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A prática registral da nacionalidade no livro E

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03/07/2020 às 13:15
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4. PRÁTICA REGISTRAL DO LIVRO “E”

            Nesse tópico, se apresentará como é feita a prática registral nos cartórios de registro civil da sede, de forma esquematizada, a partir de exemplos:

Cartório competente: somente os cartórios de registro civil da sede das Comarcas possuem o Livro E. A competência será do cartório da sede referente ao município onde se encontra domiciliado o interessado. Caso o interessado não more no Brasil, a competência registral é do 1º Oficio do Registro Civil de Pessoas Naturais do Distrito Federal - DF, em Brasília.

Opção de nacionalidade: é feita através de uma ação judicial ajuizada na Justiça Federal do domicílio do requerente. Tem direito a fazer esta ação, apenas os filhos de pais brasileiros, pai ou mãe, que nasceram no estrangeiro e NÃO FORAM REGISTRADOS EM CONSULADO. A sentença que confere a nacionalidade brasileira deve ser registrada no Livro E e o registrado será brasileiro nato. O Manual do Serviço Consular e Jurídico do Ministério das Relações Exteriores, dispõe que:

5.1.9 A confirmação da nacionalidade brasileira em definitivo dos nascidos no exterior, filhos de pai brasileiro ou de mãe brasileira, que tiveram o registro de nascimento estrangeiro transcrito diretamente em cartório competente no Brasil, permanece condicionada à exigência da opção pela nacionalidade brasileira dos interessados que atingiram a maioridade. Constando de documento público a condicionante de opção, essa exigência deverá ser observada antes de se proceder qualquer ato legal. Ressalta-se que, nesses casos, nos termos da NSCJ 4.4.6, não poderá ser lavrado novo registro consular de nascimento, devendo a Repartição Consular alertar os interessados do disposto na citada norma.[18]

De acordo com o item 5.1.9, acima, o fato de se ter procedido ao registro de opção não impede a acumulação com outras nacionalidades. Aí está a essência da dupla nacionalidade quando se admite o registro no Livro E do nascimento estrangeiro.  Inclusive a jurisprudência exige que se faça o registro no Livro E de transcrições de nascimento no estrangeiro para se proceder à ação de opção.  Em SP, as Normas deixam uma lacuna para interpretação se realmente o registro da transcrição seria obrigatório quando diz, no item 170.1, d), do Cap. XVII, que “o Registro Civil das Pessoas Naturais que lavrou o assento de transcrição de nascimento, se conhecido;”.  Se a Norma, diz “se conhecido”, parece não ser obrigatório e sim facultativo.

Opção de nacionalidade para menores: de acordo com o Art. 12, I, c, da Constituição, a opção de nacionalidade só é possível aos filhos de brasileiro, não registrados no Consulado, que tenham atingido a maioridade e sejam residentes no Brasil. Como trata o Manual - MSCJ:

4.4.4 Nos termos do Art. 12, inciso I, alínea “c”, in fine, da Constituição Federal, os filhos de pai brasileiro ou de mãe brasileira, nascidos no exterior, não registrados em Repartição Consular brasileira, somente poderão garantir a nacionalidade brasileira originária depois de atingida a maioridade civil (18 anos) e mediante o cumprimento das seguintes condições: I - residência no território nacional; e II - opção pela nacionalidade brasileira, por meio de ação específica a ser ajuizada, em qualquer tempo, perante a Justiça Federal.

4.4.5 Os registrados conforme as NSCJs 4.4.19 e 4.4.21, maiores de 18 anos, passam a ter a nacionalidade brasileira originária, cujos efeitos são retroativos (ex tunc). Assim, seus filhos poderão ser registrados na Repartição Consular, independentemente da data de nascimento, e também serão brasileiros natos.[19] (grifos nossos)

Um dos problemas apresentados por doutrinadores é que, pelo fato do exercício desse direito ser possível somente após a maioridade, esta condição poderia acarretar prejuízos no exercício de direitos políticos e civis de forma geral. O fundamento para essa regra constitucional se dá ao fato de se ser a nacionalidade um direito personalíssimo, cabendo exclusivamente à pessoa o exercício desse direito. Abaixo, transcrição de julgado do STJ:

