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Poder normativo primário dos Conselhos Nacionais do Ministério Público e de Justiça:

a gênese de um equívoco

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30/03/2006 às 00:00
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Invocando Maquiavel, tudo leva a crer que a nobreza dos fins almejados pelo Conselho Nacional de Justiça com a edição da Resolução nº 7 tenha levado o STF ao reconhecimento da legitimidade do meio escolhido.

Sumário: 1. Considerações Iniciais. 2. O Estado Democrático de Direito. 3. O Conteúdo do Princípio da Legalidade. 4. Regimento Interno dos Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público. 5. O Poder Normativo dos Conselhos à luz dos Princípios Gerais de Direito Sancionador. Epílogo.


1. Considerações Iniciais.

A Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, introduzindo profundas inovações na linha evolutiva dos tradicionais mecanismos de checks and balances que permeiam as relações entre os órgãos de soberania, criou o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público, órgãos que, desde a sua origem, foram concebidos como mecanismos de controle externo.

Em comum, apresentam uma composição híbrida, na qual coexistem membros dos órgãos controlados e agentes estranhos aos seus quadros; possuem atribuição para rever atos de cunho administrativo; têm poder disciplinar, podendo aplicar sanções que não a perda do cargo; serão municiados com informações colhidas por ouvidorias a serem criadas e devem elaborar relatório anual sobre as suas atividades e a situação dos órgãos controlados no Brasil, relatório este que integrará a mensagem a ser encaminhada ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa. Embora não tenham ingerência direta nos atos de cunho funcional, é manifesta a influência que podem exercer na atividade regular dos membros do Ministério Público e do Judiciário.

Considerando o caráter nacional do Poder Judiciário e do Ministério Público, ambos os Conselhos foram aquinhoados com o poder de expedir atos regulamentares e de recomendar providências, o que certamente contribuirá para uniformizar procedimentos e aumentar a eficiência da estrutura administrativa, com inevitáveis reflexos no aprimoramento da atividade finalística.

O exercício desses poderes, no entanto, deve estar necessariamente associado às atribuições constitucionais dos Conselhos: a) em relação ao Conselho Nacional de Justiça, "zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura"; [01] e b) quanto ao Conselho Nacional do Ministério Público, "zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público". [02]

Apesar da pureza dos fins almejados, qual seja, aperfeiçoar a estrutura das Instituições controladas de modo a eliminar os abusos que teriam sido praticados sob o signo da autonomia, a operação de transposição da plasticidade de suas linhas estruturais para a realidade tem ensejado o surgimento de não poucas dúvidas. Em caráter meramente enunciativo, podem ser apontadas: a) o alcance do poder normativo dos Conselhos; e b) a identificação da linha limítrofe entre a atuação dos Conselhos e a autonomia das Instituições controladas.

Referidas dúvidas, que pouco prestígio teriam num ambiente puramente acadêmico, terminaram por ser alçadas ao seleto patamar das questões palpitantes, onde teses e antíteses afloram com frenética celeridade, em muito dificultando a obtenção de uma conclusão que, conquanto sensível à realidade do País, ande de braços dados com a lógica e a razão. Como elemento propulsor dessa ascendência, tem-se o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de cognição sumária, na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 12, sendo relator o eminente Ministro Carlos Ayres Britto, em que se reconheceu, na Resolução do Conselho Nacional de Justiça, a "força de diploma normativo primário".

As circunstâncias inerentes ao referido julgamento são bem conhecidas. O Conselho Nacional de Justiça, com amplo e irrestrito apoio da opinião pública, editou a Resolução nº 7, que proscrevia o nepotismo no âmbito do Poder Judiciário. Essa medida moralizadora foi desautorizada por vários tribunais do País, motivando o ajuizamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade e o correlato pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. Conquanto suscitado o argumento de que a prática do nepotismo seria diretamente vedada pela Constituição da República, sendo desnecessária a mediação legislativa, prevaleceu a tese de que o Conselho Nacional de Justiça estava autorizado a editar atos normativos com o fim de proibir referida prática.

