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Coronavírus e o direito privado: o boom de ações revisionais

24/03/2020 às 16:06
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Em que medida contratos poderão ser revistos por conta da pandemia que está sendo apontada no mundo todo.

Por mais que exista um debate ideológico em torno da ideia de haver, ou não, uma conspiração da economia chinesa em torno da fabricação de pandemias a cada cinco ou seis anos (um certo plano plurianual bem aos moldes de uma economia tecnicamente socialista - Kevin Williamson) para alterar um cenário amplamente desfavorável após a guerra comercial travada com os Estados Unidos, um fato parece inegável: A pandemia se tornou global.

Por óbvio, se for comprovado o propósito de um país no cenário atual, isso implicaria em situação de crimes contra a humanidade a ser aferida pela ONU, eis que se estaria lançando armas biológicas contra população civil em escala global - situação que deve, no entanto, ser previamente aferida.

O impacto da disseminação da doença nas relações econômicas é intenso. Quando pessoas acabam ficando em casa, por fatos inevitáveis e imprevisíveis, como se tem neste caso específico, estar-se-ia diante do que se tem pontuado como situações de caso fortuito (a fortuity norte americana) e de força maior (Act of God igualmente na Common Law) - se alguém fica doente porque foi na balada do hospital da quarentena, colabora em grande medida para o fato rompendo com liames de imprevisibilidade - daí que se deve, num primeiro momento, ficar atento ao comportamento do agente para caracterizar seu comportamento como fortuito, força maior ou nada disso - essa a premissa inicial.

Num segundo momento, tem-se que o artigo 393 e seu parágrafo único CC estabelece que o contrato pode ter previamente estabelecido quem arcaria com o risco do negócio em situação de caso fortuito ou força maior.

Aí também temos que aferir se tal cláusula seria válida ou não (em uma relação de consumo em contrato de adesão em que esta cláusula não esteja prevista com clareza ou destaque, ou em contrato de adesão todo redigido em fonte arial 14 essa cláusula em times new roman 5 geraria problemas como aponto nas aulas de contrato para meus alunos - e aproveito para saudar neste artigo o pessoal da Unitá, da Unip, da ESD e da Uniararas FHO).

Observe-se que num quadro de pandemia e ordem do Poder Público para que pessoas fiquem em casa - tem-se que contratos de trabalho serão impactados, mas igualmente o serão contratos privados como, por exemplo, os contratos de ensino em escolas particulares.

Estabelecimentos que não suspendam as suas aulas e tenham a infelicidade de terem um aluno infectado, poderão sofrer o risco de acionamento por danos materiais e morais (seria difícil, senão impossível, comprovar como fato impeditivo do autor que o aluno se infectou em outro local - ainda mais se o estabelecimento está indo contra a maré dos fatos notórios e das recomendações dos órgãos de saúde e do Poder Público - o mesmo se diga mutatis mutandi dos empregadores que não concedam férias ou paralisações ou não adotem precauções efetivas em relação a tanto).

No entanto, esses estabelecimentos de ensino, por exemplo, deverão depois repor as aulas para recompor a carga horária prevista pelo MEC dentro da LDBE - Lei de Diretrizes e Bases da Educação ou deverão estabelecer estratégias de complementação destas horas com atividades em plataformas online, por exemplo.

Setores como o de saúde possivelmente verão seus gastos aumentarem exponencialmente (por qualquer sintoma as consultas aos médicos aumentarão aumentando o custo do produto ou a sinistralidade - palavra que as operadoras gostam de utilizar para justificar aumentos anuais de mensalidades) sendo certo que haverá, por certo, grande número de demandas para obter acesso a tratamentos e leitos se o número de infectados aumentar nas proporções que se tem verificado na Europa - em tese, serão casos de urgência e emergência que deverão ser atendidos pelos planos que não se poderão escusar de atender aos segurados.

Se houver grande demanda, os planos que se adequem, e já tem dias para buscar ampliar seus quadros de hospitais conveniados e com isso o número de leitos, para evitar que pessoas fiquem sem atendimento - para que a teoria dos grandes números não seja fator de estimulo para a imobilidade destas operadoras de plano de saúde, as indenizações em caso de recusa deverão ser exemplares - exemplary damages, recomendando-se aos lesados que formalizem reclamações no site da ANS (ans.gov.br) para que se apliquem multas que podem atingir gestores e diretores das mesmas operadoras.

