5. COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS GERADA PELA PROBLEMÁTICA DAS PROVAS ILÍCITAS
O princípio da proporcionalidade acima expendido deve ser utilizado, dentre outras situações, nos sistemas de inadmissibilidade da prova ilicitamente obtida, permitindo, em face de uma vedação probatória, que se proceda a uma escolha, no caso concreto, entre os valores constitucionalmente relevantes postos em colisão.
Sendo este o primordial desiderato deste trabalho, cumpre-nos perfazermos uma minuciosa análise da incidência da proporcionalidade nas celeumas ocasionadas pela inadmissibilidade constitucional das provas ilicitamente obtidas.
5.1. SOLUÇÃO PELO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Embora, para relevante parte da doutrina, as provas ilícitas sejam totalmente inadmissíveis, vez que, para estes, resta inadmissível qualquer violação de direitos individuais, sendo que, caso contrário, somente existiria proteção à direitos fundamentais em crimes de menor gravidade, "havendo uma intolerável discricionariedade, dando azo ao arbítrio policial, violando sobretudo o princípio da inocência" 57 , a maioria já vislumbra a possibilidade de se admitir uma prova ilícita mediante a operacionalização do princípio da proporcionalidade e grande parte assim o faz, muitos em benefício do acusado e alguns em benefício da sociedade.
Para que se proceda a operacionalização do princípio da proporcionalidade é necessário a existência de um caso concreto, onde se verifique uma colisão de ao menos dois direitos fundamentais, para que se possa, de fato, sopesar aludidos direitos, a fim de se constatar qual deles, naquela situação, deve prevalecer.
Contudo, para fins de estudo, e tendo por escopo melhor visualizar a aplicação do referido princípio na problemática acarretada pela vedação constitucional das provas ilícitas no processo, mormente no processo penal, permite-se uma análise abstrata de hipóteses de direitos fundamentais colidentes.
5.1.1. Proporcionalidade em Benefício do Acusado – princípios em colisão
O indivíduo, perante o Estado é exacerbadamente "fraco", necessitando, indubitavelmente, que seus direitos fundamentais, constitucionalmente outorgados, sejam observados, a fim de que o Poder Estatal seja limitado.
São de suma importância a existência e o respeito aos direitos supramencionados, mormente no âmbito do procedimento criminal, onde se tem em voga o direito à liberdade, à vida, à intimidade, dentre outros considerados os mais importantes direitos de qualquer cidadão.
A vedação das provas ilícitas visa justamente o respeito a estes direitos, preservando-os e sempre impondo limites ao Estado.
É nesta acepção que a incidência do princípio da proporcionalidade pro reo apresenta menores problemas e maior número de adeptos, vez que, neste caso, utilizando-se uma prova ilícita em favor do acusado, mesmo que com infringência a direitos fundamentais seus ou de terceiros, o direito do particular restaria protegido diante do poder do Estado.
Afirmando os argumentos acima expandidos, César Dario Mariano Silva:
"Portanto, se for possível ao acusado demonstrar sua inocência através de uma prova obtida ilicitamente, certamente ela poderá ser utilizada no processo, haja vista a preponderância do direito à liberdade sobre a inadmissibilidade da prova ilícita no âmbito processual". 58
O eminente doutrinador GOMES FILHO, entende da mesma forma, e assim exemplifica:
No confronto entre uma proibição de prova, ainda que ditada pelo interesse de proteção a um direito fundamental e o direito à prova da inocência parece claro que deva este último prevalecer, não só porque a liberdade e a dignidade da pessoa humana constituem valores insuperáveis, na ótica da sociedade democrática, mas também porque ao próprio Estado não pode interessar a punição de um Inocente, o que poderia significar a impunidade do verdadeiro culpado; é nesse sentido, aliás, que a moderna jurisprudência norte-americana tem afirmado que o direito à prova de defesa é superior. 59
Outro entendimento que propicia a utilização das provas ilícitas em prol do acusado é o que enquadra esta atitude no rol das excludentes de ilicitude, tais como legitima defesa e estado de necessidade.
Tal entendimento é defendido primordialmente por Ada Pellegrine Grinover, Antônio Scarance Fernandes, Antônio Magalhães Gomes Filho, Luiz Francisco Torquato Avolio, dentre outros sob o argumento de que a Constituição Federal garante o direito de defesa no processo penal de forma primordial, abrangendo o princípio do favor rei.
Aludida corrente e de aceitação majoritária, possibilitando, portanto, que o acusado utilize em sua defesa, provas colhidas em desacordo com normas de direito material.
Na verdade, ambos posicionamentos convergem com a realidade do nosso ordenamento sendo amplamente aceitos, contudo deve-se, resumidamente expor quais os princípios passíveis de colisão nesta situação.
