A noção de indicação geográfica, em especial a denominação de origem, tem seu nascedouro na Europa, onde, tradicionalmente, os produtores de vinho costumavam designar o produto pelo nome da região na qual o mesmo havia sido produzido, pois havia uma dependência entre as características deste vinho e o solo, o clima e o saber-fazer o produto.
Tudo começou na França, há mais de um século e meio, quando os produtores das regiões francesas de Bourgogne e Bourdeux foram convidados a serem os fornecedores oficiais dos vinhos que seriam servidos em uma exposição internacional a realizar-se em Paris. Para assegurarem que os vinhos a serem consumidos seriam apenas os provenientes daquelas regiões, os produtores instituíram uma classificação dos produtos com os nomes dos respectivos lugares, o que se considera hoje a base das denominações de origem.
Após, outras regiões francesas e países europeus começaram a criar mecanismos para proteger seus vinhos, com a finalidade de preservar suas características, valorizá-las, concorrer com um produto diferenciado e combater as falsificações.
A partir disso, foram instituídas normas com o fim de regulamentar estas indicações geográficas, relacionando o solo, clima, e os recursos humanos com seus produtos, criando o conceito de Terroir.
Para um produto, a indicação geográfica é mais que uma marca, é a indicação de sua verdadeira procedência geográfica, agregando assim uma reputação, um valor intrínseco, uma identidade própria, uma vantagem competitiva em relação aos demais, tornando em regra mais valiosos estes produtos para o consumidor final.
Essa indicação geográfica do produto ou serviço adquire status de um bem economicamente relevante, no seu significado jurídico. Agrega um valor econômico ao fundo de comércio de todos aqueles produtores estabelecidos no local e que exploram aquelas atividades, formando o conteúdo de um interesse econômico e social daquela coletividade e, de modo reflexo, concorrendo para o desenvolvimento da região.
Pelo menos, é este o discurso apresentado pela União Européia, e em especial pela França, para a inclusão do instituto da Indicação Geográfica no âmbito de discussão da Organização Mundial do Comércio – OMC.
Na história deste instituto no âmbito dos acordos internacionais, desde 1883 a Convenção União de Paris tutela a verdadeira indicação geográfica mediante a repressão ao uso da falsa indicação. Desta Convenção o Brasil foi signatário desde sua assinatura, o qual se encontra vigente até a presente data com a inclusão de uma série de alterações.
Em 1891, foi firmado o Acordo de Madri dedicado à repressão às falsas indicações geográficas sobre mercadorias. O Brasil e mais 12 países o assinaram e este se encontra em vigor até hoje.
Várias legislações brasileiras, deste então, trazem dispositivos de repressão às falsas indicações geográficas e à concorrência desleal.
De forma clara, o Código de Propriedade Industrial de 1945 determina o combate às falsas indicações geográficas. O Código de Propriedade Industrial de 1971 não é diferente.
Voltemos à OMC. Com a instituição da OMC, em 1994, e o estabelecimento de standards mínimos para a proteção da propriedade intelectual como um todo mediante o Acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o Comércio (TRIPs), um maior destaque é dado às Indicações Geográficas, compreendendo estas as denominações de origem e as indicações de procedência.
Passou-se do patamar de repressão às falsas para um incentivo de proteção às verdadeiras indicações.
Inclusive consta no Acordo TRIPs a sugestão de se estabelecer um sistema multilateral de notificação e registro de indicações geográficas, especialmente para vinhos, passíveis de proteção nos Membros partícipes desse sistema. Mas até o presente momento as negociações pouco avançaram neste sentido.
Contudo, embora não haja de forma explícita neste acordo a obrigação de estabelecer um direito exclusivo sobre as indicações geográficas no âmbito interno dos Membros da OMC, a atual legislação brasileira - Lei n. 9.279/1996, que trata da propriedade industrial - estabelece mecanismos que possibilitam a proteção das indicações geográficas.
Em seu artigo 182, a Lei 9.279/1996 estabelece que o uso da indicação geográfica é restrito aos produtores e prestadores de serviços estabelecidos no local, exigindo-se ainda, em relação às denominações de origem o atendimento de requisitos específicos de qualidade. A lei inova quando estabelece o Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI como sendo o órgão competente para estabelecer as condições e proceder aos registros das indicações geográfica. Inova por que nos países que tradicionalmente protegem as indicações geográficas esse regramento, seu registro e controle se dão no âmbito no Ministério da Agricultura destes Países. Cite-se a título de exemplo a França, Espanha, Itália, Alemanha, Chile e Argentina.
O INPI regulamenta o instituto das indicações geográficas por meio do Ato Normativo 143/1998 [1] e da Resolução n. 75/2000 [2]. Contudo, estes atos administrativos ainda deixam inúmeras lacunas e dúvidas para aqueles que pretendem compreender este instituto e sua aplicação no âmbito brasileiro. Há necessidade de se desenvolver um trabalho no sentido de se regulamentar de maneira precisa, adequada e coerente o instituto das Indicações Geográficas para que seu uso por um lado não seja desmedido a ponto de cair em descrédito e de outro lado não se torne letra morta, como tantas outras leis brasileiras.
Notas
[1] INPI. Ato Normativo n° 143/1998. Institui normas de procedimento sobre Registro das Indicações Geográficas. Publicada no D.O.U. em 31/08/1998. Disponível em . Acesso em: 10 nov 2005.
[2] INPI. Resolução n. 75/2000. Estabelece as condições para o registro das indicações geográficas. Publicada no D.O.U. em 28/11/2000. Disponível em . Acesso em: 10 nov 2005.