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Paternidade socioafetiva e o retrocesso da Súmula nº 301 do STJ

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03/05/2006 às 00:00
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A Súmula nº 301 é equivocada porque parte de pressuposto falso (a identidade da paternidade com a origem genética), desconsiderando o paradigma atual da socioafetividade.

Sumário: 1. Pressupostos e evolução da paternidade socioafetiva; 2. A opção do legislador brasileiro pela paternidade socioafetiva; 3. Súmula 301-STJ; 4. Os precedentes da Súmula 301; 5. Limites de aplicação da Súmula 301; 6. A questão patrimonial e a solução jurídica que preserva a paternidade socioafetiva; 7. Argumentação conclusiva.


1. Pressupostos e evolução da paternidade socioafetiva

Muito se avançou no Brasil no que a doutrina jurídica especializada denomina paternidade (e filiação) socioafetiva, assim entendida a que se constitui na convivência familiar, independentemente da origem do filho. A denominação agrupa duas realidades observáveis: uma, a integração definitiva da pessoa no grupo social familiar; outra, a relação afetiva tecida no tempo entre quem assume o papel de pai e quem assume o papel de filho. Cada realidade, por si só, permaneceria no mundo dos fatos, sem qualquer relevância jurídica, mas o fenômeno conjunto provocou a transeficácia para o mundo do direito, que o atraiu como categoria própria. Essa migração foi possível porque o direito brasileiro mudou substancialmente, máxime a partir da Constituição de 1988, uma das mais avançadas do mundo em matéria de relações familiares, cujas linhas fundamentais projetaram-se no Código Civil de 2002.

O ponto essencial é que a relação de paternidade não depende mais da exclusiva relação biológica entre pai e filho. Toda paternidade é necessariamente socioafetiva, podendo ter origem biológica ou não-biológica; em outras palavras, a paternidade socioafetiva é gênero do qual são espécies a paternidade biológica e a paternidade não-biológica. Tradicionalmente, a situação comum é a presunção legal de que a criança nascida biologicamente dos pais que vivem unidos em casamento adquire o status jurídico de filho. Paternidade biológica aí seria igual a paternidade socioafetiva. Mas há outras hipóteses de paternidade que não derivam do fato biológico, quando este é sobrepujado por outros valores que o direito considera predominantes.

Em escrito publicado no número 1 da Revista Brasileira de Direito de Família (O exame de DNA e o princípio da dignidade da pessoa humana, p. 72), tínhamos chamado atenção para a necessidade de os juristas e profissionais do direito atentarem para a distinção necessária entre genitor e pai. Dissemos:

Pai é o que cria. Genitor é o que gera. Esses conceitos estiveram reunidos, enquanto houve primazia da função biológica da família. Afinal, qual a diferença razoável que deva haver, para fins de atribuição de paternidade, entre o homem dador de esperma, para inseminação heteróloga, e o homem que mantém uma relação sexual ocasional e voluntária com uma mulher, da qual resulta concepção? Tanto em uma como em outra situação, não houve intenção de constituir família. Ao genitor devem ser atribuídas responsabilidades de caráter econômico, para que o ônus de assistência material ao menor seja compartilhado com a genitora, segundo o princípio constitucional da isonomia entre sexos, mas que não envolvam direitos e deveres próprios de paternidade.

A paternidade é muito mais que o provimento de alimentos ou a causa de partilha de bens hereditários. Envolve a constituição de valores e da singularidade da pessoa e de sua dignidade humana, adquiridos principalmente na convivência familiar durante a infância e a adolescência. A paternidade é múnus, direito-dever, construída na relação afetiva e que assume os deveres de realização dos direitos fundamentais da pessoa em formação "à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar" (art. 227. da Constituição). É pai quem assumiu esses deveres, ainda que não seja o genitor.

Outra categoria importante é a do estado de filiação, compreendido como o que se estabelece entre o filho e o que assume os deveres de paternidade, que correspondem aos direitos mencionados no art. 227. da Constituição. O estado de filiação é a qualificação jurídica dessa relação de parentesco, compreendendo um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. O filho é titular do estado de filiação, da mesma forma que o pai é titular do estado de paternidade em relação a ele. Assim, onde houver paternidade juridicamente considerada haverá estado de filiação. O estado de filiação é presumido em relação ao pai registral.