Essa opção somente pode ser manifestada depois de alcançada a maioridade. É que a opção, por decorrer da vontade, tem caráter personalíssimo. Exige-se, então, que o optante tenha capacidade plena para manifestar a sua vontade, capacidade que se adquire com a maioridade. Vindo o nascido no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, a residir no Brasil, ainda menor, passa a ser considerado brasileiro nato, sujeita essa nacionalidade a manifestação da vontade do interessado, mediante a opção, depois de atingida a maioridade. Atingida a maioridade, enquanto não manifestada a opção, esta passa a constituir-se em condição suspensiva da nacionalidade brasileira.[20]

Vale mencionar o renomado jurista Valério Mazzuoli que muito bem destaca esse problema:

Imagine-se o caso de filhos gêmeos nascidos no exterior em que um deles (filho A) é registrado em repartição consular brasileira no país estrangeiro, enquanto o outro (filho B), por qualquer motivo não teve alí o seu registro efetivado, sendo que ambos vêm (ainda menores) residir no Brasil.[21]

Diante dessa dificuldade, surge, então, a “opção provisória da nacionalidade” com o objetivo de não prejudicar o exercício dos direitos concernentes à nacionalidade no Brasil sem, contudo, prejudicar a garantia personalíssima da opção.

Filhos de brasileiros registrados no estrangeiro, que não realizaram registro consular, que sejam residentes no Brasil e ainda não tenham atingido a maioridade civil poderão adquirir a nacionalidade provisória através de processo judicial de competência da Justiça Federal. É necessário fazer o registro da transcrição do nascimento estrangeiro no Livro E no cartório do domicílio do interessado. Na sentença, o juiz mencionará que a opção é provisória e deve ser confirmada após atingida a maioridade, alertando acerca da suspensão dos direitos caso não efetue a confirmação, que também será por ação judicial na Justiça Federal:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. NACIONALIDADE. OPÇÃO PROVISÓRIA. MENOR QUE, NASCIDO NO ESTRANGEIRO E FILHO DE BRASILEIRA, RESIDE NO PAÍS. ART. 12, I, C, DA CONSTITUIÇÃO. PEDIDO DE TRANSCRIÇÃO DE TERMO DE NASCIMENTO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Conforme orientação do STJ, "na linha de precedente da Segunda Seção, a Justiça Federal é competente para apreciar 'pedido de transcrição do termo de nascimento de menor nascida no estrangeiro, filha de mãe brasileira que não estava a serviço do Brasil, por consubstanciar opção provisória de nacionalidade a ser ratificada após alcançada a maioridade (artigos 12, I, 'c' e 109, X, da Constituição)'" (REsp 235.492/DF, DJ de 16.2.2004). 2. Apelação a que se nega provimento”.[22]

Surge um problema nesse momento para o direito registral. A sentença referente à opção de nacionalidade é registrada no Livro E, e isto está claramente positivado; porém, como se procederá com relação à sentença de opção provisória?

Conforme orientação do experiente Registrador do 1º Ofício de Santo André, SP, Marco Antônio Greco Bortz, uma referência em Livro E em SP, pautado na melhor técnica registral, entende que esta sentença de opção provisória deve ser registrada no Livro E, cujo conteúdo do assento já menciona o registro da transcrição do nascimento estrangeiro; depois, segundo Bortz, far-se-á anotação do registro desta sentença provisória no registro da transcrição do nascimento estrangeiro. Importante assinalar, que os juízes exigem, como uma das condições da ação judicial de opção, o registro da transcrição do nascimento estrangeiro no Livro E[23].

Seguindo as orientações de Bortz, quando o interessado completar a maioridade e fizer a confirmação da opção, esta também feita por ação judicial de competência federal, far-se-á a averbação dessa sentença de confirmação de opção à margem do registro anterior da opção provisória. Depois disso, deve-se anotar e não averbar – por se entender ser a melhor prática -, esta averbação da sentença de opção de confirmação no registro da transcrição do nascimento estrangeiro.

