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O uso dos mecanismos de tutela específica na implementação de deveres contratuais anexos

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20/04/2006 às 00:00
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3. TUTELA ESPECÍFICA DE DEVERES ANEXOS

3.1. Atividade lógico-cognitiva em relação aos deveres contratuais anexos e sua tutela específica: noções gerais

Ofertadas noções básicas acerca da seara contratual e da tutela específica, passa-se ao estudo da inter-relação de tais elementos.

Os deveres de cooperar, informar e cuidar implicam, via de regra, em atos materiais – fazer e não fazer, excepcionalmente se relacionando a um entregar. Igualmente o dever de readaptação do contrato e os deveres oriundo da necessidade de equilíbrio da avença.

O direito de ação [71] visando o cumprimento de obrigação contratual surge nos casos em que a prestação não tenha sido adimplida – seja por demora (sem culpa), por mora (com culpa) ou por cumprimento imperfeito – e em que ainda é possível e útil ao credor obtê-la [72].

Os deveres anexos seguem orientação semelhante. Ocorre que, ao contrário da prestação principal, não há termo ou interpelação para que sejam devidos. Por existirem ao longo do contrato – deveres de observância contínua –, sua exigibilidade decorre da violação a preceito genérico, por determinada atitude no caso concreto. Assim, por não vir expressamente definida qual a conduta que gerou o descumprimento, na situação-problema, cabe ao julgador esclarecer tal ponto e impor o cumprimento.

Tomam-se emprestadas as palavras do mestre AGUIAR JÚNIOR [73]:

A regra da boa fé é uma cláusula geral, como tantas outras do nosso ordenamento (...) é um fato operacional de importância considerável para a flexibilização do direito normado. O conteúdo da norma de dever, derivada do princípio da boa fé, não está na lei, devendo ser composto caso a caso pelo juiz; exige atividade judicante que, sem mediações normativas, deixa face a face o sistema global e o caso a resolver. O procedimento para solução do caso pressupõe o trabalho preliminar para definir qual a regra de conduta que – de acordo com a boa fé (isto é, de acordo com o princípio ético-jurídico de lealdade e confiança, inerente ao sistema) – deveria ter sido obedecida pelas partes, nas circunstancias do caso.

Cabe analisar, primeiramente, em que medida a ação ou omissão do contratante implica em atentado à boa fé objetiva, ou seja, possa fazer com que o contrato não chegue ao adimplemento ou venha a lesar o outro contratante.

Chega-se, então, à conduta que o contratante deveria ter tomado – ou deixado de tomar – para atender aos deveres de cooperação, informação e proteção.

Uma vez definida essa conduta, mister levar o outro contratante a realizar um fazer que satisfaça tal dever e sane o contrato, para que possa continuar atendendo a seus fins.

Aqui entra a importância da tutela específica. Caso esteja-se diante de uma relação contratual civil, e o dever em questão seja de fazer ou não fazer, aplicar-se-á primordialmente o artigo 461 do Código de Processo Civil. Sendo uma relação de consumo, o artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor. Por fim, caso estejamos diante de um dever de entregar coisa, aplicar-se-á o artigo 461-A do Código de Processo Civil.

Devem ser examinadas, agora, as particularidades de cada situação.

Por exemplo, trate-se de violação ao dever de proteção, como no caso em que o nome da pessoa é levado a inscrição em cadastro de inadimplentes, sem que antes seja concedida oportunidade dela regularizar sua situação. Trata-se de descumprimento de dever de não fazer.

Aqui, inicialmente, analisa-se qual o tipo de tutela adequada [74] – dentro do campo das tutelas específicas. No caso, trata-se de tutela de "obrigação" contratual de fazer ou não fazer – correlata à tutela reintegratória, já que se visa a eliminação do ilícito em continuação – derivada do princípio da boa fé objetiva.

A seguir, questiona-se se o mais acertado é (a) fazer com que o próprio violador do direito desfaça a ação errônea ou produza a esperada ou (b) que terceiro realize a conduta desejada ou faça com que a situação se normalize [75]. No caso concreto, muito mais prático será que outrem – diverso do devedor – faça cessar a violação, já que o dever é fungível [76], tendo o provimento eficácia executiva lato sensu, a ser atuado no mesmo processo em que se deu a atividade cognitiva.

Quanto ao meio de execução, deve ser utilizado um que corresponda a sanção sucessiva – eis que a situação ilícita já se iniciou – reparatória restituitória – com a realização tardia do dever de não fazer, para alcance de situação semelhante à anterior à violação do direito –, nos termos da orientação doutrinária antes exposta [77].

