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O princípio da proporcionalidade e sua aplicabilidade na problemática das provas ilícitas em matéria criminal

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27/03/2006 às 00:00
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4. PROVA PENAL

O processo penal se constitui de uma relação jurídica integrada por um complexo de atos que tem por escopo primordial a decisão final, e, no processo penal condenatório, faz-se indispensável o recolhimento de elementos hábeis (provas) a fim de que o magistrado profira uma sentença baseada na verdade real e realizando, efetivamente, a justiça.

Consoante, MITTERMAYER,

Todas as vezes que um indivíduo aparece como autor de um fato, que é por força de lei, de conseqüências aflitivas, e que se trata de lhe fazer a aplicação devida, a condenação repousa sobre a certeza dos fatos, sobre a convicção que se gera na consciência do juiz. A soma dos motivos geradores dessa certeza se chama prova...O impulso que se produz em nós diante da prova, e que comunica o movimento ao que chamaremos fiel da balança da consciência, pode ser mais ou menos poderoso. Quanto menos vigoroso, apenas produz suspeita, gera só uma pura e simples presunção, quando, porém, violento e irresistível, faz descer e conserva em baixo a concha: é a certeza que pesa. 43

Neste viés, percebe-se que a prova é o cerne do processo, mormente, o processo penal, uma vez que é por meio de provas que as partes demonstrarão ao juiz a ocorrência ou não de um determinado fato, bem como a forma como aludido acontecimento de fato se procedeu.

Em outros termos, no processo penal a prova é utilizada visando a busca da verdade real no caso concreto, objeto de uma determinada relação processual.

E nesta acepção, cumpre conceituá-la, a fim de melhor elucidar a problemática do presente trabalho.

4.1. CONCEITO DE PROVA

Posto que já tenha se descrito, de forma sucinta e abrangente a finalidade das provas no âmbito do processo penal, é de bom alvitre, consceituá-las, segundo os ensinamentos da doutrina.

Consoante o eminente doutrinador GOMES FILHO:

Na terminologia processual, o termo prova é empregado com variadas significações: indica, de forma mais ampla, o conjunto de atividades realizadas pelo Juiz e pelas partes na reconstrução dos fatos que constituem o suporte das pretensões deduzidas e da própria decisão; também pode aludir aos instrumentos pelos quais as informações sobre os fatos são introduzidas no processo (meios de prova); e, ainda, dá o nome ao resultado dessas atividades. 44

Já Fernando Capez, definiu prova da seguinte forma:

Do latim probatio, é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz (CPP, arts. 156, 2ª parte, 209 e 234) e por terceiros (por exemplo, peritos), destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Ou seja, as provas visam a estabelecer, dentro do processo, a existência de certos fatos. 45

Todavia, não é qualquer prova que poderá ser levada ao crivo do judiciário, mas apenas as que não são vedadas pela Constituição Federal ou Legislação infraconstitucional, tendo-se em vista que, o direito à prova é um direito fundamental assegurado constitucionalmente por meio do direito de ação, defesa e contraditório, mas, como todos os demais direitos fundamentais, não é um direito absoluto.

4.2. LIMITES AO DIREITO À PROVA

Ante o exposto acima, posto que a busca da verdade real seja o escopo primordial do processo penal, a produção probatória deverá observar alguns limites.

Nas palavras de César Dario Mariano da Silva:

(…) mesmo sendo necessário chegar à verdade real dos fatos no âmbito do processo penal, não se pode sacrificar direitos e garantias constitucionais para que seja alcançado o fim almejado. Existem certas limitações previstas no Código de Processo Penal e na própria Constituição Federal que devem ser observadas, sob pena de ser ferido o próprio regime democrático de direito." 46

A fim de corroborar aludido entendimento:

É que os direitos do homem, segundo a moderna doutrina constitucional, não podem ser entendidos em sentido absoluto, em face da natural restrição resultante do princípio da convivência das liberdades, pelo que não se permite que qualquer delas seja exercida de modo danoso à ordem pública e às liberdades alheias. As grandes linhas evolutivas dos direitos fundamentais, após o liberalismo, acentuaram a transformação dos direitos individuais em direitos do homem inserido na sociedade. De tal modo que não é mais exclusivamente com relação ao indivíduo, mas no enfoque de sua inserção na sociedade, que se justificam, no Estado social de direito, tanto os direitos como as suas limitações. 47

É no processo penal que se percebe coma maior clareza a necessidade de se impor limites a atividade probatória, vez que é neste âmbito que se discute acerca da liberdade dos indivíduos, que per si já obriga que o Estado sacrifique o menos possível os direitos do acusado.

