Poderes e competência do município nos casos de matérias de seu especial interesse

09/04/2020 às 17:41

Resumo:


  • O artigo 30 da Constituição Federal confere aos municípios competências para legislar sobre assuntos de interesse local, suplementar a legislação federal e estadual, instituir e arrecadar tributos próprios, entre outras prerrogativas.

  • O Supremo Tribunal Federal (STF) possui entendimento consolidado de que os municípios têm competência para fixar o horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, conforme a Súmula Vinculante 38.

  • Em questões de saúde pública, como na pandemia da COVID-19, os municípios podem adotar medidas restritivas baseadas em orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS), e ações contrárias a essas diretrizes podem gerar responsabilidades civil e criminal para os gestores municipais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Reflexões sobre a questão da competência do município para legislar e seus limites em matéria de saúde em épocas de pandemia.

Dita o artigo 30 da Constituição Federal:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental;

(Revogado)

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

O Município está no conceito da federação brasileira, tal como determina o artigo 18 da CF.

Discute-se aqui com relação ao funcionamento do comércio nos Municípios. Dir-se-á que há competência concorrente entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios para editar sobre normas de saúde.

Como fica a situação com relação ao funcionamento do comércio?

Sobre tal já decidiu o STF:

É o caso da Súmula Vinculante 38: "Competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial." No caso, verifico que a competência para disciplinar o horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais é do município, tendo em vista o que dispõe o art. 30, I, da CF/1988. Esta Corte já possui entendimento assentado nesse sentido, consolidado no enunciado da Súmula 645/STF: “É competente o município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial”. (...) deve-se entender como interesse local, no presente contexto, aquele inerente às necessidades imediatas do Município, mesmo que possua reflexos no interesse regional ou geral. Dessa forma, não compete aos Estados a disciplina do horário das atividades de estabelecimento comercial, pois se trata de interesse local. [ADI 3.691, voto do rel. min. Gilmar Mendes, P, j. 29-8-2007, DJE 83 de 9-5-2008.]

"Está claramente definido no art. 30, I, da CF/1988 que o Município tem competência para legislar sobre assuntos de interesse local. (...) 8. Entre as várias competências compreendidas na esfera legislativa do Município, sem dúvida estão aquelas que dizem respeito diretamente ao comércio, com a consequente liberação de alvarás de licença de instalação e a imposição de horário de funcionamento, daí parecer-me atual e em plena vigência, aplicável inclusive ao caso presente, a Súmula 419 desta Corte, que já assentara que “os Municípios têm competência para regular o horário do comércio local, desde que não infrinjam leis estaduais ou federais válidas”. [RE 189.170, voto do rel. min. Marco Aurélio, P, j. 1º-2-2001, DJ de 8-8-2003.]

Competência do Município para disciplinar o horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais. 1. Reclamação em que se impugna sentença na qual se afirmou, incidentalmente, a inconstitucionalidade material de dispositivo da Lei 5.954/2013 do Município de Colatina-ES que veda o funcionamento ininterrupto de farmácias. 2. A Súmula Vinculante 38 afirma a competência Municipal para estabelecer o horário de funcionamento do comércio local. Do seu texto, no entanto, não decorre a afirmação de constitucionalidade material de todas as normas editadas sob o exercício de tal competência. [Rcl 35.075, rel. min. Roberto Barroso, 1ª T, j. 27-09-2019, DJE 220 de 10-10-2019.]

No caso, aponta-se ofensa à Súmula Vinculante 38, uma vez que a decisão reclamada teria violado a competência constitucionalmente conferida ao reclamante para dispor quanto ao horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais nele localizados da forma que melhor atendesse aos interesses locais. (...) Verifico que o ato reclamado respalda-se nos princípios da livre concorrência, da defesa do consumidor e da liberdade do exercício de atividade econômica para concluir, em juízo de prelibação, pela aparente inconstitucionalidade das normas municipais que impedem o funcionamento de estabelecimentos comerciais aos domingos e aos sábados à tarde, exceto quando se trate de serviço essencial (...). Dessa forma, resta claro que divergiu do entendimento contido na Súmula Vinculante 38, interferindo na autonomia de determinação do ente municipal a partir de juízo de ponderação com princípios constitucionais de pouca densidade normativa.
[Rcl 24.518 MC, rel. min. Gilmar Mendes, dec. monocrática, j. 4-5-2017, DJE 97 de 10-5-2017.]