Como afirmou o relator, esse ato deveria ser considerado uma "entidade jurídica primária", pois "seguia imediatamente à vontade da própria Constituição, sem outra base de validade que não seja a Constituição mesma". Após realçar que a lei é a fonte primária por excelência, ressaltou que a própria Constituição contemplou a existência de atos com força normativa que não a lei: a) as múltiplas competências do Senado Federal [03]; b) as medidas provisórias editadas pelo Poder Executivo [04]; c) o regimento interno dos tribunais [05]; d) o regimento interno dos tribunais de contas; [06] e) os decretos autônomos, passíveis de serem editados pelo Presidente da República, que podem dispor sobre "organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos" [07]

Ao final, acresceu o eminente relator que o Conselho detém a competência implícita de editar atos normativos associados às matérias de sua competência expressa, permitindo a adequação das instituições controladas, com a conseqüente prevenção da "irrupção de conflitos". Diversamente do que ocorre em relação ao Conselho da Justiça Federal [08] e ao Conselho Superior da Justiça do Trabalho, [09] não há disposição constitucional que imponha a atuação do Conselho Nacional de Justiça "na forma da lei". A Resolução nº 7, ademais, encontra-se em harmonia com os princípios regentes da atividade estatal (impessoalidade, eficiência e igualdade), não sendo divisada qualquer antinomia.

O acórdão do Supremo Tribunal Federal, como se percebe, envereda por um incontável número de polêmicas, que variam desde a legitimidade democrática à própria segurança jurídica dos destinatários das "normas primárias" do Conselho Nacional de Justiça e, por identidade de razões, do Conselho Nacional do Ministério Público. Em razão dos limites inerentes a estas breves linhas, ficaremos adstritos aos referidos extremos, por si suficientes à antecipação das perplexidades que estão por vir.


2. O Estado Democrático de Direito.

Presente a agregação social e identificada a existência de normas de conduta a todos impostas, constata-se o surgimento das sociedades politicamente organizadas e o amadurecimento da própria concepção de Estado (status – estar firme).

Os homens que detêm o poder são submetidos ao direito e unidos pelo direito, o que representa uma forma de garantir os cidadãos contra os desmandos do Poder Público, impondo a submissão deste a um quadro normativo geral e abstrato, disposto de forma prévia e que tem a função conformadora da atividade estatal. [10] Identificada a submissão do Estado ao direito, tem-se o que os germânicos denominaram de Estado de Direito (Rechtsstaat).

O Estado de Direito é o verdadeiro alicerce do positivismo jurídico, encontrando seu fundamento de validade na norma, fonte primária de sua existência e de todos os atos estatais. A esta concepção, no entanto, deve ser acrescido o elemento aglutinador dos valores e das aspirações que emanam do grupamento, o que é reflexo da identificação do real detentor do poder: o povo. Com isto, integra-se o aspecto legal aos valores que o antecedem e o direcionam, ensejando o surgimento do Estado Democrático de Direito.

Além de legal, o ato do agente público deve permanecer circunscrito aos lindes delimitadores de sua legitimidade, o que importa na necessária observância dos valores existentes e das próprias aspirações dos detentores do poder. Para tanto, sobreleva a importância dos princípios, os quais, em conjunto com as regras, compõem a norma de conduta. Sob a ótica específica das aspirações, não se pode esperar da atuação estatal senão a busca do melhor resultado à coletividade, em uma palavra: eficiência.

Nesta linha, serão injurídicos aqueles atos que não busquem seu fundamento de validade na norma ou que excedam o âmbito de atuação por ela estatuído. Nos países de pouca tradição democrática, onde a consciência política não está arraigada entre os cidadãos, a norma escrita erige-se como fator imprescindível à contenção do arbítrio e da tirania.