A legislação brasileira prevê quatro tipos de estados de filiação, decorrentes das seguintes origens: a) por consangüinidade; b) por adoção; c) por inseminação artificial heteróloga; d) em virtude de posse de estado de filiação. A consangüinidade, a mais ampla de todas, faz presumir o estado de filiação quando os pais são casados ou vivem em união estável, ou ainda na hipótese de família monoparental. O direito brasileiro não permite que os estados de filiação não consangüíneos, referidos nas alíneas b a d, sejam contraditados por investigação de paternidade, com fundamento na ausência de origem biológica, pois são irreversíveis e invioláveis, no interesse do filho.

Por fim, outra categoria que se consagrou no direito brasileiro de família foi o da afetividade, entendida como o liame específico que une duas pessoas em razão do parentesco ou de outra fonte constitutiva da relação de família. A afetividade familiar é, pois, distinta do vínculo de natureza obrigacional, ou patrimonial, ou societário. Na relação familiar não há fim econômico, cujas dimensões são sempre derivadas (por exemplo, dever de alimentos, ou regime matrimonial de bens), nem seus integrantes são sócios ou associados. Por outro lado, a afetividade, sob o ponto de vista jurídico, não se confunde com o afeto, como fato psicológico ou anímico, este de ocorrência real necessária. O direito, todavia, converteu a afetividade em princípio jurídico, que tem força normativa, impondo dever e obrigação aos membros da família, ainda que na realidade existencial entre eles tenha desaparecido o afeto. Assim, pode haver desafeto entre pai e filho, mas o direito impõe o dever de afetividade. Além dos fundamentos contidos nos artigos 226 e seguintes da Constituição, ressalta o dever de solidariedade entre os membros da família (art. 3º, I, da Constituição), reciprocamente entre pais e filho (art. 229) e todos em relação aos idosos (art. 230). A afetividade é o princípio jurídico que peculiariza, no âmbito da família, o princípio da solidariedade.


2. A opção do legislador brasileiro pela paternidade socioafetiva

Como vimos, a Constituição tomou partido pelo conceito aberto e inclusivo de paternidade. Não há qualquer preceito constitucional que autorize a confusão entre genitor e pai, ou a primazia da paternidade biológica. Apesar disso, são espantosos e recorrentes os desvios doutrinários e jurisprudenciais, seduzidos pela impressão de certeza de exames genéticos, particularmente do DNA.

Encontram-se na Constituição brasileira vários fundamentos do estado de filiação geral, que não se resume à filiação biológica: a) todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º); b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, § 4º); não é relevante a origem ou existência de outro pai (genitor); d) o direito à convivência familiar, e não a origem genética, constitui prioridade absoluta da criança e o do adolescente (art. 227, caput).

Portanto, toda vez que um estado de filiação estiver constituído na convivência familiar duradoura, com a decorrente paternidade socioafetiva consolidada, esta não poderá ser impugnada nem contraditada. A investigação de paternidade só é cabível quando não houver paternidade, nunca para desfazê-la.

É incabível o fundamento da investigação da paternidade biológica, para contraditar a paternidade socioafetiva já existente, no princípio da dignidade da pessoa humana, pois este é uma construção cultural e não um dado da natureza. Aliás, a contradição é evidente quando se maneja o princípio da dignidade humana com intuito de assegurar a uma pessoa o direito à herança deixada pelo pretenso genitor, pois como disse Immanuel Kant em Fundamentação da metafísica dos constumes a dignidade é tudo aquilo que não tem preço.

Outro fundamento equivocado, frequentemente utilizado pela jurisprudência dos tribunais, antes do Código Civil de 2002, é o art. 27. do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece ser o reconhecimento do estado de filiação direito personalíssimo, indisponível e imprescritível. O equívoco radica no fato de nele enxergar-se o direito a impugnar paternidade já existente. Estado de filiação, como explicamos, resulta de convivência familiar duradoura. Se já existe, pouco importando sua origem, o art. 27. do ECA é imprestável. Se não existe, ou seja, quando não houver paternidade de qualquer natureza, então o artigo é aplicável, para assegurar o reconhecimento do estado de filiação àquele que nunca o teve.