Assim, o próprio magistrado deverá proferir comunicado ao órgão cadastral, para que seja excluído o nome antes inscrito, já que, nas situações em que se obtém mais imediata e facilmente o resultado equivalente através da sub-rogação – meio executivo, em seu sentido estrito – deve-se adotar de pronto tal via.

Com efeito, seria muito menos eficiente, e sem razão de ser, a expedição de ordem (eficácia mandamental) para que o próprio sujeito que levou o nome a cadastro procure o órgão registral e requeira a exclusão. Tal iter demandaria muito mais tempo – pela necessidade de intimação do violador, por exemplo – e teria muito mais riscos de não obter êxito – já que poderia haver negação à realização da conduta, num primeiro momento.

Podem ser utilizados simultaneamente, todavia, mecanismos de sub-rogação e de coerção, no intuito de cercar de maiores garantias a efetividade do provimento [78].

Anote-se que um importante meio de implantação da tutela específica é a nomeação, pelo magistrado, de pessoa de sua confiança para exercer o papel de interventor judicial, fiscalizando o atendimento às decisões tomadas, inclusive vindo a atuar para proteger o direito, quando necessário [79].

Essa intervenção, todavia, deve ser adotada somente quando outra medida menos drástica não servir ao fim colimado e deve ser restringida ao necessário para efetivar a decisão, sendo imperioso que o interventor forneça informações periódicas sobre a atividade.

Imperioso frisar, ainda, que, quando necessário, o custeio das medidas de implantação da tutela específica deve ser, na medida do possível, arcado pelo réu [80]. À obtenção de recursos junto a este, mesmo em se tratando de quantia pecuniária, cabe o uso de provimentos idênticos aos utilizados na implementação do direito em si [81].

Nessa hipótese é possível o bloqueio de valores depositados em bancos em nome do demandado e a apreensão de receitas por ele geradas, por exemplo. Em alguns casos, contudo, o juiz pode vincular tais providências à apresentação de caução, pelo autor. Somente será adotado o procedimento de execução por quantia certa quando não houver dinheiro liquidamente disponível no patrimônio do réu ou quando a apreensão desse numerário lhe causar grave e inexigível gravame.

3.2. Fixação do tema: casuística

Vejamos, para melhor entendimento do assunto, outros exemplos de conhecimento e tutela de deveres anexos.

Imagine-se o caso de um posto de combustíveis que realize um contrato "de bandeira" com certa distribuidora do produto. Desse modo, fica implícito – e muitas vezes mesmo expresso – o dever de cooperação traduzido na vedação a adquirir combustível de outro fornecedor – dever de não fazer.

Constatado pelo julgador tal dever, procede-se ao exame da tutela adequada, qual seja – segundo os parâmetros adotados no trabalho – a de obrigações contratual de não fazer – que reflete em termos mais específicos as tutelas inibitória e preventiva executiva [82].

Analisa-se então a opção entre provimento com eficácia executiva lato sensu, que impeça materialmente o devedor de praticar a conduta vedada, ou provimento mandamental, que coaja o sujeito a abster-se da prática [83]. No caso em tela, tanto um quanto outro são eficientes, e podem ser fixados simultaneamente, se necessário, como visto acima.

No tocante ao meio de execução [84], pode ser adotado um ou mais que corresponda(m) a sanção preventiva de controle, psicológica ou preclusiva, ou simultânea repressiva direta, se a violação está ocorrendo no momento atual.

Desse modo, podem ser efetuada a nomeação de interventor para fiscalizar a não-aquisição de combustíveis de outra distribuidora, a cominação de multa diária para caso de descumprimento do dever, ou mesmo a instalação de equipamento que impeça tal operação [85].

Dê-se o exemplo da tutela de um dever anexo de informação, agora. Vide o caso de empresa de transporte aéreo que deixa seus passageiros exacerbado tempo em espera, entre conexões, não informando a eles que havia outros vôos, da mesma companhia – dever de fazer.

Cabe, nesse caso, tutela que vise evitar a continuação ou repetição do ilícito – tutela de obrigação de fazer nos moldes da inibitória, preventiva executiva e reintegratória.

Analisando-se a eficácia do provimento que o julgador adotará, percebe-se que pode vir a ser emitida pelo juízo ordem para que a empresa informe a existência de outros vôos no ínterim entre os que havia programado (mandamental) ou mesmo determinação para que outrem preste tal informação (executiva lato sensu).

Quanto aos meios hábeis a executar os provimentos, destaca-se que caberiam, entre outras, dependendo das circunstâncias, sanção preventiva psicológica – quando se quer evitar que a empresa reitere a violação de tal dever; sanção simultânea sub-rogatória – quando se determina que outrem venha a prestar a informação, antes que o ilícito possa acarretar dano aos passageiros; sanção sucessiva reparatória – quando, por exemplo, se ilide a situação ilícita obrigando a empresa a custear transporte, mesmo que arcando com custos extras, quando a si deveu-se a demora e não foi a possibilidade de ocorrência da mesma informada aos passageiros [86].