Na lição de Enterria, [11] "o princípio limitativo do poder e de definição de zonas isentas ou de liberdade individual é, com efeito, princípio essencial do constitucionalismo. Por um lado, porque a liberdade é substancial à idéia mesma de poder como relação entre homens; o conceito de um poder absoluto ou ilimitado é intrinsecamente contraditório, pois ninguém pode estar submetido integralmente a outro semelhante sem negar sua própria existência humana, sem ‘coisificar-se’. Todo poder social é, e não pode deixar de ser, se deve respeitar os homens sobre os quais é exercido, essencialmente limitado. Resulta, por isso, imprescindível que no momento de fundar-se ou constituir-se um poder se defina seu campo próprio e, conseqüentemente, seus limites".

Especificamente em relação aos Conselhos ora analisados, a ausência de legitimidade democrática impede sejam eles equiparados, para fins de edição de padrões normativos primários, aos órgãos do legislativo ou do executivo, que gozam da referida legitimidade. Entendimento contrário, aliás, exigiria uma construção jurídica ou, melhor dizendo, uma "desconstrução" do Estado Democrático, atribuindo-se poder normativo primário a órgãos que, por vontade Constituinte, efetivamente não o possuem.


3. O Conteúdo do Princípio da Legalidade.

Partindo-se da própria etimologia da expressão, seria inevitável a assertiva de que a identificação do conteúdo do princípio da legalidade não comporta maiores dificuldades. Legalidade deriva de lei, logo, nada mais coerente do que situar no âmbito da lei o conteúdo do princípio da legalidade. Coerência à parte, são múltiplas as vozes que buscam conferir maior amplitude à concepção de legalidade, passando a concebê-la como um elemento aglutinador de todas as normas de conduta cuja observância seja cogente pela administração.

Aproveitando-nos da pesquisa realizada por Charles Eisenmann, [12] podemos identificar três tendências a respeito da matéria. Para André de Laubadère (Traité, nº 369), a legalidade é o conjunto: "a) das leis constitucionais; b) das leis ordinárias; c) dos regulamentos; d) dos tratados internacionais; e) dos usos e costumes; f) das normas jurisprudenciais, entre as quais, em primeiro lugar, os princípios gerais do direito – ou seja, quatro elementos de caráter ‘escrito’, dos quais os dois primeiros formam o ‘bloco legal’ (Hauriou), os três primeiros o ‘bloco legal das leis e regulamentos’, e dois elementos de caráter não escrito". Georges Vedel (La Soumission de l’Administration à la loi, nº 47) encampa uma posição ainda mais ampla de legalidade, acrescendo que "às regras de direito obrigatórias para a Administração vêm unir-se as normas peculiares que as vinculam – as dos atos administrativos individuais e as dos contratos. Assim, compõem o ‘bloco da legalidade’ a totalidade das normas cuja observância impor-se-ia à Administração; a legalidade se identifica então pura e simplesmente com a regulamentação jurídica em seu todo, com o ‘direito vigente’ ". Por último, tem-se a noção originária e restritiva do princípio da legalidade, impondo à administração a observância das normas criadas pelo legislador, as quais se reduzem à lei (lato sensu).

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Feita essa breve exposição a respeito das correntes existentes, resta melhor analisar o tema sob a ótica do Estado Democrático de Direito. Como fora visto no item anterior, a concepção de Estado de Direito encontra-se estritamente atrelada à necessidade de obediência, por parte da administração, da norma de conduta a todos imposta. Aqui, norma guarda identidade com lei, não apresentando equivalência com a amplitude da noção de regra de conduta. Limita-se a indicar uma espécie desta, que deve ser estabelecida pelo Parlamento com estrita observância do processo legislativo pertinente. Essa posição é robustecida quando se contata que ao Estado de Direito foi acrescido o designativo democrático, pressupondo a participação popular na condução do destino do ente público, o que inclui a produção normativa.

Além do elemento histórico, não se deve perder de vista que o desmesurado elastecimento do princípio da legalidade terminará por associar efeitos diversos de institutos distintos. Ainda segundo Eisenmann, "não seria extremamente lamentável qualificar o direito jurisprudencial – e o direito costumeiro também – por elementos da legalidade, enquanto que, na teoria das fontes do direito, todos concordam em colocá-los, necessariamente, em oposição à lei, ao direito legislativo?"

