1. Introdução
As provas no processo civil possuem diversas funções, desde demonstrar que algo efetivamente ocorreu no mundo dos fatos até comprovar a falta de interesse do devedor em quitar o débito voluntariamente. Isso porque, muitas vezes, o devedor prefere ocultar seu patrimônio a honrar suas dívidas.
Diante disso, o presente artigo propõe a utilização do cadastro positivo como um indicativo de que o executado tem condições de pagar o débito, mas não o fez por negligência.
Convém esclarecer que o cadastro positivo possui regulação própria na Lei nº 12.414/11, que disciplina a formação e a consulta a bancos de dados contendo informações sobre o adimplemento de pessoas naturais ou jurídicas para a construção de um histórico de crédito.
2. Cadastro Positivo
Trata-se de “um histórico do seu comportamento de crédito”, reunindo “informações sobre como você quita suas contas, levando em consideração sua pontualidade e sua conduta como pagador de boletos” (AGUIAR).
O cadastro positivo reúne informações relacionadas a pagamentos de boletos, empréstimos, contas de água, luz etc. As empresas geralmente acessam esses dados para conceder crédito. Quanto melhor for seu histórico de pagamentos, maior será seu score (pontuação) e, consequentemente, maiores serão as chances de obter crédito.
Convém esclarecer que, de acordo com o portal eletrônico Boa Vista, o “Cadastro Positivo não afeta o sigilo bancário, muito menos invade sua privacidade”, pois apenas “as informações do seu comportamento de pagamento, como datas de vencimento e de pagamento de faturas ou parcelas e os valores, além dos serviços continuados (luz, água, telefonia fixa e móvel pós-paga etc.)" constarão no cadastro.
Além disso, conforme o portal eletrônico Boa Vista, informações como “saldo em conta corrente, extrato bancário, dados de poupança ou investimentos e detalhes de compras feitas com cartões de crédito NÃO fazem parte do Cadastro Positivo, porque estão protegidas pela Lei do Sigilo Bancário.”
Ressalte-se que não é obrigatório manter seus dados no Cadastro Positivo, podendo, a qualquer momento, solicitar a retirada de seu nome, nos termos do art. 5º, I, da Lei nº 12.414/11, que disciplina a formação e a consulta a bancos de dados com informações de adimplemento de pessoas naturais ou jurídicas para a construção de um histórico de crédito.
3. Informações do Cadastro Positivo: Meio de Provar a Má-Fé do Devedor
Como é de conhecimento geral, o Cadastro Positivo reúne informações sobre os pagamentos realizados por determinada pessoa.
Imagine a hipótese em que o devedor, intimado para pagamento, deixa transcorrer o prazo sem honrar sua obrigação. Em seguida, inicia-se a busca pelo patrimônio do executado por meio dos mecanismos típicos e atípicos de satisfação do crédito. Contudo, em alguns casos, a execução torna-se frustrada diante da ausência de pagamento e da impossibilidade de localizar bens passíveis de penhora. A frustração do credor é evidente.
No entanto, por algum motivo, as contas regulares do devedor (aquelas que podem compor o conjunto de informações do Cadastro Positivo) continuam sendo quitadas pontualmente, enquanto o débito pendente no processo executivo permanece à espera de um milagre.
Convém lembrar que o exequente não tem acesso aos pagamentos das contas de água, luz, empréstimos, gás ou boletos do executado.
Diante dessa situação, o credor pode requerer, com fundamento no art. 370, I, do CPC[1], a expedição de ofício ao órgão responsável pelo Cadastro Positivo para obter acesso às informações sobre os pagamentos recentes realizados pelo devedor e, possivelmente, demonstrar que ele tem condições de quitar o débito executivo. Caso contrário, poderá ser condenado por má-fé, nos termos do art. 774 do CPC, que trata dos atos atentatórios à dignidade da justiça.
É importante ressaltar que não há violação à intimidade do devedor ao se acessar as informações constantes no Cadastro Positivo, uma vez que as empresas também têm acesso a esses dados para a concessão de crédito. Ademais, o juiz possui o poder-dever de determinar a quebra do sigilo para garantir a satisfação do crédito pertencente ao credor. Isso porque lhe cabe utilizar todos os meios indutivos, coercitivos, mandamentais ou sub-rogatórios necessários para assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive nas ações cujo objeto seja a prestação pecuniária.
Afinal, como pode o devedor deixar de pagar os débitos executivos enquanto suas contas regulares continuam sendo quitadas pontualmente?
Essa é uma questão que merece atenção, pois, caso isso ocorra, caberia, ao menos, forçar o devedor a pagar o débito em parcelas, demonstrando, com base no Cadastro Positivo, que suas demais obrigações financeiras estão sendo cumpridas regularmente.
4. Conclusão
A partir do trabalho realizado, é possível tecer as seguintes considerações:
O Cadastro Positivo deve ser utilizado para demonstrar o perfil de bom pagador. Isso porque o sujeito, ao realizar seus pagamentos em dia, mantém uma pontuação alta, o que possibilita a concessão de maiores créditos. Contudo, as informações constantes no Cadastro Positivo podem ser incorporadas ao processo civil para indicar que o executado/devedor apresenta indícios de capacidade para quitar o débito, tendo em vista que suas contas regulares continuam sendo pagas pontualmente (água, luz, telefone, empréstimos, boletos etc.).
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Além de evidenciar indícios da possibilidade de pagamento da dívida em execução, essas informações podem fundamentar uma eventual condenação do executado por ato atentatório à dignidade da justiça, visto que seu histórico de bom pagador, aliado ao pagamento regular de suas contas, indicaria que ele nunca deixou de pagar um boleto. Assim, não haveria justificativa para que deixasse de cumprir suas obrigações junto ao credor.
Referências
AGUIAR, Clara. Cadastro Positivo: como funciona?. Disponível em: <https://www.serasa.com.br/ensina/aumentar-score/cadastro-positivo-como-funciona/>. Acesso em: 21.06.2020
BOA VISTA. Mitos e Verdades do Cadastro Positivo. Disponível em:<https://www.consumidorpositivo.com.br/cadastro-positivo/>. Acesso em: 21.06.2020.
Nota
1 Art. 370. “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito”. (Código de Processo Civil)