O acusado que faz uso de provas ilícitas para se defender conta a seu favor com os princípios constitucionais da liberdade, da ampla defesa e do contraditório, princípio da busca da verdade real, bem como com o princípio da presunção de inocência. Todavia, nestes casos (prova ilícita em favor do acusado), os princípios mencionados podem colidir com os também princípios constitucionais das liberdades individuais, direito à intimidade, direito ao sigilo das comunicações, direito a inviolabilidade do domicílio, direito à integridade, direito á dignidade, direito ao devido processo legal, direito à propriedade e, por fim, o princípio da vedação das provas ilícitas.
Nesta esteira, havendo um caso concreto de colisão, deverá se proceder da forma explicitada no tópico 3.6, o qual versa acerca do modo de operacionalização do princípio em tela.
Primeiramente, far-se-á os testes prévios, analisando-se, primeiramente, se efetivamente existe uma colisão de direitos fundamentais, isto é, direitos constitucionalmente outorgados em atrito.
Posteriormente, deve-se vislumbrar a situação de conflito, tendo por escopo primordial identificar todas as circunstâncias relevantes a serem abordadas.
Caracterizados estes, deve-se prosseguir para a aplicação do princípio da proporcionalidade propriamente dito.
Num terceiro momento, procede-se o exame do conflito sob a ótica do princípio da proporcionalidade, por meio da análise sucessiva de seus três subprincípios na seguinte ordem: princípio da adequação, princípio da necessidade e princípio da proporcionalidade em sentido estrito, visto que há entre os três subprincípios uma progressão do tipo lógico como anteriormente exposto.
Pelo princípio da adequação se buscará averiguar se no caso concreto a decisão normativa restritiva (meio) do direito fundamental viabiliza o alcance da finalidade almejada, inquirindo-se se a medida é apta, útil e apropriada para atingir à finalidade perseguida, mediante a resposta da seguinte pergunta: a medida a ser tomada é útil para atingir o fim perseguido?
Se a resposta for sim, ou seja, a utilização da prova ilícita é apta para a absolvição de um inocente, então, preceder-se-á a análise do próximo subprincípio, o da necessidade.
Por meio da análise deste subprincípio busca-se verificar se a utilização da prova ilícita causará o menor prejuízo possível, ou seja, se buscará a menor restrição aos direitos fundamentais apreciados.
Nesta fase, o escopo é decidir da forma que oferece menos desvantagem, por meio da resposta a seguinte pergunta: existe um meio fático menos gravoso, que não este ilicitamente utilizado, que possibilite, a partir dele, a obtenção da prova da inocência do acusado?
Não havendo outro meio menos gravoso, verifica-se que este é necessário, e passa-se a análise do último subprincípio, o da proporcionalidade em sentido estrito.
Este terceiro subprincípio da proporcionalidade exige uma reciprocidade razoável entre a relação meio-fim, perfazendo a idéia de justa medida. Em outros termos, para se alcançar o fim perquirido, deve-se sopesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens dos fins.
Portanto, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito revela a ponderação de bens já explicitada, e deve ser verificado por meio do seguinte questionamento: do cotejamento entre todos os princípios acima elencados, poder-se-ia, concluir pela possibilidade da utilização das provas decorrentes de atividade ilícita?
Sendo positiva a resposta, resta claramente viável a utilização de uma prova ilicitamente obtida para absolver um inocente com respaldo na aplicabilidade do princípio da proporcionalidade, no entanto, tendo-se em vista o caráter principal dos direitos fundamentais e as circunstâncias do caso concreto, será necessário sempre fundamentar racionalmente o resultado da ponderação de bens.
5.1.2. Proporcionalidade em Benefício da Sociedade e em Desfavor do Acusado – princípios em colisão
Diferentemente ocorre quando o Estado faz uso de provas ilícitas para impor a condenação de um indivíduo. Realmente, está hipótese desencadeia uma exacerbada celeuma entre os doutrinadores e juristas renomados.
Embora esmagadora maioria repudie aludida possibilidade, pequena parte da doutrina e alguns magistrados e membros do Ministério Público entendem pela possibilidade, em determinados casos de grande relevância, da utilização do princípio da proporcionalidade para pacificar o conflito entre direitos fundamentais em prol da sociedade.
Os mencionados operadores do direito, propõe a mesma forma de operacionalização do princípio em tela.
Em um primeiro momento, far-se-á os testes prévios, analisando-se, se efetivamente existe uma colisão de direitos fundamentais, bem como se identificando as circunstâncias relevantes a serem abordadas.
Caracterizados estes se prossegue para a aplicação do princípio da proporcionalidade.
Num terceiro momento, procede-se o exame do conflito sob o prisma do princípio da proporcionalidade, por meio da análise sucessiva de seus três elementos estruturadores na seguinte ordem: princípio da adequação, princípio da necessidade e princípio da proporcionalidade em sentido estrito.
Pelo princípio da adequação se buscará averiguar se no caso concreto a decisão normativa restritiva (meio) do direito fundamental viabiliza o alcance da finalidade almejada, inquirindo-se se a medida é apta, útil e apropriada para atingir à finalidade perseguida, mediante a resposta da seguinte pergunta: a medida a ser tomada é útil para atingir o fim perseguido?