Para aqueles que adotam a teoria extensiva do princípio da legalidade, o regulamento seria elemento componente de seu conteúdo. No entanto, regulamento não guarda similitude com lei, sendo tão somente um ato administrativo dotado de maior abstração e generalidade. Entrando em vigor, o regulamento tem força obrigatória erga omnes, [13] o que em nada se confunde com a concepção de ser ele um elemento integrante do princípio da legalidade.

Sendo o princípio da legalidade verdadeira norma fundamental do Direito Administrativo, não é possível dizer que os regulamentos vinculem a administração com intensidade semelhante às leis. Os regulamentos são confeccionados pela administração com obediência à lei. A lei, por sua vez, é imposta à administração pelo Poder responsável pela produção normativa. Assim, ainda que os agentes que ocupem um grau inferior da escala hierárquica devam obedecer aos regulamentos de forma irrestrita, ao responsável por sua edição sempre restará a possibilidade de revê-los. Enquanto permanecerem em vigor, os regulamentos condicionarão os atos administrativos que tangenciem as matérias por eles reguladas, mas essa relação de subordinação, a exemplo do que ocorre entre o regulamento e a lei, não os erige a uma posição de igualdade em relação à última, já que axiologicamente distintos.

O princípio da legalidade não deve ser entendido a ponto de alcançar todo e qualquer ato que imponha determinado comportamento ao Poder Público, pois concepção como essa desvirtuaria a própria natureza das coisas, rompendo com os alicerces do Estado Democrático de Direito. Entendemos mais consentânea com a pureza dos institutos a adstrição da concepção de legalidade às normas editadas pelos órgãos a quem o texto constitucional outorgou, com a observância de um procedimento previamente estabelecido, a produção normativa, fazendo que referido princípio tenha seus contornos traçados pela lei em sentido material.

A adoção da posição restritiva em relação ao princípio da legalidade não deve ser interpretada como negação da existência de outras normas, além das produzidas pelo Poder Legislativo (v.g.: regulamentos), que servirão como parâmetros de aferição da legitimidade dos atos administrativos. Como frisou Eisenmann, [14] "é bem certo que o princípio de legalidade implica na obrigação de respeitar todas as normas de direito e mesmo as normas publicadas pelas autoridades às quais a própria lei dá poder para tanto: sujeitando-se a elas, por exemplo, cumpre-se indiretamente a lei, a norma legislativa de competência", complementando que "não haveria interesse algum em asseverar um ‘princípio de regularidade’ dos atos administrativos, do qual o ‘princípio da legalidade’ não seria senão uma das especificações, porque, como já se salientou, este ‘princípio’, por si mesmo, não teria conteúdo algum definido: remetido implicitamente ao rol das fontes do direito administrativo, ele próprio se reduziria, em suma, a esta pobre tautologia segundo a qual os órgãos administrativos devem respeitar as normas, e de forma ainda mais plena, as normas que os vinculam".

Os atos dos Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público, conquanto tenham força normativa, não podem ser equiparados a "forças normativas primárias", nivelados à lei ou, quiçá, a ela sobrepostos. O entendimento do Supremo Tribunal Federal, na extensão sugerida, não se restringe à equiparação das resoluções dos Conselhos à lei: avança ainda mais. Referidas resoluções passam a se sobrepor a qualquer lei voltada à Magistratura ou ao Ministério Público, o que enseja uma séria dúvida hermenêutica: se a Constituição, em assuntos específicos, confere iniciativa legislativa à Magistratura e ao Ministério Público, não está ela afirmando, por via reflexa, que a matéria deve ser debatida no seio do Parlamento, órgão no qual se desenvolverá o processo legislativo?


4. Regimento Interno dos Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público.

À reconhecida abertura semântica das normas constitucionais que dispõem sobre a composição e as atribuições dos Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público, ao que se acresce a ausência de legislação infraconstitucional delimitadora do seu alcance e regulamentadora do respectivo conteúdo, seguiu-se a necessidade de confecção de um regimento interno que colmatasse lacunas e atuasse como fator de contenção dos próprios poderes do órgão.