O Código Civil de 2002, por seu turno, consagrou em sede infraconstitucional as linhas fundamentais da Constituição em prol da paternidade de qualquer origem e não apenas da biológica. Encerrou-se definitivamente o paradigma do Código Civil anterior, que estabelecia a relação entre filiação legítima e filiação biológica; todos os filhos legítimos eram biológicos, ainda que nem todos os filhos biológicos fossem legítimos. Com o desaparecimento da legitimidade e a expansão do conceito de estado de filiação para abrigar os filhos de qualquer origem, em igualdade de direitos (adoção, inseminação artificial heteróloga, posse de estado de filiação), o novo paradigma é incompatível com o predomínio da realidade biológica. Insista-se, o paradigma atual distingue paternidade e genética.

Destacamos, no Código Civil de 2002, as seguintes referências da clara opção pelo paradigma da paternidade socioafetiva:

  • a) art. 1.593, para o qual o parentesco é natural ou civil, "conforme resulte de consangüinidade ou outra origem". A principal relação de parentesco é a que se configura na paternidade (ou maternidade) e na filiação. A norma, ao contrário do persistente equívoco da jurisprudência, inclusive do STJ, é inclusiva, pois não atribui a primazia à origem biológica; a paternidade de qualquer origem é dotada de igual dignidade;

  • b) art. 1.596, que reproduz a regra constitucional de igualdade dos filhos, havidos ou não da relação de casamento (estes, os antigos legítimos), ou por adoção, com os mesmos direitos e qualificações. O § 6º do art. 227. da Constituição revolucionou o conceito de filiação e inaugurou o paradigma aberto e inclusivo;

  • c) art. 1597, V, que admite a filiação mediante inseminação artificial heteróloga, ou seja, com utilização de sêmen de outro homem, desde que tenha havido prévia autorização do marido da mãe. A origem do filho, em relação aos pais, é parcialmente biológica, pois o pai é exclusivamente socioafetivo, jamais podendo ser contraditada por investigação de paternidade ulterior;

  • d) art. 1.605, consagrador da posse do estado de filiação, quando houver começo de prova proveniente dos pais, ou, "quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos". As possibilidades abertas com esta segunda hipótese são amplas. As presunções "veementes" são verificadas em cada caso, dispensando-se outras provas da situação de fato. O Código brasileiro não indica, sequer exemplificadamente, as espécies de presunção, ou a duração, o que nos parece a orientação melhor. Por seu turno, o Código Civil francês, art. 311-2, na atual redação, apresenta as seguintes espécies não taxativas de presunção de estado de filiação, não sendo necessária a reunião delas: a) quando o indivíduo porta o nome de seus pais; b) quando os pais o tratam como seu filho, e este àqueles como seus pais; c) quando os pais provêem sua educação e seu sustento; d) quando ele é assim reconhecido pela sociedade e pela família; e) quando a autoridade pública o considere como tal. Na experiência brasileira, incluem-se entre a posse de estado de filiação o filho de criação e a adoção de fato, também chamada "adoção à brasileira", que é feita sem observância do processo judicial, mediante declaração falsa ao registro público;

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  • e) art. 1.614, continente de duas normas, ambas demonstrando que o reconhecimento do estado de filiação não é imposição da natureza ou de exame de laboratório, pois admitem a liberdade de rejeitá-lo. A primeira norma faz depender a eficácia do reconhecimento ao consentimento do filho maior; se não consentir, a paternidade, ainda que biológica, não será admitida; a segunda norma faculta ao filho menor impugnar o reconhecimento da paternidade até quatro anos após adquirir a maioridade. Se o filho não quer o pai biológico, que não promoveu o registro após seu nascimento, pode rejeitá-lo no exercício de sua liberdade e autonomia. Assim sendo, permanecerá o registro do nascimento constando apenas o nome da mãe. Claro está que o artigo não se aplica contra o pai registral, se o filho foi concebido na constância do casamento ou da união estável, pois a declaração ao registro público do nascimento não se enquadra no conceito estrito de reconhecimento da paternidade.