Mas, há um efeito ainda mais grave desta crise. Viagens estão sendo desmarcadas por todos que ficarão em casa - imagine-se a crise em setores como lazer e turismo ou mesmo viagens de negócio. Restaurantes, bares e casas noturnas, shoppings centers e locais com previsões regulares de grande fluxo de clientes passarão a sofrer diretamente os impactos desta crise (do mesmo modo, pequenos comerciantes - pense-se na pequena cantina da escola que ficará vinte dias sem movimento, com estoque que não poderá ser vendido, as vezes com prazo de validade e sem poder quitar fornecedores).

E pense-se além, grande número de pequenos empresários não pagam suas dívidas, sendo certo que seus fornecedores não receberão e não pagarão os grandes fornecedores. Todos ficarão com seus negócios seriamente abalados neste período, por fatos imprevisíveis e inevitáveis, que alterarão as equações financeiras dos contratos em curso (quando o dólar sobe muito e a economia sobretudo de commodities tende a se dolarizar, os preços disparam na mesma proporção - ou, no caso do petróleo, acordos entre países fizeram o preço cair sem repercussão no mercado interno o que poderá ocorrer, mas se o preço baixar muito e o consumo aumentar isso impulsionará os preços para cima ou gerará falta de produtos).

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Pelo óbvio que isso prejudicará a produção, afetará o consumo, o que pode prejudicar o número de vagas de empregos a serem disponibilizadas e o próprio nível de investimento. Diz-se isso para aduzir que situações de não cumprimento obrigacional, neste quadro possibilitará a revisão ou extinção de inúmeros contratos a luz da teoria da imprevisão nos termos dos artigos 317 ou do 478 CC (quem já tinha dificuldades em se manter adimplente antes não pode pretender justificar o passado com isso, mas poderá dizer que isso agravou sua situação atual).

Não seria de se esquecer de que a doutrina e a jurisprudência tendem a considerar a ideia de que o princípio da boa-fé objetiva pressuporia um princípio de conservação dos contratos, ideia preferível à da extinção do contrato - de modo que juízes tentarão em demandas deste jaez, como estabelece Enunciado das Jornadas de Direito Civil, a composição para aproveitamento dos contratos.

Com base nesse cenário jurídico, vários bancos privados já se anteciparam e estão anunciando que irão proceder a moratórias de vencimentos de obrigações por devedores afetados pela crise do corona vírus (em sistema de prevenção de um sem número de demandas - como não existe almoço grátis isso não é feito por filantropia ou benemerência mas porque ficará mais caro e oneroso brigar pelo estrito cumprimento do pacta sunt servanda de modo férreo num clima de pandemia global que afeta toda a economia do país como um todo sem contar o número de recuperações judiciais que poderá ser amparado neste tipo de situação).

Isso por exemplo, pode afetar processos já em curso, como se dá, por exemplo, naqueles processos em que há penhoras sobre faturamento, em que a revisão neste período e no período necessário ao soerguimento do negócio ao status quo ante se faça necessário - medida preferível à falência, devendo-se preservar ao máximo a função de todas as empresas.

O momento é grave e, infelizmente, haverá uma situação de grande insegurança econômica que deverá implicar num período subsequente de insegurança jurídica. Para prevenir isso seria interessante que Tribunais, nos julgamentos dos primeiros recursos já fomentem IRDRs e IACs cuidando do tema para dar a baliza e implicar no menor número de demandas isomórficas possível em torno do tema.

Assim havendo desequilíbrio contratual por este fator externo estará aberta a via da modificação da relação jurídica de trato sucessivo – base da teoria da imprevisão, eis que se tem efetivo fator imprevisível e inevitável não imputável ao devedor, que gera situação jurídica extremamente desfavorável para o ambiente negocial abrindo margem para que se lance mão de ações constitutivas revisionais (estimatórias) – consumidores, aliás, tem proteção extra nos termos do artigo  CDC, do que não se pode esquecer.

Mesmo em processos em curso, não se poderia deixar de considerar que a pandemia seria um fato notório – artigo 374 CPC, logo nem precisaria ser comprovado, nem mesmo em relação à sua extensão, sendo certo, ainda, que se cuidaria de fato novo que poderia ser acrescido na discussão eis que relevante para o desate de uma demanda sem ofensa ao princípio da adstrição ao pedido (observe-se seria justamente o caso da exceção prevista no artigo 493 CPC).

Essas as breves reflexões que se pretendia estabelecer.

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Sobre o autor
Julio Cesar Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Faculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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