Uma vez fixada detalhadamente a sistemática de tutela específica dos deveres contratuais anexos cabe, por fim, referir alguns parâmetros a serem seguidos pelo jurista, nessa atividade.

3.3. Limites à atividade jurisdicional

A atividade de cognição do dever anexo e implementação dele mediante sua tutela específica fica sujeita a algumas balizas.

No tocante a identificação do que seja dever anexo, em sua derivação da cláusula geral de atuação conforme a boa fé, já advertia LEHMANN [87], referindo-se ao Código Civil alemão, que "não se pode remover os males do mundo com o §242". Deve ser avaliada, assim, detidamente a existência de tais elementos genéricos – boa fé objetiva e equilíbrio contratual – no caso concreto, sob pena de cometer injustiças.

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Referentemente à seara processual, e retomando tema já abordado no capítulo 2, observa-se que não está o magistrado adstrito, na escolha dos meios de execução, àquele(s) pleiteado(s) pelo autor e tampouco jungido estritamente, durante o desenrolar da implantação da decisão, à medida adotada na sentença. A vinculação, na decisão definitiva do processo, se dá somente quanto à tutela do direito, não quanto ao modo de efetivá-la. Uma vez publicada a sentença, continua o juiz investido de poder jurisdicional, no sentido de dar cumprimento ao decisum, podendo utilizar-se dos meios mais eficazes para tanto.

Contudo, necessário não olvidar que o juiz, ao escolher a tutela e a técnica (eficácia sentencial, sanções) a ser utilizada, deve sopesar detidamente a necessidade e a adequação daquele meio frente ao prejuízo que pode vir a causar ao demandado. Deve, assim, ter preferência o meio mais idôneo, dentre os disponíveis, para alcançar o resultado desejável em seu máximo – máxima efetividade –, sem causar gravame maior do que o exigível, ao réu [88].

Assim, a eleição dos meios não fica ao puro arbítrio do magistrado, mas à sua escolha fundamentada, tendo por base, dentro do universo de medidas em tese admissíveis – que não ofendam direitos fundamentais, como seria o caso da prisão civil indiscriminada ou da proibição de exercício de atividade, vedada pela Súmula 70 do STJ –, aquelas que atendam os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, visando provocar o menor sacrifício possível ao devedor, dentro da maior eficácia ao credor. O meio, nesse sentido, não pode inviabilizar o cumprimento do dever de fazer ou não fazer, tampouco sacrificar bem jurídico substancialmente mais relevante.

Imprescindível ressaltar ainda que, antes da fixação de quaisquer medidas, sempre que possível o juiz deve ouvir as partes. Tal contraditório somente pode ser afastado nos casos de providências tomadas antecipadamente à sentença, e mesmo assim quando a situação for de extrema urgência, em que não haja tempo disponível para tanto [89].

Ademais, sempre que houver relativa desconfiança de que possa haver irreversibilidade do provimento e de que o direito venha a ser constatado inexistente, cabe a estipulação de caução, no intuito de garantir tal situação.

Em síntese, observa-se que, ao se livrar o Direito das impregnadas concepções liberais de mundo, veio o magistrado a angariar novos e abrangentes poderes, seja com a positivação da boa fé, enquanto cláusula geral, seja pela previsão indeterminada de meios de efetivação de suas decisões, na tutela do direito em si.

Ao mesmo passo, por conseqüência, ascendeu no horizonte do Direito a importância dos princípios gerais que norteiam a seara jurídica [90], como forma de limitar a atividade judicante aos ditames da ética e do bom senso, para que não se fuja à solução justa, mesmo que tal conceito – Justiça – tenha ganhado em abrangência, abarcando maior quantidade de fatores sociais, econômicos, ambientais, etc..

Nesse sentido, e para finalizar o trabalho, ficam as palavras do renomado jurista AGUIAR JÚNIOR [91]:

o arbítrio deve ser rigorosamente controlado, tanto mais quanto maiores as facilidades de seu uso pela reunião de uma cláusula geral a conceitos indeterminados; o afastamento da discricionariedade e do psicologismo se garante pela necessidade de fundamentação da decisão e de sua conformidade com o ordenamento jurídico global.

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Sobre o autor
Ângelo Madar Piva

advogado no Rio Grande do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIVA, Ângelo Madar. O uso dos mecanismos de tutela específica na implementação de deveres contratuais anexos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1023, 20 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8279. Acesso em: 5 nov. 2024.

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