Sem dúvida, um dos setores mais atingidos pela pandemia foi o de eventos: um dos primeiros a fechar e um dos últimos a abrir. Cinemas, shows, teatros são as primeiras coisas que imaginamos quando falamos de eventos, mas existe uma classe que também foi atingida e se encontra num limbo, quais sejam, os eventos particulares, casamentos, formaturas, festas de 15 anos, bodas, noivados. Tais eventos são considerados pequenos perto das grandes máquinas de eventos culturais e turísticos, contudo, eles estão sofrendo tanto quanto os demais, quiçá até mais.
Fala-se em limbo jurídico, pois, até o momento, não houve disposição específica relacionada ao enfrentamento das consequências da COVID-19 para os eventos particulares. Dessa forma, buscam-se soluções e respostas através dos princípios norteadores do direito brasileiro, encontrados na Constituição Federal, no Código Civil, Código de Defesa do Consumidor, dentre outros.
Automaticamente, quando se fala no cancelamento de eventos, pensamos na relação entre fornecedor-consumidor. A legislação consumerista visa a proteger a vulnerabilidade do consumidor, concedendo a ele um tratamento protetivo através das disposições firmadas no Código de Defesa do Consumidor, como o próprio nome já ressalta.
Em relação aos eventos do setor de turismo e cultura, algumas medidas já foram adotadas. Uma delas foi a MP 948, de 08 de abril de 2020, que, em razão do estado de emergência e de calamidade pública ocasionado pela COVID-19, estabeleceu regras para o cancelamento de reservas e eventos dos setores supracitados.
Caso ocorra o cancelamento do evento ou da reserva, o fornecedor não é obrigado a devolver o valor pago ao consumidor, desde que ofereça a ele as seguintes opções: remarcação dos serviços, reservas e eventos; disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos; outro acordo a ser formalizado diretamente com o consumidor. No caso da conversão em crédito, o consumidor terá direito a usá-lo no prazo de 12 (doze) meses, contados da data de encerramento do estado de calamidade pública. Todas as opções de flexibilização deverão ocorrer sem nenhum custo adicional, taxa ou multa ao consumidor.
É de suma importância que o consumidor tenha ciência de que o termo inicial para a contagem do período de 12 meses é o do momento em que o estado de calamidade pública se encerrar em nosso país. Tal situação foi reconhecida pelo Decreto Legislativo nº 6 de 2020. Atualmente, o estado de calamidade pública terá efeitos até o dia 31 de dezembro de 2020, mas há possibilidade de sofrer alterações. Caso não seja possível a realização dos ajustes de acordo com as opções já mencionadas, o fornecedor/prestador de serviços deverá devolver o valor integral ao consumidor, com atualização monetária feita pelo IPCA-E, no prazo de 12 meses, também contados da data de encerramento do estado de calamidade pública.
Há, ainda, a disposição sobre os fatos abordados pela MP não ensejarem danos morais, aplicação de multa ou outras penalidades, pois, as relações abordadas caracterizam hipóteses de caso fortuito ou força maior, nos termos do art. 56 da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor. Por fim, a Medida Provisória 948 especifica que suas regras se aplicam aos prestadores de serviços turísticos e sociedades empresárias, cinemas, teatros e plataformas digitais de vendas de ingressos pela internet. Isso nos faz retornar à problemática dos eventos particulares, já que estes não entram no rol definido pela MP.
Cumpre salientar que a primeira iniciativa no sentido de cancelar ou adiar os eventos particulares, em locais fechados e com aglomeração, partiu do Ministério da Saúde, com o intuito de diminuir a velocidade da transmissão da COVID-19 no país. Seguido de tal recomendação, os chefes do Poder Executivo (prefeitos e governadores) passaram a editar decretos com regramentos específicos para seus Estados e Municípios. Sendo assim, de uma recomendação do Ministério da Saúde, passou a ser uma determinação em cada localidade.