Em termos de publicidade desses atos, ao se requerer uma certidão do registro de nascimento estrangeiro, haverá em campo próprio: uma anotação mencionando o registro da sentença de opção provisória, e uma outra anotação mencionando a averbação da confirmação de opção.

No que tange à publicidade da certidão do registro de opção de nacionalidade, haverá uma averbação de confirmação de nacionalidade apenas, pois a informação sobre a transcrição do registro estrangeiro já se encontra no corpo do assento.

Por fim, deve-se considerar que o legislador quis estabelecer um critério   biológico e não civil no Art. 12, I, c, quando diz “maioridade” e, por este motivo, a emancipação não capacitaria, como regra exegética geral, o menor emancipado a fazer a opção definitiva, sendo-lhe necessário fazer, se quisesse, a provisória.

Mesmo a CF falando em maioridade e não capacidade, há decisões no sentido de ser possível pela emancipação obter a opção de nacionalidade, cujo leading case, de 1970, de relatoria do Ministro Djaci Falcão, vem sendo seguido desde então; segue abaixo,

NACIONALIDADE – OPÇÃO – CAPACIDADE CIVIL. – A Constituição exige, para a opção pela nacionalidade brasileira, a maioridade, sendo que esta pode ser obtida, também, no caso de emancipação. – Recurso extraordinário não conhecido.[24]

Ainda sobre as decisões em sede de opção de nacionalidade, as decisões não se sujeitam a reexame necessário.

Registro consular: O Consulado funciona como um cartório, com Livros e sistema de escrituração formal e abrange tanto atos registrais, como nascimento, casamento e óbito, quanto notariais, como testamentos e procurações. O serviço consular é prestado apenas para brasileiros e uma vez que se registra o nascimento em Consulado, já se adquire a nacionalidade brasileira nata cujo registro em Livro E dará apenas publicidade ao ato registral consular no Brasil[25]. Importante notar que é vedado se fazer dois registros de nascimento em Consulados diferentes, sob pena de se responder criminalmente:

4.4.12 A Autoridade Consular deverá alertar o(a) declarante de que o registro consular de nascimento não poderá ser efetuado quando houver registro anterior em outra Repartição Consular brasileira ou traslado direto da certidão local em Cartório de 1º Ofício de Registro Civil no Brasil. A lavratura de duplo registro de nascimento e/ou a declaração de informações inverídicas no requerimento implicarão crime de falsidade ideológica, previsto no Código Penal brasileiro[26].

            Importante ressaltar que a vedação positivada na parte final do item acima, é apenas para o duplo registro consular, quando o brasileiro leva a registro o nascimento de seu filho em dois Consulados brasileiros diferentes. Não tem nada a ver com a possível acumulação do registro local de nascimento e do consular e sempre será recomendado aos pais brasileiros registrarem no Consulado seu filho nascido no estrangeiro:

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5.1.6 A Autoridade Consular deverá recomendar sempre aos brasileiros que efetuem o registro de seus filhos na Repartição Consular, por constituir prova de filiação e atribuir nacionalidade brasileira.[27]

            Quanto aos efeitos do registro consular, há previsão expressa de que a nacionalidade brasileira só é adquirida a partir desse registro:

4.4.3 A Autoridade Consular deverá orientar os brasileiros que efetuem o registro de nascimento de seus filhos na Repartição Consular, a fim de que lhes seja garantida a aquisição da nacionalidade brasileira originária, nos termos do Art. 12, inciso I, alínea "c", da Constituição Federal de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 54, de 20/09/2007. Deverá alertá-los, ainda, de que o registro consular de nascimento será pré-requisito obrigatório para a obtenção de documento de viagem brasileiro.[28]

Naturalização de estrangeiro: existe permissivo constitucional, com regras claras de prazo e condições, para que o estrangeiro se torne brasileiro de forma derivada. O processo de naturalização ocorre no âmbito do Ministério da Justiça junto aos órgãos da Polícia Federal. O regulamento da naturalização está positivado no Capítulo 5º, “Nacionalidade”, Seção 2ª, “Nacionalidade brasileira derivada: naturalização”, do Manual do Serviço Consular e Jurídico do Ministério das Relações Exteriores. De acordo com item 5.2.1 do MSCJ, a concessão da nacionalidade brasileira é faculdade exclusiva do Poder Executivo Federal e far-se-á mediante Portaria do Ministro da Justiça.