Diante desses marcos conceituais e legais, no direito brasileiro não há espaço para afirmação da primazia ou, o que é pior, da exclusividade da origem genética para determinar a paternidade, que é mais que um dado da natureza, pois é um complexo de direitos e deveres que se atribui a uma pessoa em razão do estado de filiação seja ele consangüíneo ou não. Assim se encontravam as coisas, quando o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 301, optando pela corrente que parece negar a evolução a que se chegou.


3. Súmula 301-STJ

Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.

O enunciado, aparentemente, procura ater-se à formação de prova, no campo processual, mas suas conseqüências vão além, atingindo o direito material e tornando tabula rasa a evolução antes demonstrada. Parte do lamentável equívoco de que paternidade biológica é a única que importa, desconsiderando a mudança de paradigmas que se operou no direito brasileiro, em total desconhecimento de sua natureza socioafetiva. Se o exame de DNA concluir que A é genitor de B então a paternidade estaria definida. Por outro lado, induz o réu a produzir prova contra si mesmo, invertendo um princípio que resultou da evolução do direito e da emancipação do homem. Confunde investigação da paternidade com o direito da personalidade de conhecimento da origem genética. Cria desnecessariamente mais uma presunção no direito de família: a da confissão ficta ou da paternidade não provada. Não faz referência às demais provas indiciárias, que contribuam para o convencimento do juiz. Não ressalva o estado de filiação já constituído, cuja história de vida é desfeita em razão da presunção de paternidade biológica.

Outro notável equívoco é a identificação subjacente à súmula, constantemente referida em seus precedentes, da verdade real na verdade biológica. Mas a verdade social da paternidade socioafetiva é tão real quanto a biológica, aferível por todos os meios de prova admitidos em direito. O paradigma do atual direito brasileiro é a paternidade de natureza socioafetiva, hipercomplexa e inclusiva, que pode ter origem biológica ou não biológica. A partir desse paradigma é que se deve pesquisar a verdade real, que pode ser diferente da que a origem genética indica (adoção, inseminação artificial heteróloga e posse de estado de filiação).

A Súmula indiretamente contradiz a orientação assentada no Supremo Tribunal Federal no HC 71.373/RS, de 1996, no sentido de que ninguém pode ser obrigado a submeter-se a exame de DNA, pois tal ato violaria garantias constitucionais explícitas e implícitas, a saber, "preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta da obrigação de fazer". Ao impor, como resultado da recusa ao exame de DNA, a conseqüência da paternidade presumida, na ordem prática das coisas, viola todas as garantias preservadas pelo STF. Para não sofrer tais conseqüências, o réu terá de se submeter ao exame.

A filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no registro civil, determina o art. 1.603. do Código Civil. O registro pode conter a filiação biológica ou a filiação não biológica. Não se exige que o declarante faça qualquer prova biológica; basta sua declaração. A declaração, como qualquer outra, poderá estar viciada por erro ou por falsidade. Mas não haverá erro ou falsidade da declaração para registro de filiação oriundo de posse de estado, consolidado na convivência familiar.


4. Os precedentes da Súmula 301

A Súmula 301 faz referência a sete precedentes, com respectivos anos das decisões do STJ: AGA 498.398-MG (2003), RESP 55.958-RS (1999), RESP 135.361-MG (1998), RESP 141.689-AM (2000), RESP 256.161-DF (2001), RESP 409.285-PR (2002), RESP 460.302-PR (2003).

O traço em comum encontrado nas decisões, com exceção da última referida, é a inexistência de pai registral (a criança apenas foi registrada com indicação da mãe), voltando-se as respectivas investigações de paternidade para imputa-la aos genitores biológicos. Como demonstraremos, a súmula seria aceitável se explicitasse sua aplicação a essa hipótese e desde que a presunção viesse conjugada à existência de provas indiciárias. A última decisão, todavia, demonstra que não é esse o seu alcance pretendido, pois resulta em desconsideração da paternidade socioafetiva. Passemos ao destaque dos pontos que interessam em cada uma das decisões.

