Capa da publicação Claraboia não é teto: a questão do teto constitucional para juízes e promotores
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Claraboia não é teto

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28/03/2020 às 17:30
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III – O TETO CONSTITUCIONAL

 Mas, afinal, qual é o teto constitucional?

Impressionam-me os argumentos utilizados pelo Desembargador Francisco Wildo, no julgamento da AC 530.936, DJe de 1º de dezembro de 2011.

Ali se diz que na esteira de precedente do Supremo Tribunal Federal, do que foi julgado no MS 24.875 – DF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 11 de maio de 2006, entendeu-se que a norma do artigo 9º do ADCT ao não determinar expressamente a supressão das vantagens incorporadas à remuneração anteriormente e fazer simples remissão à norma de caráter transitório de eficácia exaurida(artigo 17 do ADCT) – não pode levar à conclusão de que os servidores devem ser submeter à redução de seus vencimentos. Para se impor o restabelecimento da diferença remuneratória suprimida, seria desnecessária ainda a declaração de inconstitucionalidade do artigo 9º da Emenda Constitucional 41/03, bastando seguir os passos perfilhados pelo Supremo Tribunal Federal naquele julgamento, que trazia questão relativa à inclusão das vantagens pessoais no teto remuneratório instituído pelo artigo 37, XI, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional 41/2003, nele computadas as vantagens pessoais do ocupante do cargo, função ou empregos públicos, assegurando-se, porém, a irredutibilidade da remuneração anterior licitamente incorporada, até que seja absorvida pelos reajustes posteriores à emenda. Nesse sentido a conclusão que se tem de julgamento no MS 87. 834, julgado pelo Pleno do Egrégio TRF – 5, por maioria, Relator Ministro Manoel Erhardt, julgado em 27 de maio de 2009.

Mas, data vênia, o raciocínio jurídico submete o tratamento da norma constitucional a uma hipótese de aquisição de direitos, quando se trata de reconhecimento de uma instituição em geral, que se deve sempre supor, antes que se possa cogitar de sua aplicação a um indivíduo, ou da transformação de uma instituição de direito em relação de direito. Não se trata de aquisição de direitos, vínculo que liga um direito a um indivíduo. Trata-se do reconhecimento de uma instituição: regime jurídico.  

Considero, pois, que é induvidoso que somente até o advento da EC 41/03, subsistia o direito ao não comprometimento das vantagens pessoais para fins de cálculo de abatimento no teto remuneratório. Com a mudança do regime jurídico, não é permitido o abatimento dos valores referentes a vantagens pessoais do teto remuneratório. 

Data vênia de entendimento contrário, poderão ser excluídas dos limites máximos no novo regime constitucional, as chamadas indenizações. Digo isso, uma vez que elas são valores que não integram a remuneração do agente público, constituindo valores pagos de maneira eventual, como diárias de viagens, sendo: eventuais; isoladas, compensatórias, referenciadas a fatos e não a pessoas.

Assim, são exemplo de indenizações que poderiam ser pagas como valores acima do teto: diárias, ajuda de custo de mudança, auxílio-moradia, remuneração de serviço extraordinário, gratificações eleitorais, que são parcelas recebidas em caráter compensatório por agentes em função especial temporária, de forma paralela ao exercício de função permanente, sem possibilidade de incorporação aos proventos, vencimentos ou subsídios. Fácil entender que parcelas como diárias, ajuda de custo de mudança, auxílio-moradia, como se lê são parcelas que não podem ser recebidas pelo inativo, assim como férias, sob pena de afronta à razoabilidade empírica.

A norma do artigo 37, XI, da Constituição aplica-se aos Estados-membros, Municípios,  uma vez que estamos diante de princípios constitucionais que, como bem explicou Raul Machado Horta (A autonomia do Estado-Membro no Direito Constitucional Brasileiro, Belo Horizonte, 1964, pág. 225),limitam a autonomia organizatória dos Estados, na medida em que são regras que revelam, previamente, a matéria da sua organização e as normas constitucionais de caráter vedatório, bem como princípios de organização política, social e econômica, que determinam o retraimento da autonomia estadual, cuja identificação reclama uma pesquisa ao texto da Constituição.

Estamos diante de limitações explícitas ou implícitas  que a Constituição Federal apresenta aos Estados Membros, aos Municípios e ao Distrito Federal e que podem ser vedatórias ou  mandatórias.

São o que José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, ed. RT,  5ª edição, pág. 515) chama de princípios constitucionais estabelecidos.

