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Imposto sobre grandes fortunas em tempos de covid-19

09/04/2020 às 12:55
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Em meio à atual pandemia mundial causada pelo novo coronavírus, o debate a respeito do imposto sobre grandes fortunas volta à tona.

Recentemente, em meio à atual pandemia mundial causada pelo novo coronavírus e a necessidade de o governo obter recursos para o seu combate, concomitantemente com os anseios antigos por uma reforma tributária no Brasil, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) tem surgido novamente em proposições e debates políticos no país.

Previsto pela Constituição Federal de 1988, mas nunca regulamentado, o IGF é um imposto de competência exclusiva da União (Constituição Federal, art. 153, inciso VII), e demanda lei complementar para a sua regulamentação e implementação.

Apesar da grande resistência enfrentada, o tributo é visto como uma potencial fonte de arrecadação para o país, e atualmente tramita em 4 diferentes projetos de lei complementar no Senado Federal, resumidas a seguir, sendo dois deles apresentados após o início da pandemia e a citando como motivo principal das medidas.

O texto apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), o PLS 315/2015, propõe a taxação fixa em 1% sobre as fortunas acima de 50 milhões de reais, sendo possíveis algumas deduções desta base de cálculo, e teria aplicação permanente.

Já a proposta do senador Plínio Valério (PSDB-AM), o PLP 183/2019, também seria permanente mas instituiria alíquotas progressivas entre 0,5% e 1% nos patrimônios acima de 12 mil vezes o limite de isenção do imposto de renda, o que equivaleria a uma base de cálculo de aproximadamente 22 milhões de reais nos dias de hoje.

O PLP 38/2020, de autoria do senador Reguffe (Podemos-DF), propõe taxação de 0,5% às fortunas maiores que 50 mil salários mínimos, enquanto durar o estado de calamidade decretado no país em virtude do COVID-19.

Cabe ressaltar que o IGF somente entraria em vigência no primeiro dia do exercício financeiro seguinte àquele em que for publicada a lei que o instituir (Constituição Federal, art. 150, inciso III, b). Trata-se do princípio da anterioridade de exercício aplicado aos tributos. Os 3 projetos supracitados teriam de respeitar este princípio e não teriam efeito imediato na arrecadação, mas somente a partir do próximo ano.

Excetua-se desse princípio, entretanto, outro tributo previsto na Carta Magna: o Empréstimo Compulsório para atender a despesas de guerra externa, sua iminência ou calamidade pública (Constituição Federal, art. 148, inciso I). Vale lembrar que o estado de calamidade está decretado no país até 31 de dezembro de 2020, em virtude da pandemia do novo coronavírus, o que abre a possibilidade à aplicação do Empréstimo Compulsório.

Neste ponto que o PLP 50/2020, de autoria da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), se sustenta. Além de propor a instituição do IGF, com alíquotas progressivas entre 0,5% e 1% sobre patrimônios acima de 22 milhões de reais (12 mil vezes o limite de isenção do imposto de renda), enquanto durar o teto de gastos da Constituição Federal, o texto também prevê o Empréstimo Compulsório a uma alíquota de 4% aplicada sobre a mesma base de cálculo do imposto que a senadora propõe. A arrecadação aos cofres públicos seria imediata, no entanto os valores do empréstimo deverão ser devolvidos aos contribuintes no futuro, neste caso a partir de 2021 segundo o PLP.

Tais projetos em tramitação não fogem muito do ponto de vista teórico. Um estudo divulgado por entidades de auditores-fiscais no Brasil em março de 2020, já após a pandemia e como medida para o enfrentamento desta, sugere a implantação do IGF permanente, e de Empréstimo Compulsório sobre a mesma base, este ainda em 2020. O estudo propõe a aplicação de alíquotas progressivas de até 3% (com o objetivo de se alcançar uma alíquota média de 2,5%) sobre patrimônios acima de 20 milhões de reais. Estima-se desta forma uma arrecadação de 30 e 40 bilhões de reais, valor que equivale a cerca de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2019.

Ainda que o tema esteja em evidência nos últimos dias, o IGF nunca foi unanimidade nos debates. Podem ser destacados como pontos contrários à sua implantação:

  • A tributação progressiva da renda pelo Imposto de Renda seria suficiente para desestimular o acúmulo desproporcional de riqueza, sendo a aplicação do IGF uma bitributação, pois a renda já teria sido tributada antes de ser acumulada.
  • O IGF estimularia a evasão fiscal (sonegação), através da não declaração ou subvaloração de bens. Estimularia também a elisão fiscal (planejamento tributário artificial nas “brechas” na lei), através da transferência de bens e patrimônios entre pessoas.
  • A incidência do IGF, caso aplicado às pessoas jurídicas, desestimularia o investimento. Já em pessoas físicas, teria sentido contrário à poupança e ao empreendedorismo. Causaria também a fuga de capitais no mercado financeiro.

Já os que defendem o IGF podem destacar como seus pontos favoráveis:

  • Aumento na isonomia do sistema tributário, tratando igualmente os iguais, e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.
  • Períodos pregressos de baixa tributação sobre o patrimônio permitiram um acúmulo de riquezas desproporcional, sendo somente a progressividade do Imposto de Renda insuficiente para corrigir tal distorção.
  • Disponibilidade do uso de tecnologia da informação avançada e sistemas de blockchain para verificação de preços de transferência e de valoração de bens, a fim de se evitar a evasão e a elisão fiscais.
  • 8% de alíquota máxima do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), considerada baixa se comparada com outros países, propiciando um usufruto prolongado entre gerações das fortunas acumuladas.

Ainda que o tema seja controverso, é possível aproveitar o momento atravessado atualmente para que uma reforma tributária seja muito mais ampla que apenas a implementação do IGF. Um reforma que seja mais solidária e isonômica, a fim de que o Brasil supere as dificuldades que já possuía, agravadas com a crise provocada pelo COVID-19.


Referências

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/27/senado-debate-quatro-propostas-de-imposto-sobre-grandes-fortunas

http://www.fenafisco.org.br/images/bandeiras/Carta.entidades.final.pdf?_t=1585080521

https://nathaliafazan.jusbrasil.com.br/artigos/310144977/igf-imposto-sobre-grandes-fortunas

http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39581/obrigatoriedade-da-uniao-de-instituir-imposto-sobre-grandes-fortunas

https://jus.com.br/artigos/17656/imposto-sobre-grandes-fortunas-um-estudo-critico/2

https://jus.com.br/artigos/10977/o-imposto-sobre-grandes-fortunas

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Sobre o autor
Rafael Laska Domingues

Servidor Público Federal na Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DOMINGUES, Rafael Laska. Imposto sobre grandes fortunas em tempos de covid-19. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6126, 9 abr. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/80996. Acesso em: 22 nov. 2024.

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