O recurso extraordinário é inadmissível. O Supremo Tribunal Federal já decidiu positivamente acerca da competência do Município, e não do Estado, para legislar a respeito de horário de funcionamento de estabelecimento comercial, inclusive para aqueles que comercializam bebidas alcoólicas, por ser matéria de interesse local, nos termos do art. 30, I, da Constituição Federal. (...) 5. Cabe ressaltar, ademais, que o Supremo Tribunal Federal, na sessão plenária de 11-3-2015, reafirmou o entendimento consagrado na Súmula 645/STF ao editar a Súmula Vinculante 38. (...). 6. Diante do exposto, nego provimento ao agravo regimental.
[RE 852.233 AgR, voto do rel. min. Roberto Barroso, 1ª T, j. 26-8-2016, DJE 206 de 27-9-2016.]

Conforme consignado na decisão que se agrava, o acórdão recorrido está em harmonia com a orientação sedimentada nesta Corte na Súmula Vinculante 38, quanto à competência municipal para fixar horário de funcionamento de estabelecimento comercial. Ademais, constata-se que a Corte de origem declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1º da Lei 9.452/2009, que condicionava a abertura do comércio à realização de acordo ou convenção coletiva de trabalho, por extrapolar a competência municipal. Neste ponto, verifica-se a falta de interesse recursal da recorrente. Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental. [RE 732.222 AgR, rel. min. Edson Fachin, 1ª T, j. 15-3-2016, DJE 70 de 15-4-2016.]

Com efeito, a controvérsia constitucional instaurada na presente causa já se acha dirimida pelo Supremo Tribunal Federal, (...) ao julgar a ADI 3.691/MA, rel. min. Gilmar Mendes (...). Esse entendimento tem sido observado pelo Supremo Tribunal Federal, cujas decisões, proferidas em sucessivos julgamentos sobre a matéria ora em exame, reafirmaram a tese segundo a qual compete ao Município — por tratar-se de matéria de interesse local (CF/1988, art. 30, I) — fixar o horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, sem que o exercício dessa prerrogativa institucional importe em ofensa aos postulados constitucionais da isonomia, da livre iniciativa, da livre concorrência, do direito à saúde ou da defesa do consumidor (...). [RE 926.993, rel. min. Celso de Mello, dec. monocrática, j. 27-11-2015, DJE 245 de 4-12-2015.]

Competência do Município para legislar sobre interesse local e restrição ao princípio da livre iniciativaO Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 907, Rel. Min. Alexandre de Moraes, cujo acórdão coube a minha relatoria, entendeu que viola o princípio da livre iniciativa – art. 107, IV, da CF/1988 – a obrigatoriedade de exigir que os supermercados e estabelecimentos do gênero ofereçam serviço de empacotamento das compras. (...) O acórdão proferido pelo Tribunal de origem divergiu desta orientação, pois entendeu ser constitucional a obrigatoriedade de oferecimento desse serviço, considerando inconstitucional apenas a obrigatoriedade de contratar empacotadores. Nesse sentido confira-se o RE 822.264, Rel. Min. Dias Toffoli, que declarou a inconstitucionalidade da Lei 9.770, de 24 de outubro de 2011, do Município de Sorocaba, que tornava obrigatória a instalação de serviço ambulatorial, contando com, no mínimo, um enfermeiro, destinado ao primeiro atendimento de clientes e funcionários, nos shoppings e hipermercados do município. Nesse ponto, o recurso merece provimento.
[RE 402.136, rel. min. Roberto Barroso, dec. monocrática, j. 25-4-2018, DJE 84 de 2-5-2018.]