O regimento interno, com abstração da atividade finalística desempenhada, que pode ser de natureza administrativa, jurisdicional ou legislativa, é figura recorrente nos órgãos de natureza colegiada, dispondo sobre a divisão interna de funções, o procedimento a ser seguido e o regramento a ser observado pelo extraneus que, por qualquer razão, interaja com o órgão. Trata-se de ato dotado de força normativa e de indiscutível generalidade, o que permite incluí-lo, malgrado certas peculiaridades, sob a epígrafe dos atos regulamentares, sendo editado pelo órgão em cuja estrutura orgânico-funcional deve produzir efeitos. [15]

Ainda que não haja uma previsão normativa expressa, como se verifica em relação aos Conselhos de Justiça e do Ministério Público, o poder regulamentar, mais especificamente na vertente direcionada ao poder de edição do regimento interno, pode ser concebido como ínsito na própria norma que fixou as atribuições do órgão ou fez menção à sua organização interna. O poder de auto-organização, ainda que observadas as diretrizes fixadas em norma de escalão superior (in casu, a Constituição da República), não pode ser subtraído de um órgão colegiado de estatura constitucional e funcionalmente autônomo.

Auto-organização, no entanto, não guarda similitude com o poder, inerente à função legislativa, de estabelecer um padrão de conduta, impondo obrigações ou restringindo direitos, a agentes que não sejam destinatários da atividade do órgão ou que perante ele venham a praticar atos juridicamente relevantes. Em outras palavras, se é lícita, v.g., a previsão regimental do procedimento a ser seguido pelo Corregedor Nacional no exercício do seu poder de requisitar membros do Ministério Público para auxiliá-lo, lícita não será a previsão de igual poder em relação a agentes vinculados a Instituições que não estejam sob a égide do controle exercido pelo Conselho Nacional do Ministério Público (v.g.: os magistrados). A matéria, nesse último caso, impõe restrições à esfera jurídica alheia e não encontra previsão em norma constitucional ou legal, daí a impossibilidade de ser originariamente contemplada no regimento interno.

Não se ignora, é certo, que o regimento interno, à mingua de previsão normativa mais detalhada e ao menos na fase inicial de instalação dos Conselhos, terá uma relevância ímpar, pois, não fosse ele, o funcionamento do órgão certamente seria inviabilizado. Por outro lado, do mesmo modo que a lei não deve avançar em questões afetas à sua organização interna, também não é lícito ao regimento interno imiscuir-se em assuntos sujeitos a reserva legal. Há uma zona limítrofe que deve ser identificada e que não pode ser transposta, isto sob pena de caracterização do abuso, seja legal, seja regimental.

O afã de contribuir para a consecução do interesse público, tornando eficaz o que a Constituição previu em potência, não justifica que funções alheias sejam usurpadas ou que direitos e garantias fundamentais sejam vilipendiados, o que em muito aumenta a responsabilidade dos Conselhos na edição de suas normas internas, que somente se projetarão para o exterior na medida do necessário e naquilo em que for mero desdobramento do regramento que traça os lineamentos essenciais dos seus poderes.

Merece temperamentos o argumento de que os regimentos internos dos Tribunais consubstanciam atos normativos primários expressamente autorizados pela Constituição, justificando seja adotado igual entendimento em relação aos atos normativos emanados dos Conselhos. Assim ocorre em decorrência da força normativa limitada dos regimentos internos, os quais, além de voltados à incidência no âmbito interno dos Tribunais, somente são aplicáveis àqueles que com eles pretendam se relacionar. Os atos normativos dos Conselhos, ao revés, direcionam-se ao exterior, influindo na organização interna das instituições controladas, isto sem olvidar os efeitos produzidos na esfera jurídica dos agentes que integram tais instituições.

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Sobre o autor
Emerson Garcia

Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Emerson. Poder normativo primário dos Conselhos Nacionais do Ministério Público e de Justiça:: a gênese de um equívoco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1002, 30 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8172. Acesso em: 18 nov. 2024.

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