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Tribunal do júri e a dosimetria da pena:

o juiz presidente pode reconhecer circunstância agravante ou atenuante não alegada pelas partes em plenário?

28/05/2020 às 13:15

Resumo:


  • O juiz presidente do Tribunal do Júri pode considerar as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates pelos jurados;

  • Antes da Lei nº 11.689/2008, era necessário formular quesitos sobre a existência de agravantes e atenuantes, mas a lei dispensou essa necessidade, cabendo ao juiz valorizá-las;

  • Se não houver menção a agravantes ou atenuantes durante os debates ou pela defesa, o juiz não pode considerá-las ex officio na dosimetria da pena, respeitando o contraditório e a ampla defesa.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O juiz presidente, caso o conselho de sentença decida por reconhecer a materialidade e a autoria do delito submetido a julgamento, “considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates”. Mas se tais circunstâncias não forem externadas, o magistrado poderá reconhecê-las ex officio?

Segundo o art. 492, I, ‘b’, do Código de Processo Penal, do rito do Tribunal do Júri, o juiz presidente, caso o Conselho de Sentença decida por reconhecer a materialidade e a autoria do delito submetido a julgamento, “considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates”.

Mas, será que é isso mesmo? E se tais circunstâncias não forem externadas, seja nos debates ou pela via da autodefesa em plenário, o magistrado pode reconhecê-las ex officio?

Pois bem. Antes da edição da Lei nº 11.689/2008, era necessária a formulação de quesitos referentes à existência de agravantes e atenuantes, e sua submissão à análise dos jurados, cabendo ao juiz presidente a fixação da pena em conformidade com a deliberação do Conselho de Sentença.

Porém, a mencionada lei promoveu diversas alterações no procedimento do Tribunal de Júri. Entre elas, dispensou a necessidade de quesitar as agravantes e atenuantes (art. 483 do CPP), cabendo ao juiz presidente valorá-las.

Nessa toada, ou seja, para que o juiz presidente possa reconhecê-las na sentença, deve haver provocação da parte interessada.

Assim, havendo inércia da acusação e da defesa, e caso nenhuma atenuante seja invocada pelo acusado no interrogatório em plenário, não poderá o juiz presidente considerá-las na segunda fase da dosimetria da pena (art. 68, caput, do Código Penal). Do contrário, haverá ofensa aos princípios do devido processo legal e do contraditório (art. 5º, LIV e LV, da CF/1988).

Luís Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto ensinam:

“Observe-se que os jurados já não decidirão sobre atenuantes e agravantes. Não haverá quesito aos jurados sobre esse ponto. As circunstâncias agravantes e atenuantes dizem respeito à aplicação da pena. Logo, cabe ao juiz considerar as que foram alegadas nos debates. Aqui reside uma limitação ao juiz: ele não pode levar em conta outras circunstâncias não alegadas, porque nesse caso não terá havido contraditório sobre elas. O quantum do aumento (em razão de uma agravante) ou de diminuição (em virtude de uma atenuante) fica por conta do juiz." (Comentários às reformas do código de processo penal e da lei de trânsito. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 233).

Acerca do tema em referência, colhe-se o ensinamento doutrinário de Guilherme de Souza Nucci:

“Alegação das agravantes e atenuantes em debate: embora defendamos devam as agravantes e atenuantes passar pelo crivo do Conselho de Sentença (vide nota 298 supra), torna-se inadmissível que o juiz presidente, de ofício, sem debate das partes em plenário, reconheça agravante ou atenuante em sua sentença. Cuida-se de nulidade absoluta. [...]” (Código de processo penal comentado. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 979).

No mesmo rumo é o entendimento do doutrinador Renato Brasileiro de Lima:

“4.1 Alegação nos debates: o art. 492, I, alínea "b", do CPP, deixa entrever que o juiz presidente só pode levar em consideração agravantes e atenuantes alegadas pelas partes durante os debates. Logo, se as partes não fizerem menção a tais circunstâncias nos debates, estará o juiz presidente impedido de levá-las em consideração. O referido dispositivo se aparta, portanto, do quanto previsto no art. 385 do CPP, o qual autoriza que o juiz reconheça agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. Destarte, se o art. 385 do CPP permite que qualquer outro órgão jurisdicional possa conhecer de ofício agravantes em sentido estrito, é certo que, no âmbito do Júri, ao juiz presidente só é permitido considerar as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates, preservando-se, assim, o contraditório, a ampla defesa e o próprio sistema acusatório” (Código de processo penal comentado. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 1.271).

Logo, não havendo debate em plenário e não sendo objeto da autodefesa do réu, agravantes e atenuantes não podem ser consideradas pelo juiz presidente, ex officio, na dosimetria da pena.

Apesar da regra, merece atenção as atenuantes da menoridade relativa e da senilidade (arts. 65, I, do Código Penal), porque, nem sempre, elas são objeto de discussão na sessão plenária ou mencionadas no interrogatório judicial.

Nesse particular, os Tribunais Estaduais e o Superior Tribunal de Justiça, majoritariamente, seguem à risca o disposto no art. 492, I, ‘b’, do Código de Processo Penal.

