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Fake News e desinformação: extensão, limites e medidas de combate no âmbito do Legislativo Federal

06/04/2020 às 19:40
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Esse artigo trata de forma simples o impacto das Fake News e da desinformação na democracia e sociedade, abordando as ações das empresas de mídias sociais no combate às notícias falsas e as recentes proposições no Legislativo Federal sobre o tema.

A evolução tecnológica trouxe, além da crescente disponibilidade de informações  e meios para propagá-las, uma vasta quantidade de notícias imparciais, manipuladas e falsas.

À propagação dessas informações no meio virtual, tem-se dado o nome de Fake News que, aparentemente inofensivas, difundidas sem qualquer controle, acabam por incentivar a difusão da desinformação, que representa um risco potencial à saúde, segurança e vida dos cidadãos.

Nesse sentido, podemos citar como exemplo as mudanças trazidas durante o período eleitoral, em seguida com a disseminação de desinformação sobre campanhas de vacinação e, atualmente, em razão da pandemia do Covid-19. Para além dos impactos na saúde e economia, tem-se questionado as medidas das plataformas digitais e do legislativo para evitar a disseminação de uma doença há muito instalada em nossa sociedade digital: as Fake News e sua potencial desinformação.

Empresas de mídias sociais como Google, Twitter, Instagram Facebook tem removido de suas plataformas qualquer conteúdo ligado ao tema coronavírus que vá de encontro às diretrizes da Organização Mundial de Saúde e do Ministério da Saúde.

O objetivo dessa remoção é evitar que as divulgações de certos conteúdos falsos, de forma deliberada ou intencional, venham a confundir as pessoas, causando danos potenciais à coletividade, evitando, portanto, que a desinformação provocada por certas publicações acabe por causar danos a um grupo, nicho, organização ou país.

Atitude louvável das plataformas digitais, ao colocarem o bem da vida como imperativo à má utilização da liberdade expressão de seus usuários, o que se questiona, agora, é se essa postura será adotada para além do período de calamidade pública em que vivemos, já que os danos causados pela disseminação de notícias falsas são anteriores à pandemia.

É de dizer que, como as plataformas digitais não haviam, até então, tomado quaisquer atitudes desse gênero (leia-se apagar mensagens - Twitter  - ou colocar um aviso de informação falsa antes da informação publicada, preservando-a - Intsagram.

Veja que é uma responsabilidade social assumida por essas plataformas, a exemplo também do que se vê pelo WhatsApp , desde 2019, conforme declarado por representantes da plataforma, na CPMI das Fake News, que tramita no Congresso Nacional, que quatrocentas mil contas foram banidas em razão do seu comportamento anormal, o que poderia sugerir que elas estariam sendo operadas por robôs, vide os disparos de mensagens em massa na plataforma durante a campanha eleitoral de 2018.

Alguns se perguntariam sobre a criptografia de ponta a ponta e se o comportamente iria de encontro à liberdade de expressão, mas, no caso, a empresa de aplicações bloqueia as contas baseado no comportamentos dessas e não no conteúdo que propagam. Nesse sentido, vale destacar a literalidade do artigo 19, do Marco Civil da Internet:

 

Art.19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário. (grifo nosso).

 

Apesar de a inteligência desse artigo afastar a responsabilidade das empresas de aplicações, isso não afasta as condutas proativas supramencionadas, com vistas a resguardar direitos e como meio de garantir a democracia pela via digital.

Ou seja, respeitados os termos de uso estabelecidos por cada aplicativo, e da urgência e gravidade da proliferação das Fake News, podemos pensar além e estender essa situação para outras em que o mesmo juízo de valor de proporcionalidade e razoabilidade  possam ser aplicados como forma de coibir a propagação e disseminação de conteúdos falsos, abusivos, implicando nos usuários uma conduta de conscientização e de responsabilidade pelo conteúdo que é produzido e divulgado nas redes.

Nesse sentido, as plataformas não apenas podem como devem agir antecipando-se às decisões judiciais, em conformidade com o artigo 19, do Marco Civil da Internet. Pode-se destacar, outro ponto de avanço é que a justiça pode ser acionada também para que se determine ao WhatsApp o bloqueio integral das contas que propaguem mensagens falsas em massa, bem como o fornecimento de informações atinentes à procedência dessas contas, para que se chegue ao responsável pelo conteúdo ofensivo e, assim, se possa tomar as medidas cíveis e criminais cabíveis contra o responsável e não contra a plataforma - que cumpriria o seu papel ou desativar as contas e fornecer as informações necessárias.

