Resumo: Em meio ao atual cenário patológico causado pelo surgimento do novo coronavírus, covid-19, medidas abusivas propagam-se em detrimento do consumidor. Coloca-se em choque não só o ultraje a todo o ordenamento jurídico, mas também o bem estar social coletivo. Tendo por base esse emblema, pretende-se desenvolver a analise perfunctória de praticas abusivas em consonância com o Código de Defesa do Consumidor .
Palavras chave: Covid-19. Medidas abusivas. Consumidor. Ordenamento jurídico. Bem estar social.
Os hebreus conheceram o instituto do contrato antes da fundação de Roma. Na época do cativeiro de Nínive, Tobias deu emprestado a Gabelo, que residia na cidade de Roges, na Média, dez talentos de prata, e um quirógrafo foi redigido ficando em poder do credor. Quando Sólon pretendeu dar leis escritas aos atenienses, Anacharsis, da Scyntia, disse-lhe que era impossível reprimir, por leis escritas, a injustiça e cupidez dos homens, pois as leis serão para eles como as teias de aranha: deterão os fracos e os pequenos; os poderosos e os ricos as romperão e passarão por meio delas. A isto respondeu Sólon que os homens guardam as convenções que fazem entre si – o que queria dizer que, já a esse tempo, os homens haviam verificado a conveniência de não deixar de cumprir a palavra empenhada, mesmo antes da lei escrita impor sanções para os transgressores das convenções.
1.NOTAS INTRODUTÓRIAS
No atual cenário provocado pelo alastramento progressivo do novo coronavírus, covid-19, surgem impasses que tomam proporções desmedidas que desencadeiam uma verdadeira histeria no mercado financeiro, assim como nas relações consumeristas. Tendo por base os potenciais efeitos emergentes é imprescindível mensurar as implicações nas relações de consumo decorrentes de todo o colapso que paulatinamente vem formando-se.
Nesta perspectiva, é necessário salientar que um leque de medidas coercitivas vem sendo adotadas pelos órgãos reguladores; justamente com o intuito de equilibrar a relação de vulnerabilidade presente entre o consumidor e fornecedor de produtos e serviços.
Entretanto, tem se tornado corriqueira a alta exacerbada em relação à precificação de produtos que constituem a base alimentar de todo o corpo social. Tal fato coloca em risco, principalmente, aqueles que se encontram vulneráveis socioeconomicamente, em virtude da remuneração destes impossibilitar o acompanhamento à escalada dispendiosa.
Com o escopo de reprimir esta prática abusiva agentes fiscalizadores, atendendo ao anseio social, têm intensificado vistorias fazendo repressão a atitudes, como as descritas, reveladoras da capacidade sórdida a que muitos se submetem em busca do enriquecimento vil.
Tendo em vista a embaraçosa conjuntura social, política e econômica vivenciada nestes tempos atribulados o presente artigo, por consequência, visará elencar os dispositivos legais coerentes aos respectivos atos ilícitos promovidos pela iniciativa privada, em detrimento dos interesses difusos e coletivos, que por sua vez são elementos da combustão para propagação do caos e angustia social.
2. DA REPRESSÃO EXERCIDA PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
As medidas fiscalizadoras provenientes pelas leis consumeristas detém a real finalidade de equiparar tanto o sujeito ativo quanto o passivo que compõem a relação de consumo. Por conseguinte o CDC surge no ordenamento jurídico brasileiro tendo por base a real disparidade existente. Tal afirmação é visível na medida em que o coronavirus se dissemina e observa-se a desproporcionalidade no custo de aquisição mercantil.
Fazendo a previsão de tal fato o Código de Defesa do Consumidor de forma explicita veda tais práticas no art.39, inciso v:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
Dessa forma o PROCON, Programa de Proteção e Defesa do Consumidor, através de reiteradas fiscalizações tem exigido a nota fiscal dos últimos três meses com o intuito de constatar a ocorrência de eventual aumento na obtenção dos produtos comercializados, fato que isenta a responsabilidade empresarial, uma vez que os custos de produção devem ser repassados ao consumidor final. Em contrapartida, caso não haja a ocorrência dos fatos supramencionados caberá ao referido órgão realizar o laudo de vistoria e aplicar a devida sanção cabível, assim como determinar que o preço a ser praticado seja o menor praticado nos últimos vinte dias .
A situação presenciada pelo atual mercado é ainda mais grave do que se aparenta, diversos estabelecimentos comerciais tem adotado feitos que colocam em risco a saúde e a segurança do consumidor. Nos últimos tempos em que o álcool em gel tem sido utilizado como elemento de prevenção a contaminação pelo Covid-19,diversos estabelecimentos tem manipulado a substância de forma irregular. Reiteradas vezes há o fracionamento inadequado do produto em embalagens reduzidas, entretanto tais itens não trazem especificações técnicas, que são elementos primordiais ao consumidor, elencado no art. 6º, III do CDC:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
Além dos fatos já descritos, múltiplos estabelecimentos comerciais têm negado o fornecimento de nota fiscal ou cupom fiscal, justamente com o intuito de mascarar os fatos avarentos em que os mesmos são os protagonistas. Entretanto tal conduta é repudiada pelo sistema normativo jurídico brasileiro e constitui crime contra a ordem tributária, como descrito no art.1, V da lei 8137/1990:
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
3.DAS SANÇÕES
A fim de reprimir os atos abusivos praticados em detrimento da sociedade consumerista o CDC apresenta tipos penais com a finalidade de coibir ações como as descritas que instauram o pânico e temor social. Vale destacar, em um primeiro momento, as modalidades de sanções adotadas pelo referido dispositivo legal, abordadas no art. 56º da lei 8078/1990:
Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:
I - multa;
II - apreensão do produto;
III - inutilização do produto;
IV - cassação do registro do produto junto ao órgão competente;
V - proibição de fabricação do produto;
VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço;
VII - suspensão temporária de atividade;
VIII - revogação de concessão ou permissão de uso;
IX - cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;
X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade;
XI - intervenção administrativa;
XII - imposição de contrapropaganda.
