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Os caminhos da ética na administração pública

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Reflete-se sobre o que de fato é necessário para a formação de uma administração pública íntegra e ética.

1.      INTRODUÇÃO

Atualmente a “ética” é um dos temas de destaque nos meios de comunicação brasileiros. Denúncias de corrupção, comportamentos imorais e notícias ligadas a esse assunto tiveram um crescimento que impressiona, deixando indignada a grande maioria da população.

Em meio aos problemas políticos e ao cenário caótico nacional, com notável desigualdade social e falta de infraestrutura na educação e na saúde, a ética tornou-se um dos assuntos mais abordados em escolas, universidades, locais de trabalho e até mesmo nas ruas. Muito diferente do que acontecia antigamente, quando tal matéria não vinha à luz com tanta frequência.

Nesse diapasão, cabe o questionamento no seguinte sentido: será que a sociedade vem depreciando seus valores éticos e morais ou o acesso à informação por diversos canais tornou mais rápido e acessível o conhecimento destes desvios nos dias de hoje?

O fato da população estar mais consciente das questões morais e da responsabilidade social que cabem às autoridades governamentais e às empresas em geral, com a correspondente prestação de contas decorrente do aperfeiçoamento da legislação e dos instrumentos de fiscalização cada vez mais eficientes, levou a um aumento da cobrança pelo comprometimento ético desses entes.

O presente trabalho busca trilhar o caminho da ética na Administração Pública, além de provocar uma reflexão sobre se as diversas definições e pensamentos sobre Ética e Moral estão, de alguma forma, normatizadas nas leis e no Código de Ética do Servidor Público Brasileiro, e se somente estas normas são suficientes para determinar um comportamento generalizadamente ético, contribuindo para a formação de profissionais íntegros.

2.      O QUE É ETICA

Segundo o Dicionário DICIO, ÉTICA é o "Segmento da filosofia que se dedica à análise das razões que ocasionam, alteram ou orientam a maneira de agir do ser humano, normalmente tendo em vista seus valores morais” e, por extensão, é a “Reunião das normas de valor moral presentes numa pessoa, sociedade ou grupo social: ética parlamentar; ética médica”. O termo deriva do grego ethos (caráter, comportamento, modo de ser de uma pessoa). Uma conduta que promove o equilíbrio e o bom funcionamento social, genuinamente enraizada, que vem de dentro para fora, possibilitando que ninguém saia prejudicado.

As reflexões sobre esse tema começaram na 'Antiguidade Clássica', com grandes filósofos como Sócrates e Platão. Eles se propuseram a estudar sobre o que de fato poderia ser compreendido como valor universal a todos os homens na busca de serem corretos, virtuosos e éticos. Nesse sentido, entendiam que a ética seria um meio de alcançar a felicidade.

Para Sócrates, ética reside no conhecimento e em vislumbrar na felicidade o fim da ação, onde todo erro é fruto da ignorância e toda virtude é conhecimento. Tem como objetivo preparar o homem para conhecer-se, tendo em vista que o conhecimento é a base do agir ético. Daí a importância de reconhecer que a maior luta humana deve ser pela educação, e que a maior das virtudes é a “de saber que nada se sabe”. Sua filosofia aborda a ética do respeito às leis e, portanto, à coletividade, sendo a obediência à lei o limite entre a civilização e a barbárie.

Já Platão, tem como ideia principal demonstrar que a vida na sua essência é pautada na ética tal como idealizada pelos gregos, e que tal afirmação continua vigente, devendo-se honrar crenças e valores, aproximando-se o discurso da ação. Ele busca um estado ideal utópico e entende que uma pessoa que conheça a essência geral do bem sabe que só pode ser feliz se agir demonstrando a adoção de comportamentos tidos como adequados. Para este filósofo, as principais qualidades morais seriam a coragem, a justiça, a sabedoria e a temperança, que desempenham a sua função no comportamento ético em relação à coletividade e ao bem comum.

