outra habitação, e a modalidade que cada um dos proprietários deve ter à manutenção dele” (Cf. r. Marani S., Gli animali non sono cose. In: https://www.studiofontaine.it/attualita/448/diritto-civile).


9. GUARDA COMPARTILHADA. Não havendo concordância dos cônjuges quanto à questão, no caso de divórcio ou separação, qualquer que seja a modalidade, a guarda do animal, buscando equilibrar o sentimento desse  quanto daqueles, pode ser compartilhada, nos termos da Lei brasileira n. 13.058, de 22.12.2014, que altera os artigos 1.583, 1584, 1585 e 1634, do vigente Código Civil. A quanto está autorizado o julgador pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LIC- Dec. N. 4.654/1942, que teve sua terminologia alterada com a vigência da Lei n. 12.376, de 30.12.2010), art. 4º, :

“Quando a Lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”.

Se uma das partes não tem ou não dispõe de tempo para  o exercício da guarda compartilhada, poderá ser-lhe assegurado o direito de visitas (art. 1589, C. Civil).

O recente Código Civil e Comercial Argentino  (Lei n. 26.994/2015), em seu artigo 227, mantém a natureza jurídica do semovente como coisa, tal como fizeram seu antecessor e nossos Códigos Civis.

Contudo, o STJ Argentino, em 18.12.2014, concedeu “habeas corpus” em favor de um orangotongo, impetrado pela ONG AFADA,  para que tivesse uma vida  de bem estar, longe de maus tratos. Não a considerou como coisa, nos termos do recente código civil, mas invocando a Lei Penal n. 14.346/1954, que pune aquele que causa dano, maltrata o animal (art. 183). O Tribunal decretou que “ a partir de uma interpretación jurídica dinámica y no estática, reconocer al animal el carácter de sujeto de derechos, pues los sujetos no humanos (animales) son titulares de derechos, por lo que se impone su protección em el ámbito competencial correspondiente”. (Cf. www.adda.or.ar).

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No Brasil,  também encontramos decisuns sobre animais, mas em casos  nos quais  se discute a posse, ou seja, o animal como objeto do direito. Ainda assim, a situação fática, o bem estar deles foram levados em conta. No REsp n. 14.25943/RN, j. em 02.09.2014, Rel. Min. Herman Benjamin, cuidou-se de Ação Ordinária com pedido de Tutela Antecipada contra ato de apreensão de duas araras, que se encontravam por mais de vinte anos em poder do Recorrido, sendo bem cuidadas, não sofrendo maus tratos, e integradas no convívio familiar e no ambiente doméstico. O retorno delas ao habitat natural era de questionável adaptação, causando-lhes mais prejuízos do que benefícios. Considerou a  Segunda Turma do STJ inexistência de violação do artigo 1º, Lei nº 5.197/1997 (os animais que vivem fora do cativeiro são  de propriedade do Estado- Lei que Protege a Fauna), e não aplicação do artigo 25, da Lei nº 9.605/1998 ( apreensão do produto objeto da infração – Lei que dispõe sobre os Crimes contra o Meio Ambiente).

No mesmo sentido alinha-se o AgRg nº 2014/0130914-6 no REsp nº. 1457447/CE, j. em 16.12.2014, Rel. Min. Sérgio Kukina. Tratava o caso de Mandado de Segurança Preventivo, ajuizado pelo possuidor de papagaios, que se encontravam no ambiente doméstico por mais de dez anos. Ressaltou o julgado que aquela Corte “já se manifestou pela aplicação do princípio da razoabilidade em casos similares, relacionados a aves criadas por longo período em ambiente doméstico, sem qualquer indício de maus tratos ou risco de extinção.” (Cf. www.stj.jus.br).

 Seria um tresloucamento jurídico a incidência normativa dessa  Lei sobre a guarda compartilhada de pessoas aos animais? Pensamos que não. Mesmo porque, ainda que não invocada tal norma legal, os critérios ali contidos poderiam ser aplicados pelo julgador, tomando-os como diretrizes.

Após a finalização do presente texto, o STJ pronunciou-se sobre o direito de visitas de animal de estimação pelo ex companheiro, no Resp. n. 1713167, j. em 19.6.2018, tendo como Relator o Min. Luis Felipe Salomão. O TJSP reconheceu, em face da omissão legislativa, com fulcro na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, arts. 4º. e 5º., o direito de visitas ao cão, com aplicação analógica do instituto da guarda de menores, reconhecendo a relação afetiva entre pessoas e animais.

No Resp. citado, foi mantido o direito de visitas por maioria de votos. Enfatizou o Relator que não se tratava de humanizar o animal nem equipará-lo com a guarda de filhos, mas reconheceu-o como merecedor de tratamento especial, tanto sob o enfoque da afetividade, quanto em conformidade com o artigo 225, CR (preservação ambiental). (Cf. https://www2.stj.jus.gov.br).

No REsp n. 1.797.175/SP, j. em 21.3.2019, discutiu-se a manutenção em cativeiro e maus tratos a um papagaio. O Ministro Relator, Og Fernandes, enfatizou em seu voto:

“Assim, qualquer vedação à prática de “coisificação” não deve, em princípio, ser limitada à vida humana, mas sim ter o seu espectro ampliado para contemplar também outras formas de vida”. (https://www2.stj.jus.gov.br).

Já se nota que um passo importante foi dado na debatida matéria. A recusa da aplicação da guarda compartilhada não é de se estranhar, eis que é uma Lei de 2014 e ainda não houve discussão doutrinária suficiente para respaldo de seu acolhimento, principalmente pelo Judiciário.

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Sobre a autora
Aparecida I. Amarante

Procuradora do Estado de Minas Gerais. Ex-professora-adjunta de Direito da UFMG. Doutora em Direito Civil. Escritora.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARANTE, Aparecida I.. Animais: natureza jurídica. Objetos ou sujeitos de direito?: Animais domésticos e guarda compartilhada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6118, 1 abr. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/80277. Acesso em: 25 dez. 2024.

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