2. Acerca do vício formal, toda e qualquer obrigação imposta a agentes privados acabará produzindo, direta ou indiretamente, impactos sobre a atividade empresarial ou de ordem trabalhista. Sendo assim, não se vislumbra usurpação da competência legislativa privativa da União, prevista no art. 22, I, da Constituição. Também não parece ser o caso de evidente invasão da competência dos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local, tal como disposto no art. 30, I, da CF/1988, de que é exemplo a competência para disciplinar o horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais (Súmula Vinculante 38). 3. Por outro lado, a Lei 2.130/1993, do Estado do Rio de Janeiro, padece de vício material. Isso porque a restrição ao princípio da livre iniciativa, protegido pelo art. 170, caput, da Constituição, a pretexto de proteger os consumidores, não atende ao princípio da proporcionalidade, nas suas três dimensões: (i) adequação; (ii) necessidade; e (iii) proporcionalidade em sentido estrito. 4. A providência imposta pela lei estadual é inadequada porque a simples presença de um empacotador em supermercados não é uma medida que aumente a proteção dos direitos do consumidor, mas sim uma mera conveniência em benefício dos eventuais clientes. Trata-se também de medida desnecessária, pois a obrigação de contratar um empregado ou um fornecedor de mão-de-obra exclusivamente com essa finalidade poderia ser facilmente substituída por um processo mecânico. Por fim, as sanções impostas revelam a desproporcionalidade em sentido estrito, eis que capazes de verdadeiramente falir um supermercado de pequeno ou médio porte. 5. Procedência da ação, para declarar a inconstitucionalidade da Lei 2.130/1993, (...).
[ADI 907, rel. min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Roberto Barroso, P, j. 1º-8-2017, DJE 266 de 24-11-2017.]

Pois bem. Considerando a natureza das atividades ordinariamente exercidas nos shoppings e nos hipermercados, constata-se que inexiste proporcionalidade na exigência feita pela lei municipal, a qual restringe o princípio da livre iniciativa: o diploma em questão determina que seja instalado nos estabelecimentos desses tipos localizados no Município de Sorocaba serviço ambulatorial, destinado a primeiro atendimento dos clientes, (...). Vide, ademais, que o não cumprimento dessa determinação nos prazos previstos resulta, sucessivamente, na imposição de multas progressivas e na interdição do estabelecimento, até que seja efetuada a regularização. De mais a mais, nem se diga que a lei impugnada deveria subsistir no tocante à obrigatoriedade de instalação, nos shoppings e hipermercados de Sorocaba, do serviço ambulatorial destinado a primeiro atendimento exclusivamente dos funcionários desses estabelecimentos. Afinal, é competência privativa da União legislar sobre direito do trabalho (art. 22, I, da Constituição Federal).
[RE 822.264, rel. min. Dias Toffoli, dec. monocrática, j. 27-9-2017, DJE 227 de 4-10-2017.]

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O STF possui entendimento assentado nesse sentido, consolidado no enunciado da Súmula n° 645/STF: "" É competente o município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial". No mesmo sentido, inúmeros precedentes da Corte, dentre os quais cito: RE-AgR n° 203.358, 2a T., unânime, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 29.8.1997; RE n° 174.645, 2a T. , unânime, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 17.11.1997; RE n° 237.965, Pleno, unânime, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 31.3.2000; RE n° 274.028, 1a T., unânime, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 10.8.2001; RE n° 189.170, 2a T., maioria, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 8.8.2003; AI-AgR n° 481.886, 2a T., unânime, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 1.4.2005.

Mas, afinal, o que é interesse local que determine essa competência do Município com relação a esses assuntos?

Deve-se entender como interesse local, no presente contexto, aquele inerente às necessidades imediatas do município, mesmo que possua reflexos no interesse regional ou geral. Dessa forma, não compete aos Estados a disciplina do horário das atividades de estabelecimento comercial, pois se trata de interesse local.