Portanto, mesmo o processo penal tendo o escopo de encontrar a verdade real dos fatos, não se pode sacrificar direitos e garantias constitucionais. E para assegurar que tal violação não ocorra, é que a própria Constituição Federal, bem como o Código de Processo Penal, impõem certas limitações.

A principal limitação no concernente às provas está insculpida no artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal:

"São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos". 48

Cumpre salientar que, aludido dispositivo constitucional veda a utilização de provas ilícitas em todo âmbito processual, contudo, referindo-se o presente trabalho apenas as provas ilícitas no processo penal.

Com a afirmativa acima expendida chega-se ao tema específico proposto para este trabalho, a problemática da utilização, ou não, das provas ilícitas no processo penal. Contudo, para tanto, deve-se anteriormente tecer alguma breves considerações, bem como estabelecer alguns conceitos.

4.3. PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS: DEFINIÇÃO E GENERALIDADES

A primeira distinção que se deve traçar ao versar sobre o tema provas ilícitas é exatamente estabelecer a diferença entre prova ilegítima e prova ilícita. Consoante GRINOVER et al:

(…) diz-se que a prova é ilegal toda vez que sua obtenção caracterize violação de normas legais ou de princípios gerais do ordenamento, de natureza processual ou material. Quando a proibição for colocada por uma lei processual, a prova será ilegítima (ou ilegitimamente produzida); quando, pelo contrário, a proibição for de natureza material, a prova será ilicitamente obtida. 49

Embora a terminologia utilizada no concernente á provas ilícitas não seja uniforme, utilizar-se-á neste trabalho a proposta adotada por GRINOVER et al acima transcrita, tendo – se em vista ser a que melhor se enquadra, bem como transcreve o pensamento da doutrina majoritária.

Assim, quando a prova violar norma processual será considerada prova ilegítima, tendo por sanção a declaração de sua nulidade, o que a impedirá de produzir qualquer efeito. Porém, sendo a nulidade gritante, tem-se que a prova inadmissível nem ao menos se caracteriza como prova, sendo inexistente. Aludida prova, por ser inadmissível, jamais poderia ter sido juntada no processo. Todavia, se foi juntada, no momento em que for constatada sua ilegalidade, a mesma deve ser desentranhada por ser inexistente. E todos os atos motivados por esta prova inexistente devem ser desconsiderados.

No concernente ao momento em que ocorre a ilegalidade cumpre transcrever os ensinamentos de Luiz Francisco Torquato Avolio:

"(…) enquanto na prova ilegítima a ilegalidade ocorre no momento de sua produção no processo, a prova ilícita pressupõe uma violação no momento da colheita da prova, anterior ou concomitante ao processo, mas sempre externamente a este". 50

No entanto, não é este o ponto que gera maiores celeumas. O problema de difícil conclusão é o concernente as provas ilícitas, ou seja, aquelas cuja obtenção constitui violação a preceito material, entendendo-se por estas "a prova colhida infringindo-se normas ou princípios colocados pela Constituição e pelas leis, freqüentemente para a proteção das liberdades públicas e dos direitos da personalidade e daquela sua manifestação que é o direito à intimidade". 51

Assim, pode –se exemplificar como provas ilícitas as colhidas mediante tortura ou maus-tratos (artigo 5º, inciso III, da CF); as colhidas com desrespeito à intimidade (artigo 5º, inciso X, da CF); as colhidas com violação do domicílio (artigo 5º, inciso XI, da CF); as obtidas com violação ao sigilo das comunicações (artigo 5º, inciso XII, da CF), dentre outros.

Destarte, a nossa Constituição Federal, quando se refere à prova ilícita, quer se referir a prova ilegal, prova vedada, que compreende as provas ilícitas e as provas ilegítimas.

4.4. INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS

A problemática das provas ilícitas em nosso ordenamento jurídico vem disciplinada na Constituição Federal, a qual, como anteriormente dito, veda expressamente a utilização de provas ilícitas no processo.

Cumpre salientar que, foi nos Estados Unidos da América a primeira decisão no sentido de inadmissibilidade de provas ilicitamente obtidas.