Deverá registrar a transcrição do seu nascimento no estrangeiro no Livro E do cartório do seu domicílio e depois efetuar outro registro, também no Livro E, da decisão (Portaria) de concessão da nacionalidade brasileira pela naturalização. Após feitos ambos os registros, deve-se anotar apenas a naturalização no registro estrangeiro, pois este já se encontra mencionado no corpo do assento do registro da naturalização.

À luz do que determina a Constituição brasileira, esse estrangeiro manterá sua nacionalidade originária com a nova nacionalidade brasileira, terá dupla nacionalidade. Importante assinalar que se a lei pessoal do estrangeiro impede a acumulação pela naturalização, ele perderá a sua nacionalidade originária.

Há de se ressaltar que a CF/88 determina a perda da nacionalidade pela naturalização quando se trata de brasileiro que adquire outra nacionalidade, não se aplicando essa regra ao estrangeiro naturalizado brasileiro. Cumpre observar que a nacionalidade originária desse estrangeiro naturalizado brasileiro, à luz do que dispõe a Constituição, é mantida, mas sua permanência vai depender da Lei pessoal, de seu país de origem. 

Naturalização de brasileiro: interessante notar que o brasileiro nato só perde a nacionalidade brasileira caso se naturalize estrangeiro, com a ressalva de que, se essa naturalização decorreu de imposição da lei estrangeira, ele, então, não perde a nacionalidade brasileira. Já o estrangeiro naturalizado brasileiro pode perder a nacionalidade brasileira por decisão judicial, por decisão do Ministério da Justiça e a requerimento próprio.

Por ter índole constitucional, a perda da nacionalidade brasileira, seja para naturalizados ou natos, só pode ocorrer nos estritos termos legais:

A perda da nacionalidade brasileira, por sua vez, somente pode ocorrer nas hipóteses taxativamente definidas na Constituição da República, não se revelando lícito, ao Estado brasileiro, seja mediante simples regramento legislativo, seja mediante tratados ou convenções internacionais, inovar nesse tema, quer para ampliar, quer para restringir, quer, ainda, para modificar os casos autorizadores da privação – sempre excepcional – da condição político-jurídica de nacional do Brasil.[29]

A perda da nacionalidade do brasileiro nato sempre ocorrerá se o brasileiro se naturalizou estrangeiro de forma voluntária, fora da hipótese de imposição legal alienígena.

Nesse contexto, vale mencionar o famoso Caso Hoerig, um leading case da primeira extradição de brasileiro nato por perda de sua nacionalidade. Nesse caso, uma brasileira, naturalizada americana, foi acusada nos EUA de ter assassinado seu marido; vindo para o Brasil na expectativa de se furtar de responder pelo crime nos Tribunais americanos, sofreu a extradição[30]. A perda da nacionalidade dessa brasileira foi objeto de um processo administrativo (Processo nº 08018.011847/2011-01), convertido na Portaria Ministerial nº 2.465, de 03/07/2013,   abaixo transcrita:

