O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) protocolou no fim de março um requerimento à Presidência da República solicitando informações da presença do vereador Carlos Bolsonaro nas reuniões presidenciais sobre o coronavírus, no Palácio do Planalto. De acordo com o parlamentar, ele esteve presente em três teleconferências feitas entre Bolsonaro e os governadores sobre estratégias diante da proliferação da Covid-19. Também há registro de sua participação em uma reunião presencial entre o pai e os ministros do governo.
“Ele não é funcionário contratado, não é ministro, não é nada. Qual a função desse cidadão no Planalto, no governo? Isso precisa ser esclarecido à sociedade”, questiona Valente.
Por sua vez, como informa o site terra, PT e PSDB entraram na Justiça para pedir que o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos) seja obrigado a se afastar do gabinete que ganhou esta semana no Palácio do Planalto, no mesmo andar onde despacha seu pai, o presidente Jair Bolsonaro.
A ação civil pública movida pelo PSDB, na Justiça Federal, pede que a União Federal e o presidente da República desocupem imediatamente qualquer sala utilizada por Carlos. Além disso, seja proibido de usar bens e serviços da União, sob pena de multa diária, e não possa dar ordens a outros agentes, em referência indireta ao Gabinete do Ódio.
O núcleo ideológico do governo, do qual o filho do presidente faria parte, tem ganhado mais espaço durante a crise do coronavírus. Influenciado por Olavo de Carvalho, o grupo cuida das redes sociais do governo.
No texto, o PSDB cita que Carlos ajudou na elaboração do pronunciamento feito pelo presidente no dia 24 de março e tem desempenhado, nas dependências do Palácio do Planalto, atribuições "exclusivas de ocupantes de cargos legalmente investidos para tanto".
No pronunciamento que pegou de surpresa integrantes do Palácio do Planalto, Bolsonaro pediu o fim do "confinamento em massa" diante da escalada da pandemia do coronavírus.
Para evitar danos aos cofres públicos, a ação pede que o juiz antecipe a decisão antes de olhar o mérito da ação civil. "Deve ser concedida a tutela provisória de urgência, determinando as medidas suficientes para a proteção da coisa pública."
Além disso, também pede que, após julgamento, seja encaminhada sentença à Câmara Municipal do Rio de Janeiro para se instaurar procedimento de perda de mandato.
Sob a mesma justificativa, o deputado Rui Falcão (PT-SP) entrou, no mesmo dia 3 de abril, com ação junto à Justiça Federal de Brasília, para que o vereador seja afastado de suas atividades no Palácio Planalto. "A presença dele no Planalto, além de todo o mal que causa dentro e fora do governo, constitui usurpação de função pública e desvio de finalidade", disse o deputado petista.
Ora, determina o artigo 327 do Código Penal:
Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
Parágrafo único. Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal. § 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal. (Parágrafo único renumerado pela Lei nº 6.799, de 1980)
(Revogado)
§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público. (Incluído pela Lei nº 6.799, de 1980)
Haveria usurpação de função pública?
Art. 328 - Usurpar o exercício de função pública:
Pena - detenção, de três meses a dois anos, e multa.
Parágrafo único - Se do fato o agente aufere vantagem:
Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa.
Usurpar significa alcançar sem direito ou com fraude. O objeto de proteção é a função pública.
Função pública é o conjunto de atribuições inerentes ao serviço público, que não correspondem a cargo ou emprego, como ensinou Maria Sylvia Zanella Di Pietro(Direito Administrativo, pág. 421). Pode-se exercer função pública de modo gratuito ou remunerado, pressupondo-se apenas que ela exista na estrutura da Administração Pública.
O verbo usurpar tem o sentido de exercer indevidamente, apoderar-se, tomar. Pune-se o agente que, ilegítima ou indevidamente, assume função pública e executa ato de ofício. É necessário o efetivo exercício da função, não bastando que o agente apenas arroga a si função que não tem.
O elemento subjetivo é o dolo, a vontade de usurpar a função, com consciência da ilegitimidade do exercício. É o dolo genérico. Assim deve agir com consciência de que se age sem direito.
Sendo assim, o crime se configura se o sujeito ativo investe-se e pratica oficio público de forma indevida, arbitrária, sem título legítimo (TJSP, RT 779/549).
Consuma-se o crime com a efetiva prática de algum ato de ofício, independentemente de outro resultado.
Admite-se a tentativa.
É crime formal, comissiva e excepcionalmente comissiva por omissão.
Há uma figura qualificada, inserida no parágrafo único do artigo 328 do CP. Sobre ela falou Fernando Henrique Mendes de Almeida(Dos crimes contra a administração pública, pág. 171): “A lei, é certo, não falou em vantagem indevida. Aliás, seria desnecessário fazê-lo, pois é óbvio que se alguém se arroga qualidade, ofício, ou estado que não lhe diz respeito, toda e qualquer vantagem direta ou indireta, em gênero, ou em espécie, que venha a tirar do fato, é indevida, porque decorre de uma fonte indevida: a fraude ou artifício que levou outro particular a dar-lhe e a origem de tal vantagem num fato que na origem e na sucessão contém vício irremovível”.
A ação penal é pública incondicionada.
Por óbvio, o delito do artigo 328 do Código Penal não se configura sem o ânimo de usurpar(STJ, RHC 2.356-2, DJU de 17 de dezembro de 1992, pág. 24.256).
Mas é indispensável que o agente se passe por exercente de função que realmente exista e pratique atos a ela pertinentes.
Independente disso, insere-se no fato da usurpação uma conduta própria de improbidade, por conta do que determina o artigo 11 da Lei nº 8.429/92. Ademais, caberá representação à Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro para a tomada de providências.