As limitações de natureza mandatórias consistem em disposições que, de maneira explícita e direta, determinam aos Estados a observância de princípios de sorte que na sua organização administrativa hão de adotá-los. Aos Estados não mais resta que transcrever, em toda a sua essência, os princípios referenciados nos artigos 37 a 41 da Constituição Federal, tendo ainda que segui-los sob pena de uma atuação inconstitucional.

 Não estamos, repito, diante de regras concernentes à aquisição de direitos ou sua perda ou dissolução de relações de direitos, mas de regime jurídico.

Em diversos julgamentos, dentre os quais, destaco, por fim, o ARE 75166 AgR/AP, Ag. Reg. no Recurso Extraordinário com Agravo, Relatora Ministra Cármen Lúcia, julgamento de 13 de agosto de 2013, Segunda Turma, DJe de 30 de agosto de 2013, confirmou-se posição cediça no sentido de que há inexistência de direito adquirido à regime jurídico.  

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IV – A POSIÇÃO DO STF

Veja-se o que foi dito pelo STF no julgamento do MS 29.124.

O ministro Gilmar Mendes afirmou na decisão que o Supremo tem entendimento pacificado sobre a eficácia imediata do teto remuneratório imposto pela Emenda Constitucional (EC) 41/2003.

 Explicou que o plenário do Supremo, ao julgar o Recurso Extraordinário 609.381 (com repercussão geral), garantiu que a incidência do teto remuneratório da EC 41/2003 é imediata e sem ressalvas, atingindo qualquer valor além do limite.

O Plenário do STF, ao apreciar o RE-RG 609.381, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe 11.12.2014, processo paradigma da repercussão geral, assentou que a incidência do teto remuneratório da EC 41/03 é imediata e sem ressalvas, atingindo quaisquer valores além do limite, sem que haja violação da irredutibilidade de vencimentos e do direito adquirido ao montante. Confira-se a ementa:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TETO DE RETRIBUIÇÃO. EMENDA CONSTITUCIONAL 41/03. EFICÁCIA IMEDIATA DOS LIMITES MÁXIMOS NELA FIXADOS. EXCESSOS. PERCEPÇÃO NÃO RESPALDADA PELA GARANTIA DA IRREDUTIBILIDADE.

1. O teto de retribuição estabelecido pela Emenda Constitucional 41/03 possui eficácia imediata, submetendo às referências de valor máximo nele discriminadas todas as verbas de natureza remuneratória percebidas pelos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior.

2. A observância da norma de teto de retribuição representa verdadeira condição de legitimidade para o pagamento das remunerações no serviço público. Os valores que ultrapassam os limites préestabelecidos para cada nível federativo na Constituição Federal constituem excesso cujo pagamento não pode ser reclamado com amparo na garantia da irredutibilidade de vencimentos.

3. A incidência da garantia constitucional da irredutibilidade exige a presença cumulativa de pelo menos dois requisitos: (a) que o padrão remuneratório nominal tenha sido obtido conforme o direito, e não de maneira ilícita, ainda que por equívoco da Administração Pública; e (b) que o padrão remuneratório nominal esteja compreendido dentro do limite máximo pré-definido pela Constituição Federal. O pagamento de remunerações superiores aos tetos de retribuição de cada um dos níveis federativos traduz exemplo de violação qualificada do texto constitucional.

4. Recurso extraordinário provido”.

Sobre o pagamento das diárias tem-se que a sua  percepção só é possível quando não houver outra parcela destinada a compensar os gastos com deslocamento, sob pena de pagamento em duplicidade e enriquecimento ilícito por parte dos agentes públicos.


VI – CONCLUSÕES

É mister enfrentar, dentro do Ministério Público e do Poder Judiciário, o grave problema da necessidade de “cortar” diárias com relação a eventuais serviços prestados. Diárias deverão ser pagas apenas e precipuamente na necessidade da Administração, à luz do princípio da supremacia do interesse público.

Indenizações pagas que passam a ser valor fixado no contracheque e pagas juntos aos subsídios, esses sim a parcela que deve receber o agente público ativo e inativo, devem ser objeto de “corte”. São pseudodireitos adquiridos que devem ser cotados.

Afinal, teto não é “claraboia”. Teto é limite. Ou então, o próprio Judiciário e o Parquet, a serviço de corporações, vão agir contra a Constituição, a quem cabe velar, ficando expostos à desmoralização pela sociedade. 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Claraboia não é teto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6114, 28 mar. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/80362. Acesso em: 25 abr. 2024.

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