PORTARIA Nº 2.465, DE 3 DE JULHO DE 2013

O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, usando da atribuição conferida pelo art. 1 do Decreto n 3.453, de 9 de maio de 2000, publicado no Diário Oficial da União de 10 de maio do mesmo ano, tendo em vista o constante dos respectivos processos administrativos que tramitaram no âmbito do Ministério da Justiça, resolve: DECLARAR a perda da nacionalidade brasileira da pessoa abaixo relacionada, nos termos do art. 12, § 4 , inciso II, da Constituição, por ter adquirido outra nacionalidade na forma do art. 23, da Lei n 818, de 18 de setembro de 1949: CLAUDIA CRISTINA SOBRAL, que passou a assinar CLAUDIA CRISTINA HOERIG, natural do Estado do Rio de Janeiro, nascida em 23 de agosto de 1964, filha de Antonio Jorge Sobral e de Claudette Claudia Gomes de Oliveira, adquirindo a nacionalidade norte-americana (Processo nº 08018.011847/2011-01). JOSÉ EDUARDO CARDOZO[31]

Esta Portaria foi atacada, e em 2016, o STF manteve a constitucionalidade da Portaria mantendo, portanto, a perda da nacionalidade brasileira:

Brasileira naturalizada americana. Acusação de homicídio no exterior. Fuga para o Brasil. Perda de nacionalidade originária em procedimento administrativo regular. Hipótese constitucionalmente prevista. Não ocorrência de ilegalidade ou abuso de poder. (...) A CF, ao cuidar da perda da nacionalidade brasileira, estabelece duas hipóteses: (i) o cancelamento judicial da naturalização (art. 12, § 4º, I); e (ii) a aquisição de outra nacionalidade. Nesta última hipótese, a nacionalidade brasileira só não será perdida em duas situações que constituem exceção à regra: (i) reconhecimento de outra nacionalidade originária (art. 12, § 4º, II, a); e (ii) ter sido a outra nacionalidade imposta pelo Estado estrangeiro como condição de permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis (art. 12, § 4º, II, b). No caso sob exame, a situação da impetrante não se subsume a qualquer das exceções constitucionalmente previstas para a aquisição de outra nacionalidade, sem perda da nacionalidade brasileira.[32]

Em suma, a perda da nacionalidade de brasileiro é feita através de um processo administrativo, com ampla defesa e contraditório, pelo Ministério da Justiça; entendendo haver a perda da nacionalidade pela naturalização voluntária, o Ministério da Justiça edita uma Portaria declarando a perda da nacionalidade.

Não existe previsão legal para o registro no Livro E da perda da nacionalidade, apenas há determinação legal de averbação no nascimento pela LRP:

127. No livro de nascimento, serão averbados:

(...)

c) a perda ou a retomada de nacionalidade brasileira, quando comunicadas pelo Ministério da Justiça;

Nesse sentido, como bem orienta o Registrador Marco Bortz, ingressando uma averbação por força do título consubstanciado na Portaria do MJ, este ato, por uma exegese teleológica, e visando ao cumprimento do princípio da integração registral, deve-se fazer também uma anotação no Livro B, caso a pessoa seja casada. Marco Bortz propõe uma interpretação do Art. 106 da LRP, pela qual entende que a averbação da Portaria no registro de nascimento, sendo um ato posterior ao registro de casamento, cumpre o mandamus do Art. 106, que determina que as anotações devem ser feitas sobre atos anteriores.

Em suma, depois de editada a Portaria do MJ que declara a perda da nacionalidade de brasileiro, deve-se averbar esse título no assento de nascimento (Art. 127, LRP) e depois, sendo o brasileiro que perdeu a nacionalidade casado, deve-se  proceder à comunicação para anotação dessa averbação no Livro B, pelo que dispõe o Art. 106, da LRP.

Brasileiro que se naturaliza estrangeiro por imposição da lei estrangeira: (por exemplo, um brasileiro jogador de futebol no país estrangeiro para jogar na seleção daquele país é obrigado a adquirir a nacionalidade do time): O brasileiro que mora fora do Brasil e que se vê obrigado a se naturalizar para poder exercer um trabalho, uma profissão, um esporte, enfim, exercer um direito, não perde a nacionalidade brasileira; nesse caso ele manterá ambas.