Dessa maneira, a situação dos cancelamentos ou adiamentos dos eventos particulares deixou de ser uma recomendação para converter-se em imposição feita em cada região, sendo este um dos primeiros aspectos a serem analisados. Em algumas localidades, já há flexibilização das regras de isolamento, permitindo eventos com 100 pessoas, por exemplo; outros locais estabeleceram que os eventos estão suspensos até uma data determinada, que não engloba, normalmente, os eventos realizados no segundo semestre de 2020. Portanto, existem dois cenários: o primeiro, quando o evento foi obrigatoriamente cancelado; o segundo, quando houve a decisão do consumidor em cancelar o evento por precaução. Necessário se fazer essa distinção porque cada contexto fático poderá gerar consequências distintas se houver a judicialização da situação.
Para o primeiro caso, é evidente que o evento não ocorrerá na data marcada por conta do decreto naquela localidade, sendo inevitável que o fornecedor ofereça ao consumidor opções para a realização do evento em nova data ou que faça a devolução dos valores pagos. Apesar das regras da MP não se aplicarem para os eventos particulares, as alternativas nela contidas em relação a remarcação, transformação dos valores pagos em créditos, são saídas amigáveis e plenamente passíveis de aplicação. Contudo, são soluções voluntárias do fornecedor para o consumidor.
Em relação à segunda hipótese, a controvérsia é ainda maior. Isso porque o estado de calamidade, se não houver nova atualização, deverá perdurar até o dia 31 de dezembro do presente ano. Portanto, apesar de não existirem decretos locais relacionados à impossibilidade da realização de eventos para o segundo semestre, ainda estará em vigor o estado de calamidade. Há o entendimento de que a vigência dessa situação em nosso país afasta a aplicação das de danos morais, multas ou penalidades, tanto para o fornecedor quanto para o consumidor. Dessa forma, poderá ser considerada como abusiva a cobrança de multa pela rescisão do contrato ou pela inviabilização da remarcação da data, mesmo que não exista nenhum decreto prevendo dos eventos em data mais longínqua.
Em análise mais detalhada, as consequências econômicas para os pequenos fornecedores poderão ser irreparáveis. Por exemplo, os fotógrafos e cerimonialistas de casamento trabalham em função de datas. Com o decorrer dos meses em pandemia, diversos eventos precisaram ser remarcados, havendo, contudo, uma limitação da agenda e, consequentemente, da disponibilidade em fornecer alternativas para o consumidor remarcar seu evento.
Não havendo possibilidade de remarcação, seja por ausência de datas ou por liberalidade do contratante, a primeira solução seria a devolução integral dos valores pagos pelo consumidor. Mas, a falta de normativas que estabeleçam regras para o reembolso, colocam os fornecedores e consumidores dos eventos particulares em uma situação de extrema vulnerabilidade. É notório que a devolução dos valores pelo fornecedor, no caso de cancelamento de diversos eventos, pode acarretar uma situação de completa insolvência.
Dessa forma, a recomendação é para que as partes contratantes busquem, ao máximo, uma solução amigável para o caso. Pautando-se sempre nos princípios da boa-fé, cooperação, visando ao estabelecimento de uma solução harmônica que minimize os prejuízos para todos os envolvidos. Em situações como essa, é de extrema importância que o consumidor e o fornecedor sejam compreensivos e flexíveis, considerando todo o panorama econômico da situação no país.
Ocorrendo a solução amigável da situação, é imprescindível que as partes redijam um contrato com todos os detalhes acordados, incluindo a forma e o prazo para a devolução dos valores. Se o consumidor optar pela remarcação do evento ou por transformar o valor pago em crédito, também se faz necessário formalizar um novo contrato, esclarecendo todos os pontos. Isso servirá para que ambos os envolvidos não sejam vítimas de ações judiciais maliciosas, ou de situações com abusos de direito.
Por fim, não existindo composição amigável para o caso, é possível que a situação seja apresentada perante o Judiciário. Assim, caberá ao juiz decidir a questão, considerando os princípios que regem o Direito Brasileiro, bem como os princípios consumeristas, ponderando todas as nuances de cada caso para encontrar a solução mais adequada.