Considerando uma visão mais contemporânea e abrangente, a ética pode ser definida como um conjunto de valores, princípios, regras e preceitos que norteiam o comportamento de um indivíduo ou grupo social no meio em que vivem. É a responsável pela investigação dos valores que distorcem, motivam, orientam ou disciplinam o comportamento humano.

Além dos princípios gerais que orientam o bom funcionamento social, existe também a ética de determinados grupos específicos, tais como: a ética empresarial, jornalística, nos esportes, na política e na educação.

Seguindo adiante, a ética não deve ser confundida com lei. A lei é uma obrigatoriedade, a qual todos os cidadãos estão submetidos, sob pena de sanções em caso de desobediência, mas nenhum indivíduo pode ser forçado a cumprir normas éticas. No entanto, a lei frequentemente se baseia em princípios éticos.

Nesse contexto, cabe aqui frisar a diferença entre ética e moral. A ética define como deve ser o comportamento do homem no meio social. A moral, por sua vez, é regida por leis, regras, padrões e normas que são adquiridos por meio do cotidiano, da educação, da tradição, do âmbito social, familiar e cultural, sendo algo que vem de fora para dentro, de acordo com convenções estabelecidas em cada sociedade. Ou seja, a moral é um conjunto de regras coletivas que facilitam o convívio e são mutuamente aceitas e intrínsecas ao homem social.

Dessa maneira, a consequência de um comportamento antiético seria a afronta aos valores e aos princípios, enquanto que o rompimento de um valor moral levaria à penalidade, justificada de acordo com a lei que rege o meio.

Por fim, cabe acrescentar o viés deontológico da ética, quando recomenda deveres para realização de valores que disciplinam o comportamento do homem, quer o exterior e o social, quer o íntimo e o subjetivo, sendo que cada sociedade ou grupo social possui seus próprios códigos de ética, sendo o altruísmo, a moralidade, a virtude, a solidariedade, a consciência e a responsabilidade ética, alguns exemplos de conceitos fundamentais que se constituem em um comportamento ético.


3.      A ÉTICA NO SERVIÇO PÚBLICO

 Hely Lopes Meirelles define serem “Servidores públicos" os "agentes públicos administrativos", sendo esta categoria composta da

"imensa massa dos prestadores de serviços à Administração direta e indireta do Estado nas seguintes modalidades admitidas  pela Constituição da República de 1988: a) servidores públicos concursados (art. 37, /I); b) servidores públicos exercentes de cargo em comissão ou função de confiança, sem concurso, escolhidos, preferencialmente, entre servidores ocupantes de cargo de carreira técnica ou profissional" (art.37, V); c) servidores temporários contratados "por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público" (art. 37, IX)".

Tendo em vista a importância de sua atividade, que afeta a vida de todos, a aplicação dos valores éticos por estes servidores é essencial para que a população acredite na integridade e eficiência do serviço público. É dever dos servidores serem obedientes às leis e aos princípios éticos, acima de qualquer vantagem financeira do cargo ou quaisquer interesses particulares, tendo sempre o bem comum como finalidade.

Para nortear o comportamento destes agentes do Estado, existem normas de conduta no âmbito do serviço público descritas em diversos códigos de ética nos três níveis de Governo: municipal, estadual e federal. Em âmbito federal, há o Código de Ética da Administração do Poder Executivo Federal, previsto no Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 2004, detalhado mais adiante.

Tais instrumentos normativos possuem penalidades em casos de não cumprimento das regras neles previstas e Comissões de Ética encarregadas de orientar e aconselhar sobre a ética profissional do servidor no tratamento com as pessoas e com o patrimônio público, sendo de sua responsabilidade, também, a imputação das penalidades.

Ainda informam os deveres dos servidores públicos, além das vedações a eles impostas, carregando conceitos tais como dignidade, honra, zelo, decoro e eficácia.