Nascido no estrangeiro de pai ou mãe brasileiros[33], não registrado em Consulado, registrado em cartório local de país que adota o critério do solo: adquirirá a nacionalidade do país estrangeiro[34]. Pode adquirir a nacionalidade brasileira se vier a residir no Brasil e fizer ação de opção de nacionalidade. Neste caso, ele terá dupla nacionalidade: a do país onde nasceu e a brasileira, pela opção de nacionalidade. Deverá fazer o registro da transcrição de sua certidão de nascimento estrangeira[35] e o registro da sentença de opção de nacionalidade, ambos no Livro E. No registro da opção de nacionalidade já consta no corpo do assento a nacionalidade estrangeira sendo necessária apenas uma anotação no registro de transcrição do nascimento estrangeiro da opção de nacionalidade brasileira.

Vale a pena trazer o que diz o MSCJ, em seu item 5.1.9:

A confirmação da nacionalidade brasileira em definitivo dos nascidos no exterior, filhos de pai brasileiro ou de mãe brasileira, que tiveram o registro de nascimento estrangeiro transcrito diretamente em cartório competente no Brasil, permanece condicionada à exigência da opção pela nacionalidade brasileira dos interessados que atingiram a maioridade. Constando de documento público a condicionante de opção, essa exigência deverá ser observada antes de se proceder qualquer ato legal. Ressalta-se que, nesses casos, nos termos da NSCJ 4.4.6, não poderá ser lavrado novo registro consular de nascimento, devendo a Repartição Consular alertar os interessados do disposto na citada norma.[36]

Mais uma vez, o Manual ressalta a vedação da acumulação de registros oriundos do Consulado com aqueles decorrentes das opções da nacionalidade. O Manual não veda a acumulação de registros de opção ou consular com registros de nascimentos estrangeiros.

Nascido no estrangeiro de pai ou mãe brasileiros[37] registrado em cartório local do país que adota o critério do solo e registrado posteriormente no consulado brasileiro[38]: Nesse caso, ele adquirirá a nacionalidade do país onde nasceu[39] e depois se fizer o registro consular irá adquirir a nacionalidade brasileira sem necessidade de se fazer a opção, pois se registrou no Consulado. Deverá haver menção no assento consular do registro de nascimento estrangeiro que pode atribuir nacionalidade ou não, a depender da lei pessoal ou da lei local. Neste exemplo, ele teria adquirido a nacionalidade estrangeira e isso deve ser mencionado no assento consular.

Essa pessoa, visando a dar efeitos erga omnes ao registro consular poderá, mesmo não morando no Brasil, registrar no Livro E do 1º oficio do DF, a transcrição do seu registro consular. Ele terá a dupla nacionalidade[40]. Há entendimento jurisprudencial de que seria vedado realizar o registro de transcrição do nascimento estrangeiro, sendo apenas possível fazer o registro consular no Livro E.

Nascido no estrangeiro de pai ou mãe brasileiros[41] registrado apenas em cartório local de país que adota o critério do sangue: Nesse caso, ele não será brasileiro, podendo não ter nacionalidade alguma, ser um apátrida[42]. Essa certidão de nascimento pode ter sua transcrição registrada no Livro E do 1º Oficio do DF, no caso de ser a pessoa domiciliada fora do Brasil.

Vale notar que a apatria, conhecida como conflito negativo de nacionalidade, é uma disfunção da nacionalidade e combatida fortemente pela comunidade internacional. Em site institucional do governo brasileiro, há informações para os direitos dos apátridas:

Reconhecimento da condição de Apátrida, ou seja, a pessoa é reconhecida como sem pátria. Este serviço de reconhecimento lhe dá proteção internacional e facilidade de naturalização.

O processo de reconhecimento da condição de apátrida tem como objetivo verificar se o solicitante é considerado nacional pela legislação de algum Estado e poderá considerar informações, documentos e declarações prestadas pelo próprio solicitante e por órgãos e organismos nacionais e internacionais.[43]

A apatria de filhos de brasileiros gerou grande comoção popular antes da promulgação da EC 54, em 2007. Houve muitos movimentos inclusive sociais buscando essa medida. A organização Brasileirinhos Apátridas foi uma das entidades sociais que lutou por esse direito[44].