Sobre a matéria disse Uadi Bulos (Constituição Federal Anotada, 6ª edição, pág. 607) quando disse:

“Mas, no que tange ao conceito de “interesse local”, aplica-se ou não toda aquela exegese doutrinária, avalizada pela jurisdição de nossos Tribunais, a respeito da expressão “peculiar interesse municipal? Parece-nos que sim. Nada obstante o fato de o constituinte de 1988 ter substituído a terminologia “peculiar interesse municipal” por interesse local, o certo é que cairá na esfera de atribuições do município tudo aquilo que for predominante ao gerenciamento de seus negócios próprios nos limites das atribuições que as normas constitucionais e ordinárias lhe irrogam. Isso não significa exclusividade, pois, como profligou Hely Lopes Meirelles, “Peculiar Interesse não é o interesse exclusivo do Município, não é interesse privativo da localidade, não é interesse único dos municípios. Se se exigisse essa exclusividade essa privatividade, essa unicidade, bem reduzido ficaria o reflexamento da União e do Estado-membro, como também não há interesse regional ou nacional, que não ressoa nos Municípios, como partes integrantes da Federação brasileira, através dos Estados a que pertencem. O que define e caracteriza o peculiar interesse inscrito como dogma constitucional é a predominância do interesse do Município sobre o Estado e a União(Direito municipal brasileiro, 4ª edição, 1981, pág. 86).”

Sobre a matéria disse o ministro Carlos Velloso, no AI-AgR n° 481.886:

"Ora, a fixação do horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, situados no território do Município, é da competência deste, dado que se constitui em matéria ou assunto de interesse local (C.F., art. 30, I). Destarte, a legislação local, que assim disponha, desde que o faça de forma razoável, tem legitimidade constitucional. Assim procedendo, a legislação municipal não causa ofensa aos dispositivos inscritos no art. 170, IV, (livre concorrência), V (defesa do consumidor) e VIII (busca do pleno emprego), dado que esses princípios devem ser visualizados no sistema da Carta. Haveria ofensa ao princípio da livre concorrência se a legislação proibisse para uns o funcionamento num certo horário e facultasse para outros. Isto, evidentemente não ocorre, no caso. É dizer, o horário de funcionamento é para todos os estabelecimentos comerciais. Os princípios de defesa do consumidor e busca do pleno emprego , (C.F., art. 170, V, art. 5o, XXXII) (C.F., art. 170, VIII), por sua vez, devem conviver com o poder de polícia exercido pelo Município, que tem por finalidade o interesse coletivo. No caso, interfere o interesse de parcela da comunidade, que são os empregados dos estabelecimentos, com direito ao descanso. De outro lado, a busca do pleno emprego não e faz desordenadamente.

A alegação no sentido de que a legislação municipal, no ponto, é atentatória ao princípio da isonomia □ C.F., art. 5o, caput, não é razoável, dado que o horário estabelecido atinge a todos e não apenas a alguns comerciantes. Não há invocar, no ponto, o horário de funcionamento de lojas situadas em "shopping-centers' , dado que essas lojas não se igualam, em termos de localização, às lojas situadas nas vias públicas. Ora, o princípio da igualdade se realiza na medida em que desiguais são tratados com desigualdade e iguais com igualdade." (AI(AgR) n° 481.886-SP, 2ª T., unânime, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 1.4.2005).

E se houver discordância com relação ao horário comercial dentro do confronto entre os decretos estadual e municipal na matéria?

Por óbvio, aplica-se a Súmula Vinculante 645 do STF cujos efeitos são erga omnes.