No AGA 498.398-MG está dito que a recusa injustificada à realização do exame de DNA contribui para a presunção de veracidade. Ou seja, a recusa justificada afastaria a presunção e a presunção depende da existência de provas, pois apenas contribui. A decisão foi favorável, apesar de o agravante (réu) alegar que em nenhum momento o autor conseguiu "produzir indícios de provas de seu alegado direito", o que em parte foi confirmado pelo relator do tribunal recorrido ("a provas dos autos é evidentemente frágil, pois os depoimentos testemunhais são contraditórios").

No RESP 55.958-RS diz-se (ementa) que as decisões locais encontraram fundamento "em caudaloso conjunto probatório" e que a recusa ao exame de DNA induz presunção que milita contra a irresignação do investigado. Ora, se as provas são caudalosas qual a utilidade da presunção?

No RESP 135.361-MG constata-se que há "elementos suficientes de convicção sobre a paternidade imputada ao investigado". Pela mesma razão da decisão anterior, qual a utilidade da presunção? Neste caso, o mais grave foi admitir-se a presunção, em virtude da recusa dos irmãos e herdeiros do investigado (falecido). A investigação de paternidade foi manejada para fins exclusivamente econômicos.

No RESP 141.689-AM foi decisivo para o julgamento favorável à investigação da paternidade o fato de o investigado ter recusado o exame por mais de dez vezes, pois seu relacionamento com a mãe do investigante foi ocasional, inexistindo outras provas indiciárias. Para fins de imputar a paternidade a alguém pouco importa a quantidade de recusa a submeter-se ao exame.

No RESP 256.161-DF invocou-se o "princípio da garantia da paternidade responsável" para fazer valer a presunção (maioria da Terceira Turma do STJ). Note-se que os votos vencidos, inclusive do relator originário, chamaram a atenção para o fato de que "não há provas de que a mãe da autora e o réu tenham mantido relações sexuais" e que o Tribunal só tem admito a "presunção negativa de realização do exame de DNA apenas quando as provas complementares do processos são no sentido da paternidade".

No RESP 409.284-PR a Quarta Turma do STJ por unanimidade reconhece que "tal presunção não é absoluta, de modo que incorreto o despacho monocrático ao exceder seu alcance, afirmando que a negativa levaria o juízo de logo a presumir como verdadeiros os fatos, já que não há cega vinculação ao resultado do exame de DNA ou à sua recusa, que devem ser apreciados em conjunto com o contexto probatório global dos autos". Essa advertência bem demonstra o risco que a orientação simplista extraída do enunciado da súmula pode levar.

Finalmente, o RESP 460.302-PR expande perigosamente o alcance dessa orientação, pois resultou em negativa da paternidade socioafetiva existente, para atingir fins meramente econômicos. Tratou-se de ação negatória de paternidade proposta pela viúva e filhos do autor da herança contra menor impúbere filho registral deste com outra mulher, sob alegação de não ser filho biológico, com o fito de determinar "a exclusão da certidão de nascimento do nome ali constante como pai, dos avós paternos e apelidos de família". Essa violação à paternidade socioafetiva declarada pelo pai falecido junto ao registro público foi perpetrada sob argumento de constituir presunção desfavorável "a recusa da parte em submeter-se ao exame de DNA".

Do conjunto dos precedentes, percebe-se que a súmula é totalmente inútil, equivocada em seus fundamentos e violadora de princípios constitucionais. Sob a sedução do progresso científico e da grande precisão do exame de DNA, parte-se de premissa falsa que contamina todo resultado e leva a decisões injustas, a saber, a de que toda paternidade seria biológica e esta seria a verdade real.

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Sobre o autor
Paulo Lôbo

Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP), Professor Emérito da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Foi Conselheiro do CNJ nas duas primeiras composições (2005/2009).︎ Membro fundador e dirigente nacional do IBDFAM. Membro da International Society of Family Law.︎ Professor de pós-graduação nas Universidades Federais de Alagoas, Pernambuco e Brasília. Líder do grupo de pesquisa Constitucionalização das Relações Privadas (UFPE/CNPq).︎

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LÔBO, Paulo. Paternidade socioafetiva e o retrocesso da Súmula nº 301 do STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1036, 3 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8333. Acesso em: 2 nov. 2024.

Mais informações

Conferência proferida no 5º Congresso Brasileiro de Direito de Família, em Belo Horizonte (MG), no dia 27 de outubro de 2005.

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