Foi com muita pressão em cima do Parlamento e do governo que conseguimos a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional, PEC 272.00, que devolve a nacionalidade brasileira automática aos filhos de brasileiros nascidos no Exterior.[45]

Antes da EC 54, tinha-se notícia de grande quantidade de filhos de brasileiros na situação de apatria:

Lei deixa 200 mil filhos de brasileiros no exterior sem pátria

A condição está sujeita à confirmação de residência no Brasil e opção pela nacionalidade brasileira perante um juiz federal

Passaportes e certidões de nascimento trazem ressalva; bebês que nascem em países que exigem laços de sangue são considerados apátridas.[46]

Considerando-se não só a situação de apatria dos filhos de brasileiros, mas também as orientações internacionais, depois de muita movimentação político-parlamentar, se pensou em se estabelecer uma medida para combater a apatria no Brasil.  E, em 2007, foi promulgada a Emenda Constitucional 54, decorrente da PEC 272.00,  que incluiu na alínea c, do I, Art. 12 da Constituição, a possibilidade do registro consular para os filhos de pai ou mãe brasileiros nascidos no exterior. Também se permitiu que registros feitos anteriormente em Consulado tivessem esse efeito. A EC 54 dá efeito ex tuc ao texto incluído na alínea c, alcançando inclusive registros passados. Nos cartórios, esses registros consulares antigos registrados no Livro E devem ser averbados, a pedido ou de ofício, com a informação de que são brasileiros natos. A Resolução 155 do CNJ determina, de forma clara e objetiva esse dever, inclusive estabelece como deve ser a redação do conteúdo dessa averbação:

Art. 12. Por força da redação atual da alínea c do inciso I do art. 2 da Constituição Federal e do art. 95 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (Emenda Constitucional nº 54, de 20 de setembro de 2007), o oficial de registro civil deverá, de ofício ou a requerimento do interessado/procurador, sem a necessidade de autorização judicial, efetuar averbação em traslado de assento consular de nascimento, cujo registro em repartição consular brasileira tenha sido lavrado entre 7 de junho de 1994 e 21 de setembro de 2007, em que se declara que o registrado é: "Brasileiro nato de acordo com o disposto no art. 12, inciso I, alínea "c", in limine, e do artigo 95 dos ADCTs da Constituição Federal."

Parágrafo único. A averbação também deverá tornar sem efeito eventuais informações que indiquem a necessidade de residência no Brasil e a opção pela nacionalidade brasileira perante a Justiça Federal, ou ainda expressões que indiquem tratar-se de um registro provisório, que não mais deverão constar na respectiva certidão.[47] (grifos nossos)

Ainda sobre esse cenário de apatria, em 2004, o renomado jurista Zeno Veloso, em publicação bastante informal, comentando sobre o problema da apatria de filhos de brasileiros nascidos no estrangeiro, citou o caso do filho do jogador Ronaldinho, cujo conteúdo vale ser transcrito abaixo:

(...) contando o caso, inclusive, do jogador de futebol Ronaldinho, cujo filho nasceu em Milão e, como o pai desejava que o menino fosse italiano, de posse da declaração de parto emitida pela maternidade, dirigiu-se ao registro civil, mas o funcionário milanês informou que não podia lavrar o registro da criança, pois a Itália segue o “jus sanguinis”, só conferindo automaticamente a nacionalidade italiana a quem for filho de italianos; decepcionado, Ronaldinho dirigiu-se, então, ao Consulado do Brasil, em Milão e, ali, foi dito a ele que o Brasil adota o “jus soli”, só recebendo a nacionalidade brasileira, em princípio, quem nasce no território brasileiro, ou seja filho de brasileiro (pai ou mãe), desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil (o que não era o caso do atleta). O menino, no futuro, poderá ter a nacionalidade brasileira, se vier a residir no Brasil e opte, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira. Mas esta opção faz-se perante a Justiça Federal, e o interessado já deve ter alcançado a maioridade (18 anos). Até lá, portanto, o filho de Ronaldinho, como os filhos de milhares de brasileiros, na mesma situação, são apátridas.[48] 