Todavia, o princípio da proporcionalidade possibilita entendimento diverso, "abrindo" prerrogativas para que se faça uso das provas obtidas por meios ilícitos em determinas situações concretas, quando colidentes direitos fundamentais.

A teoria, hoje dominante, da inadmissibilidade processual das provas ilícitas, colhidas com infringência a princípios ou normas constitucionais, vem, porém, atenuada por outra tendência, que visa a corrigir possíveis distorções a que a rigidez da exclusão poderia levar em casos de excepcional gravidade. Trata-se do denominado verhältnismassigkeitsprinzip, ou seja, de um critério de proporcionalidade, pelo qual os tribunais da então Alemanha Federal, sempre em caráter excepcional e em casos extremamente graves, têm admitido a prova ilícita, baseando-se no princípio do equilíbrio entre valores fundamentais contrastantes. 52

Nesta perspectiva, cumpre-nos adiante elucidar a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade nesta problemática causada pela utilização ou não de provas ilicitamente obtidas.

4.5. PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO

Outra questão concernente às provas ilícitas que merece apreço no presente trabalho são as denominadas provas ilícitas por derivação. Aludidas provas são lícitas em si mesmas, no entanto, foram extraídas de uma prova obtida por meio ilícito.

Neste caso, de uma prova lícita, ter sido obtida por meio de uma prova ilicitamente colhida, o nosso Ordenamento Jurídico adota de forma majoritária a teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree), cunhada pela Suprema Corte Americana desde a década de 1920, e, hoje, acatada pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil, consoante a qual o vício da planta se transmite a todos os seus frutos.

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A referida teoria preleciona que a ilicitude na obtenção de uma prova transmite-se às provas derivadas, que são, da mesma forma vedadas no processo. Por exemplo, uma informação colhida mediante uma interceptação telefônica clandestina, por meio da qual as autoridades policiais descobrem o autor de um delito e o prendem em flagrante delito. A prisão em flagrante foi realizada de acordo com os ditames legais, no entanto, o fator que a ocasionou foi uma prova ilícita, o que acaba por contaminar o próprio flagrante, tornando-o ilícito da mesma forma.

A inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, em nosso sistema ocorre por uma imposição lógica, uma vez que, como bem elucida AVOLIO:

a sua utilização poderia servir de expediente para contornar a vedação probatória: as partes poderiam sentir-se estimuladas a recorrer a expedientes ilícitos com o objetivo de servirem-se de elementos de prova até então inatingíveis pelas vias legais. Figure-se, por exemplo, o próprio policial encorajado a torturar o acusado, na certeza de que os fatos extraídos de uma confissão extorquida, e, portanto, ilícita, propiciariam a colheita de novas provas, que poderiam ser introduzidas de modo (formalmente) lícito no processo. 53

É certo que a teoria dos frutos da árvore envenenada possui algumas limitações impostas pelo próprio Supremo norte-americano e pela doutrina internacional, neste sentido, GRINOVER et al:

(…) excepcionam-se da vedação probatória as provas derivadas das ilícitas, quando a conexão entre umas e outra é tênue, de modo a não se colocarem a primária e a secundária como causa e efeito; ou, ainda, quando as provas derivadas da ilícita poderiam de qualquer modo ser descobertas por outra maneira. Fala-se, no primeiro caso, em independent source e, no segundo, na inevitable discovery . Isso significa que se a prova ilícita não foi absolutamente determinante para o descobrimento das derivadas, ou se estas derivam de fonte própria, não ficam contaminadas e podem ser produzidas em juízo. 54 (grifei)

Em outros termos, entende-se por independent source ("fonte independente 55") o caso em que a conexão entre as provas lícitas e a ilícita é tênue, ou seja, a lícita não é efeito da ilícita; e verifica-se inevitable discovery ("descoberta inevitável" 56), nos casos em que a provas derivadas da ilícita poderiam ter sido descobertas de outras maneiras. Os dois institutos são hipóteses de exclusão da contaminação da ilicitude originária às demais provas colhidas.

Na ocorrência destas situações, poder-se-ia fazer uso das provas secundárias, não se entendendo estarem estas contaminadas pelo vício da prova originária.

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Sobre a autora
Roberta Pacheco Antunes

advogada, pós-graduada pela Escola da Magistratura do Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANTUNES, Roberta Pacheco. O princípio da proporcionalidade e sua aplicabilidade na problemática das provas ilícitas em matéria criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 999, 27 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8153. Acesso em: 18 nov. 2024.

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