Desta feita, o legislador visa garantir efetiva harmonização coibindo ações afrontosas, exercendo poder de coercibilidade sobre aqueles que venham a transgredir os limites legais impostos à relação dependente entre fornecedor e consumidor. Vale destacar que tais medidas não afastam a responsabilidade decorrente da esfera civil e penal.
Como já dito em momento anterior o ordenamento jurídico repudia o lucro excessivo em detrimento do consumidor ,tal fato é previsto no art. 39 ,inciso XIV do CDC .Já o art.65 do mesmo código estabelece a sanção penal cabível ,realizando sua adequação típica.
Art.65 Executar serviço de alto grau de periculosidade, contrariando determinação de autoridade competente:
Pena Detenção de seis meses a dois anos e multa.
§ 2º A prática do disposto no inciso XIV do art. 39 desta Lei também caracteriza o crime previsto no caput deste artigo.
Por se tratar de uma conduta de menor potencial ofensivo, assim definida aquelas cuja pena não ultrapasse o lapso temporal de dois anos, a competência será destinada ao juizado especial criminal, assim admitindo a transação penal e a composição civil dos danos.
Por derradeiro, é notável salientar que ações como estas que se difundem em meio a um precípuo estado de calamidade são vistas pelo sistema normativo como uma circunstancia agravante da pena, analisadas no sistema trifásico da dosimetria da pena de Nelson Hungria. Esta previsão se faz presente no art. 76 do CDC:
Art. 76. São circunstâncias agravantes dos crimes tipificados neste código:
I - serem cometidos em época de grave crise econômica ou por ocasião de calamidade;
II - ocasionarem grave dano individual ou coletivo;
III - dissimular-se a natureza ilícita do procedimento;
IV - quando cometidos:
a) por servidor público, ou por pessoa cuja condição econômico-social seja manifestamente superior à da vítima;
b) em detrimento de operário ou rurícola; de menor de dezoito ou maior de sessenta anos ou de pessoas portadoras de deficiência mental interditadas ou não;
V - serem praticados em operações que envolvam alimentos, medicamentos ou quaisquer outros produtos ou serviços essenciais.
Faz-se necessário esplandecer que a lei 7347/1985 estabelece a ação civil publica em situações em que haja dano envolvendo relações consumeristas coletivas, em razão de toda a situação descrita envolver interesses difusos em que se preconiza o corpo social.
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
II - ao consumidor;
4. CONSIDERAÇOES FINAIS
“Eu não acredito em caridade. Eu acredito em solidariedade. Caridade é tão vertical: vai de cima para baixo. Solidariedade é horizontal: respeita a outra pessoa e aprende com o outro.”
Eduardo Galeano.
Em face de todo o anteposto é evidente que na hipótese de não serem tomadas medidas ostensivas que detenham o intento de frear as contínuas práticas abusivas a população estará submissa a uma onda abrupta da paupérie, desencadeando uma série de problemas sociais, principalmente, no que tange aqueles que vivem a margem da inópia.
É de suma importância pontuar que todos devem agir de forma contributiva para amenizar os efeitos colaterais decorrentes em virtude do temor social, já que a sensação de insegurança atormenta a toda sociedade, em razão não somente das relações de consumo, mas também da angustia provocada pela consciência da fragilidade do sistema publico de saúde que não detém capacidade de abarcar toda a população em casos extremos de transmissão comunitária.
A consciência coletiva no enfrentamento ao novo coronavírus é fato primordial neste momento de enfrentamento, sendo indeclináveis medidas severas que busquem de forma lenta e gradual deter o inimigo que age de forma silenciosa pelas veredas da desolação.
Por fim, o poder público deve agir de forma coesa e sensata adotando medidas preventivas e coercitivas que propiciem a correta adequação às orientações emanadas pelos órgãos da saúde, da mesma forma desenvolver mecanismos para atenuar um possível colapso socioeconômico.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 8078/1990. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em 26 de março de 2020.
BRASIL. Lei nº 8137/1990. Disponível http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8137.htm. Acesso em 26 de março de 2020.
DAIBERT, Jefferson. Dos Contratos. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 03.
Abstract: Amid the current pathological scenario caused by the emergence of the new coronavirus, covid-19, abusive measures spread to the detriment of the consumer. Not only is the outrage of the entire legal system shocked, but also the collective social well-being. Based on this emblem, we intend to develop a perfunctory analysis of abusive practices in line with the Consumer Protection Code.
Keywords: Covid-19. Abusive measures. Consumer. Legal order. Social well-being.