Se a resposta for sim, ou seja, a utilização da prova ilícita é adequada para, a partir dela, chegar-se à prova da materialidade e da autoria do delito, preceder-se-á a análise do próximo subprincípio, o da necessidade.
Por meio da análise deste subprincípio busca-se verificar se a utilização da prova ilícita causará o menor prejuízo possível, ou seja, buscar-se-á a menor restrição aos direitos fundamentais do indivíduo.
Nesta fase, o escopo é decidir da forma que oferece menos desvantagem, por meio da resposta a seguinte pergunta: existe um meio fático menos gravoso, que não a prova ilícita, que possibilite, a partir dele, a obtenção da prova da autoria e materialidade de um determinado delito?
Não havendo outro meio menos gravoso, verifica-se que este é necessário, e passa-se a análise do último subprincípio, o da proporcionalidade em sentido estrito.
Este terceiro subprincípio da proporcionalidade exige uma reciprocidade razoável entre a relação meio-fim, perfazendo a idéia de justa medida. Em outros termos, para se alcançar o fim perquirido, deve-se sopesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens dos fins.
Portanto, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito revela a ponderação de bens já explicitada, e deve ser verificado por meio do seguinte questionamento: do cotejamento entre o princípio da vedação da utilização de prova ilícita em processo e o bem jurídico constitucionalmente relevante consubstanciado na persecução penal, pode-se concluir pela possibilidade da utilização das provas ilícitas em um processo criminal?
Sendo positiva a resposta, entende esta parte minoritária da doutrina ser totalmente possível uma condenação com fundamento em prova ilícita, haja vista a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade em prol da sociedade.
Todavia, este trabalho crítica este posicionamento, uma vez que os motivos que autorizam a operacionalização do princípio da proporcionalidade em defesa do acusado não se encontram presentes na hipótese de se favorecer a sociedade em detrimento do indivíduo (acusado).
Embora já se tenha ressalvado que o princípio da proporcionalidade necessita de um conflito concreto para a sua operacionalização, para fins de estudo se permite sua verificação de forma hipotética e, abstratamente falando, vislumbra-se difícil a preponderância dos direitos fundamentais da sociedade em detrimento do indivíduo, até mesmo porque estes existem para proteger este em face do Estado, instituto com maior força e que necessita de limites.
De fato, os princípios da verdade real, do direito à prova, e o direito à segurança são bastante fortes, mas dificilmente, mediante a utilização da proporcionalidade, eles iriam, em um caso concreto, se sobrepor ao direito à intimidade, à integridade, à dignidade, ao devido processo legal, à propriedade, e o próprio princípio constitucional que veda a utilização das provas ilícitas.
Nesta perspectiva, à princípio restaria impossível a utilização da proporcionalidade para acusar, processar e condenar um individuo, tendo-se em vista que o cidadão precisa desta segurança em face do Estado, vez que a norma que não protege os delinqüentes, mesmo os mais abomináveis, também não protege os cidadãos.
Todavia, as hipóteses de direitos colidentes são múltiplas e inimagináveis, não se podendo olvidar, que em determinado caso, procedendo-se a análise acima expendida e consoante os ditames legais, se verifique possível à aplicabilidade do princípio da proporcionalidade em detrimento do réu.
5.2. PROPORCIONALIDADE E PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO
Na garantia fundamental da vedação à utilização de provas ilícitas no processo (artigo 5º, inciso LVI, da CRFB) encontra-se também, a vedação à utilização das provas derivadas da prova ilicitamente colhidas, uma vez que, aludido garantia além de visar a proteção da esfera jurídica daquele contra quem a prova é produzida, visa, também, forçar a persecução penal a que, para a obtenção de provas, aja, sempre, dentro da licitude.
Não se aceitando como presente no conteúdo do inciso LVI da CRFB, a vedação à utilização da prova derivada da prova ilícita, estar-se-ia a esvaziar completamente o alcance normativo da própria garantia fundamental, isto porque, ao final, permitir-se-ia à persecução penal que viesse a burlar a vedação constitucional em comento utilizando-se, de maneira reflexa, justamente as prova ilícita a que estava impedida de obter, já que dela (da prova ilícita) é que decorreriam as provas em que se fundaria para requerer a condenação de alguém.
No que tange a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade para solucionar conflitos entre direitos fundamentais no âmbito das provas ilícitas por derivação percebe-se que a partir do momento em que se considera a prova derivada viciada da mesma forma que a originária, a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade deve seguir a mesma idéia desta.
Dessa forma, sendo a decisão em benefício do acusado a proporcionalidade deve ser aplicada indubitavelmente nos termos expendidos no tópico 5.1.1, todavia, sendo para incriminar o cidadão, deve-se afastar esta prerrogativa e, portanto, inviável a utilização da prova ilicitamente obtida, consoante o tópico 5.1.2.