Em conformidade a essas posturas dos termos de uso e regras internas das empresas das aplicações digitais, tem-se os trabalhos no legislativo federal, que vão desde a CPMI das Fake News, até os recentes Projetos de Lei Nº 1429/2020[1], que tramita na Câmara dos Deputados, e o N° 2630/2020[2], que tramita no Senado, e que visam instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, exigindo a verificação de Fake News nas redes sociais, pautados nos seguintes pontos:

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1- Corrigir a informação sem apagar a mentira, para informar os usuários que aquele conteúdo é falso e que dele foram possíveis vítimas;

2- Ajustar os algoritmos de conteúdo para garantir que eles reduzam a visibilidade da desinformação no feed dos usuários, removendo-os das recomendações;

3- Banir contas que atuam como canais de desinformação, colocando em risco a democracia e a vida das pessoas;

4- Os cidadãos devem ter o direito de saber quem pagou por qualquer anúncio e quais foram os critérios usados para selecionar o público-alvo;

5- As plataformas devem informar a quantidade de desinformação encontrada, o número de robôs, contas falsas e as ações tomadas para coibi-los. Essa ação envolve transparência das plataformas

Ainda em processo de discussão, os referidos projetos de lei trazem pontos conflitantes, que vão desde o conceito de desinformação, à prova do dolo na conduta e à responsabilidade das empresas de checagem e das aplicações, o que demonstra que a matéria necessita de um vasto debate entre todos os interessados para que não prejudique empresas e tampouco as garantias dos usuários.

Em tempo de informações massivas, o que tem se visto é que o debate sobre como conduzir a disseminação de notícias falsas e de desinformação é um imperativo. Porém, a discussão não pode ficar apenas no campo político. Tanto os cidadãos, quanto as empresas, as entidades, judiciário e governos precisam ter voz, pois se trata de algo novo que atinge a todos e, por isso, deve ser garantida a transparência, a troca de informações e a segurança nas decisões.

Segundo a primeira agência de fact-checking do Brasil, a Lupa[3], são, hoje 44 (quarenta e quatro) Projetos de Lei tramitando sobre desinformação na Câmara dos Deputados, dentre eles apenas dois possuem o cunho educacional.

Nessa breve análise, o que se observa é que educar o usuário sobre o uso consciente das redes sociais é um imperativo. Desde a checagem da procedência do conteúdo, bem como a recorrer às plataformas para denunciar as informações comprovadamente abusivas e falsas, é preciso ter responsabilidade por aquilo que se compartilha, e um programa educativo de conscientização pode trabalhar em conjunto com as ações ora apresentas, em uma soma eficaz.

 


Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei Nº 12.965, de 23 de abril de 2014, que estabelece os princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em 05 abril 2020.

BRASIL. Projeto de Lei Nº 1429, de 2020, que Institui a Lei Brasileira de Liberdade Responsabilidade e Transparência na Internet. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=B9BC9D90CEA989EA722D0750712FC8D7.proposicoesWebExterno1?codteor=1872575&filename=PL+1429/2020>. Acesso em 04 abril 2020.

ÉPOCA. Após Twitter, Facebook e Instagram excluem vídeo de Bolsonaro por ‘causar danos reais às pessoas’. 30 mar. 2020. Disponível em:< https://epoca.globo.com/brasil/apos-twitter-facebook-instagram-excluem-video-de-bolsonaro-por-causar-danos-reais-as-pessoas-24339642>. Acesso em 01 abril 2020.

ITS Rio. Bots: a era da (des)informação. 8 mai 2018. Disponível em:< https://feed.itsrio.org/bots-a-era-da-des-informa%C3%A7%C3%A3o-ef87458e9603>. Acesso em 01 de abril 2020.

ITS Rio. Oito matérias para você entender bots, fake news e mídias sociais. Disponível em: <https://feed.itsrio.org/oito-mat%C3%A9rias-para-voc%C3%AA-entender-bots-fake-news-e-m%C3%ADdias-sociais-6ef8b9401f39>. Acesso em 05 abril 2020.

KASSAM, Natasha. Disinformation and coronavirus. The Interpreter, 25 mar. 2020. Disponível em: <https://www.lowyinstitute.org/the-interpreter/disinformation-and-coronavirus>. Acesso em 04 abril 2020.

SENADO. Fake News é apenas um dos instrumentos de desinformação, apontam especialistas na CE. 27 nov. 2019. Disponível em:< https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/fake-news-e-apenas-um-dos-instrumentos-de-desinformacao-apontam-especialistas-na-ce>. Acesso em 29 mar 2020.

UNESDOC. Jornalismo, Fake News & Desinformação: Manual para Educação e Treinamento em Jornalismo. Unesco: 2019. Disponível em: <https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000368647>.

UOL Notícias. Twitter exclui 2 posts de Bolsonaro e cita “conteúdos contra saúde públcia”. 29 mar. 2020. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/03/29/twitter-exclui-dois-posts-de-bolsonaro-por-infringir-regras.htm>. Acesso em 05 abril 2020.

VALOR. Brasil é o 1º caso de fake news maciça para influenciar votos, diz OEA. 25 out. 2018. Disponível em: <https://valor.globo.com/politica/noticia/2018/10/25/brasil-e-1o-caso-de-fake-news-macica-para-influenciar-votos-diz-oea.ghtml>. Acesso em 04 abril 2020.

 


[1] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2242713.

[2] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2242713.

[3] Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/.

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Sobre a autora
Carolina Martins Pinto

Pinto, Carolina Martins. Advogada, Pós-Graduada em Direito Administrativo e Constitucional, com Certificação Profissional em Privacidade e Proteção de Dados pela Data Privacy Brasil e EXIN. Consultora em proteção de dados pessoais com experiência prática no setor público e privado, fundadora da Data Assistance, idealizadora e atual Presidente da Comissão de Privacidade e Proteção de Dados da OAB-PI, Membro da Comissão de Direito Digital da OAB-PI e da ANPPD.

Informações sobre o texto

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