Porém, penso que o juiz presidente pode, ex officio, reconhecer as atenuantes mencionadas. Primeiro, porque, após a fixação da pena-base, o juiz irá considerar as circunstâncias atenuantes e agravantes (art. 68, caput, do CP); segundo, porque, no Tribunal do Júri, vigora o princípio da plenitude de defesa (art. 5º, XXXVIII, da CF/1988); e terceiro, porque são circunstâncias de cunho pessoal/objetivo, cuja prova se faz com a juntada de mero documento.

Sobre o assunto, segue lição de Nereu José Giacomolli:

“Condenado o acusado, caberá ao magistrado individualizar as penas. O processo de medição das sanções segue o disposto no Código Penal, com suas três fases bem delimitadas. As agravantes e as atenuantes não são mais objeto de quesitação, motivo por que, para serem reconhecidas, devem ter sido sustentadas em plenário, segundo disposição legal (art. 492, I, b, CPP). Entretanto, a sustentação há de ser feita na primeira fase, para que seja possibilitado o contraditório. Situação importante diz respeito à presença de circunstâncias atenuantes não sustentadas em plenário. Plenitude defensiva, prevista constitucionalmente, autoriza o magistrado a reconhecê-las de ofício, não sendo necessário dissolver o Conselho de Sentença e nem anular o julgamento, por que se trata de matéria de aplicação da pena. Muitas das qualificadoras do homicídio também são circunstâncias agravantes. Como o afastamento da qualificadora ou a inexistência de sua descrição na denúncia impede o reconhecimento de uma potencialidade menor, agora, como agravante?” (Reformas do processo penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 105).

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Alguns julgados compartilham do mesmo entendimento:

“JÚRI – Homicídios qualificados tentados (motivo torpe, recurso que dificultou a defesa da vítima e razões de gênero) e disparo de arma de fogo (artigo 15 da Lei nº 10.826/03) – PRELIMINARES – Correlação entre as qualificadoras mencionadas na denúncia, pronúncia e quesitos. Nulidade processual por cerceamento de defesa. Decisão de pronúncia que transitou em julgado. Ausência de impugnação em plenário. Preclusão – Rejeição. MÉRITO – Súmula nº 713 do C. STF. Revisão limitada ao objeto do recurso – Opção dos jurados por uma das versões do fato – Condenações mantidas. PENAS e REGIME DE CUMPRIMENTO – Crimes contra a vida. Bases nos mínimos – Agravantes genéricas (CP, art. 61, II, "c" e "d"). Afastamento. Bis in idem. Integram o tipo derivado da norma penal incriminadora – Reincidência de Henrique. Afastamento. Agravante não suscitada pela acusação em debates – Menoridade relativa de ambos os réus e confissão de Henrique (vítima Ana F. de S.). Reconhecimento ex officio. Possibilidade, ainda que não debatida pela defesa. Garantias constitucionais da plenitude de defesa no Júri e da autodefesa. Atenuantes inócuas (Súmula nº 231 do STJ) – Causa de aumento do artigo 121, § 7º, I, do CP (crimes praticados na presença de descendente e ascendente das vítimas). Acréscimo na fração de 1/2 – Conatus. Redução no coeficiente intermediário de 1/2 para ambas as vítimas. Compatibilidade com o iter criminis percorrido – Crime do Estatuto do Desarmamento. Bases nos mínimos – Compensação da agravante da reincidência com a atenuante da menoridade relativa de Henrique. Atenuante inócua para Sebastião – Concurso formal entre todos os delitos. Aumento no coeficiente de 1/2. Proporcionalidade – Regime inicial fechado – Apelo provido em parte para reduzir as penas” (TJSP.  Apelação criminal n. 0002839-47.2017.8.26.0472, julgada em 13/2/2020. Relator: Gilberto Ferreira da Cruz). 

“Apelação Criminal. Júri. Homicídio Simples. Recurso Ministerial visando o redimensionamento da pena imposta ao acusado, diante da impossibilidade do Juiz Presidente do Tribunal do Júri reconhecer a atenuante da menoridade sem debate em Plenário. Atenuante de natureza objetiva, documentalmente comprovada. Reconhecimento de ofício. Precedentes. Recurso improvido” (TJSP.  Apelação criminal n. 9000002-86.2009.8.26.0651, julgada em 18/6/2015. Relator: Marcos Correa).

Agir diferente é desrespeitar o princípio da paridade de armas, da proporcionalidade e, principalmente, os princípios da plenitude de defesa e da individualização da pena (art. 5º, XXXVIII, ‘a’ e XLVI, da CF/1988), permitindo que a reprimenda seja incompatível com o delito e com as condições pessoais do acusado.

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Sobre o autor
Fabiano Leniesky

OAB/SC 54888. Formado na Unoesc. Advogado Criminalista. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal. Pós-graduado em Advocacia Criminal. Pós-graduado em Ciências Criminais. Pós-graduado em Direito Probatório do Processo Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LENIESKY, Fabiano. Tribunal do júri e a dosimetria da pena:: o juiz presidente pode reconhecer circunstância agravante ou atenuante não alegada pelas partes em plenário?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6175, 28 mai. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/82526. Acesso em: 22 dez. 2024.

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