            Em suma, desde 2007, os filhos de brasileiros nascidos no estrangeiro podem se registrar no Consulado e com isso evitar uma situação de apatria, porém, como se colocou neste exemplo, caso não haja esse registro consular o filho de brasileiro que nasce em país que não atribua nacionalidade, será apátrida. O registro consular pode ser feito a qualquer tempo e ainda haverá sempre a opção de nacionalidade, caso vá residir no Brasil. Não custa relembrar o que diz o Manual sobre a possibilidade de registro consular a qualquer tempo e também a possibilidade de acumulação com outra nacionalidade originária:

5.1.3 O registro de nascimento poderá ser efetuado em qualquer tempo, independentemente da idade do registrando, nos termos dos artigos 32, caput, e 46 da Lei nº 6.015/1973, com a redação dada pela Lei nº 11.790/2 008.

5.1.4 Não há qualquer restrição quanto à múltipla nacionalidade de brasileiros que possuam nacionalidade originária estrangeira, seja em virtude de nascimento (jus soli) ou de ascendência (jus sanguinis) (ver NSCJ 5.3.1.b).[49]           

Para concluir esse tópico, depois da EC 54 só é apátrida quem quiser.

Filho de estrangeiro[50] nascido no Brasil: Será registrado no cartório de registro civil, no Livro A, e não no Livro E, e será brasileiro nato.

Filho de estrangeiros nascido no Brasil  cujos pais, pai ou mãe, estejam a serviço de seu país de origem: Não será brasileiro. O registro de nascimento será feito no Livro E, e não no Livro A, do cartório de domicílio dos pais no Brasil e haverá a indicação de que não é brasileiro. Se um dos pais for brasileiro, aí, sim, será brasileiro nato com registro no Livro A, ainda que o seu outro genitor esteja a serviço de seu país. As Normas de SP são claras quanto a essa escrituração:

157. Os registros de nascimento de nascidos no território nacional em que ambos os genitores sejam estrangeiros e em que pelo menos um deles esteja a serviço de seu país no Brasil deverão ser efetuados no Livro “E” do Registro Civil das Pessoas Naturais do 1º Subdistrito da Comarca, devendo constar do assento e da respectiva certidão a seguinte observação: “O registrando não possui a nacionalidade brasileira, conforme art. 12, inciso I, alínea “a”, in fine, da Constituição Federal”.[51]

Estrangeiro que se naturalizou brasileiro e a posteriori perde a nacionalidade brasileira nos casos previstos na Constituição (Art. 12, § 4º, I): Nesse caso, faz-se a averbação da perda da nacionalidade no Livro E do cartório no qual o estrangeiro teve sua decisão de naturalização registrada e a anotação dessa averbação no registro de transcrição de seu nascimento estrangeiro. Ele mantém a nacionalidade antiga, que nunca deixou de ter. A perda na nacionalidade do estrangeiro naturalizado brasileiro pode ocorrer de ofício em processo administrativo no Ministério da Justiça, em ação judicial ou a pedido do próprio naturalizado.

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Sobre a autora
Mariangela Ariosi

Sou tabeliã e registradora no interior do estado de São Paulo. Carioca, fiz meus estudos no RJ; mestrado em Direito na UERJ. Cursei o doutorado em Direito na USP, sem concluir a Tese, interrompido pois estava estudando para vários concursos, todos na área de cartório. Cursei algumas Pós na área cartorária e atualmente me preparo para retornar e concluir o doutorado. Também , fui professora de Direito durante quase 20 anos em algumas universidades do RJ como UCAM, São José, Castelo Branco e UNIRIO, dentre outras. Atualmente continuo estudando e escrevendo sobre temas afetos às atividades cartorárias. Estou a sua disposição para conversarmos sobre esses temas e trocar informações.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARIOSI, Mariangela. A prática registral da nacionalidade no livro E. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6211, 3 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83671. Acesso em: 26 abr. 2024.

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O conteúdo é inédito e, em breve, teremos a publicação do meu trabalho em uma edição muito especial.

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