Mas, adite-se, que em matéria de saúde, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu que governos estaduais e municipais têm poderes para decretar ordens restritivas durante a pandemia —entre as quais o isolamento social, a quarentena, a suspensão de atividades de ensino, as restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas —, mesmo que o governo federal tome depois medida em sentido contrário. Ainda segundo o ministro, a validade dos decretos dos governos estaduais e das prefeituras poderá ser analisada pelo Judiciário individualmente:

“Não compete ao Poder Executivo federal afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais, distrital e municipais que, no exercício de suas competências constitucionais, adotaram ou venham a adotar, no âmbito de seus respectivos territórios, importantes medidas restritivas como a imposição de distanciamento/ isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outros mecanismos reconhecidamente eficazes para a redução do número de infectados e de óbitos, como demonstram a recomendação da OMS (Organização Mundial de Saúde) e vários estudos técnicos científicos”.

Mas, o limite dessa atuação do Município no quadro da atual pandemia da covid-19 são as normas e instruções da Organização Mundial de Saúde.

A OMS surgiu, inclusive, de iniciativa do Brasil, por meio de sua delegação, na Conferência de São Francisco em 1945.

"A constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS) entrou em vigor a 7 de abril de 1948. No início, foi decidido que as prioridades da OMS seriam a malária, a saúde de mulheres e crianças, a tuberculose, doenças venéreas, a nutrição e o saneamento ambiental. Muitos destes assuntos permanecem ainda na agenda da OMS até hoje, além de novas doenças, como o HIV/AIDS. Hoje ela está à frente no combate ao terrível mal da Covid-19.

São, portanto, normas de direito internacional público, em grau de acordos internacionais, que se sobrepõem às normas municipais, por óbvio.

Em 1948, a OMS assumiu a responsabilidade pela Classificação Internacional de Doenças, que se tornou o padrão internacional para fins clínicos e epidemiológicos. Entre 1952 e 1964, os esforços da OMS já haviam reduzido a prevalência global de bouba – deficiência física que afligia cerca de 50 milhões de pessoas em 1950 – em mais de 95%. Entre 1967 e 1979, os esforços da OMS levaram à erradicação da varíola – única vez em que uma das principais doenças infecciosas foi completamente erradicada."

O organismo baseia suas ações no Regulamento Sanitário Internacional (IHR, na sigla em inglês), um documento de normas do direito internacional para a área da saúde que deve ser seguido por todos os 196 membros da OMS – o Brasil, inclusive. Existem certas obrigações da cartilha do IHR que as nações têm que seguir, por exemplo, emitir notificações sobre todos os eventos de saúde que aconteçam em seus território e que possam representar uma “emergência de saúde pública de interesse internacional”.

Assim qualquer atuação contrária do Município às regras da OMS levará a sua contrariedade ao sistema jurídico.

Para Hildebrando Accioly (Tratado de direito internacional público, volume I, pág. 547),

“como compromissos assumidos pelo Estado em suas relações com outros Estados, eles (os tratados) devem ser colocados em plano superior ao das leis internas dos que os celebram. Assim (...) eles revogam as leis anteriores, que lhes sejam contrárias; as leis posteriores não devem estar em contradição com as regras ou princípios por eles estabelecidos; e, finalmente, qualquer lei interna com eles relacionada deve ser interpretada, tanto quanto possível, de acordo com o direito convencional anterior.”

Por sua vez, o ministro Celso de Mello aceitou a tese da hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos somente para os instrumentos ratificados até a EC n. 45/2004, que acrescentou o parágrafo terceiro no artigo 5º da Constituição.

Os tratados internacionais têm superioridade hierárquica em relação às demais normas de estatura infraconstitucional, quer seja tal superioridade constitucional, como no caso dos tratados de direitos humanos, quer supralegal, como no caso dos demais tratados, chamados comuns. Será lícito pensar que a produção normativa estatal deve contar não-somente com limites formais(ou procedimentais), senão ainda com dois limites verticais materiais, quis sejam: a) a Constituição e os tratados dos direitos humanos alçados ao nível constitucional; e b) os tratados internacionais comuns de estatura supralegal.

Qualquer conduta lesiva à população feita pelos dirigentes dos Municípios, em afronta às normas da OMS, poderá trazer responsabilidades civil e criminal. 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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