A realidade histórico-social da mulher é marcada pela desigualdade de gênero, objetificação, submissão ao masculino e violência, consequência da agressiva exteriorização da exacerbada masculinidade. A maior parte da violência física e psicológica que acomete o feminino no Brasil é praticada por seu cônjuge no seio familiar. Conforme expressa Chauí, a violência nem sempre é percebida de imediato, o que permite a estruturalização dessa reprodução.
A violência não é percebida ali mesmo onde se origina e ali mesmo onde se define como violência propriamente dita, isto é, como toda prática e toda idéia que reduza um sujeito à condição de coisa, que viole interior e exteriormente o ser de alguém, que perpetue relações sociais de profunda desigualdade econômica, social e cultural. Mais do que isso, a sociedade não percebe que as próprias explicações oferecidas são violentas porque está cega ao lugar efetivo da produção da violência, isto é, a estrutura da sociedade brasileira. (CHAUÍ, 2003, p. 52)
Em dezembro de 2019 o surto do covid-19 era uma triste ocorrência em Wuhan, na China e, posteriormente, em países europeus. Em fevereiro desde ano o Brasil confirmou os primeiros casos do novo vírus e em março a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a existência de uma pandemia causada pelo covid-19.
O colapso causado pela pandemia trouxe impactos negativos não apenas na economia, mas também nas relações empregatícias, contratuais e sociais, de uma maneira geral. Dentre essas dificuldades acende-se uma luz vermelha também para o crescimento da violência contra a mulher.
As medidas governamentais adotadas pelo Estado brasileiro, para atender as recomendações dos especialistas, incluíram o isolamento social. Passaram a ser proibidos diversos eventos, a fim de evitar aglomerações. Nesse sentido, apenas pessoas que prestam serviços essenciais podem manter a rotina, aos demais, foi recomendado permanecer em casa.
Diante da nova rotina, a mulher tem passado mais tempo em casa e, consequentemente, mais tempo com seu agressor; porquanto, segundo o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, 90% dos casos de violência acontecem na própria casa das vítimas. A Justiça Estadual do Rio de Janeiro divulgou um aumento de 50% nos casos, a partir do momento em que as pessoas passaram a adotar o confinamento.
Apesar de compor a maior frente no combate aos infectados pelo vírus, a figura feminina ainda é quem realiza a maior parte do trabalho não remunerado, esses no âmbito familiar. Assim, como bem questiona a doutora e antropóloga Denise Pimenta (2020): “quem cuida de quem cuida? ”
Visando a proteção dessas mulheres a diretora de políticas do Programa de Divisão Intergovernamental da ONU, Sarah Hendriks, afirma: “A ONU Mulheres está trabalhando com parcerias para garantir que o impacto de gênero da COVID-19 seja levado em consideração nas estratégias de resposta nos níveis nacional, regional e global”. No mesmo sentido a ONU Mulheres emitiu um conjunto de recomendações que trazem à baila a defesa dos direitos femininos. Entre elas estão:
– Garantir a disponibilidade de dados desagregados por sexo, incluindo taxas diferentes de infecção, impactos econômicos diferenciais, carga de atendimento diferenciado e incidência de violência doméstica e abuso sexual;
– Garantir voz igual para as mulheres na tomada de decisões na resposta e no planejamento de impacto a longo prazo;
– Priorizar os serviços de prevenção e resposta à violência de gênero nas comunidades afetadas pela covid-19. (ONU Mulheres, 2020)
No Brasil, o apelo da Ministra Damares Alves, pelas redes sociais, é pela divulgação dos números para denúncia: 180 para denúncias de violência contra a mulher e 100 quando envolver crianças e idosos. Entender que a justificativa de “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher” é violenta é o primeiro passo para inadmitir “o lugar efetivo de produção da violência”.