A título exemplificativo, em obediência aos princípios éticos, que se materializam na adequada prestação dos serviços públicos, o servidor deverá:

- ser probo, reto, leal e justo, escolhendo sempre, entre as opções disponíveis, a melhor e a mais vantajosa para o bem comum;

- jamais retardar qualquer prestação de contas, condição essencial da gestão dos bens, direitos e serviços da coletividade a seu cargo;

- ter respeito à hierarquia, porém sem nenhum temor de representar contra qualquer comprometimento indevido da estrutura em que se funda o Poder Estatal;

- resistir a todas as pressões de superiores hierárquicos, de contratantes, interessados e outros que visem a obter quaisquer favores ou vantagens indevidas em decorrência de ações imorais, ilegais ou aéticas e denunciá-las;

- facilitar a fiscalização de todos os serviços e/ou atos por quem de direito; e

- abster-se, de forma absoluta, de exercer sua função ou autoridade com intuito estranho ao interesse público.


4.      NORMATIZAÇÃO LEGAL DA ÉTICA NO SERVIÇO PÚBLICO BRASILEIRO

Não há uma legislação especifica para a ética no setor público. Buscou-se bases jurídicas em várias leis para a análise e tomada de decisões diante de alguns atos.

As próprias leis possuem sanções e mecanismos que penalizam servidores públicos que atuam em desacordo com suas diretrizes. A Lei de Improbidade Administrativa, por exemplo, traz várias situações que mostram atitudes tidas como atos contrários à probidade e à moralidade no serviço público. Mas esta lei, sozinha, não é suficiente.

Abaixo segue a evolução da normatização legal da ética no Serviço Público Brasileiro, com a citação de algumas normas esparsas em cujos comandos há indicativos de uma ação ética por parte dos agentes públicos que, em conjunto, oferecem certa orientação ao menos do que “não deve ser feito”.

- 1988 : Constituição da República Federativa do Brasil

O artigo 37, que segue in verbis, estabelece o princípio da moralidade na administração pública:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

- 1994 : Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994

Instituiu o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, dando início à gestão normativa da ética pública brasileira em nível federal. Este decreto define princípios e valores sobre a moralidade no serviço público e incita os servidores públicos a manterem o respeito pelos cidadãos que pagam impostos e demandam serviços da administração pública.

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Além disso, estabelece que deve ser criada uma Comissão de Ética em cada órgão ou entidade da Administração Pública Federal ou em qualquer órgão ou entidade que exerça atribuições delegadas pelo poder público.

- 2000: Código de Conduta para Alta Administração Federal (Exposição de Motivos nº 37, de 18/08/2000, aprovado em 21/08/2000).

Foi instituído tendo como objetivo, entre outros, tornar claras  as regras éticas de conduta daquelas autoridades e preservar a imagem e a reputação do administrador público, com o eixo  principal na questão do conflito de interesses que afeta as altas autoridades federais, como Ministros e Secretários de Estado,  titulares de cargos de natureza especial, secretários executivos, secretários ou autoridades equivalentes ocupantes de cargos executivos, presidentes e diretores  de agências nacionais, autarquias (inclusive  as especiais), fundações mantidas pelo Poder Público, empresas públicas e sociedades de economia mista.

- 2001: foi atribuído às Comissões de Ética previstas no Decreto nº 1.171/1994 o encargo de supervisionar o cumprimento do Código de Conduta para Alta Administração Federal e de atuar como elemento de fusão com a Comissão de Ética Pública. Surgia, assim, o embrião do sistema que viria mais tarde a ganhar os contornos necessários à sua institucionalização.

- 2007: Decreto nº 6.029, de 01 de fevereiro de 2007

Instituiu o Sistema de Gestão da Ética no Poder Executivo Federal, formado pela Comissão de Ética Pública, vinculada à Presidência da República, pelas Comissões de Ética previstas no Decreto nº 1.171/1994 e pelas demais Comissões de Ética existentes nas entidades e órgãos do Poder Executivo Federal.

Assim, passou a existir, formalmente, um sistema de gestão da ética em âmbito nacional. Esta norma também cuida do processo de apuração de infração de natureza ética, estabelecendo garantias que devem ser observadas em relação a todas as partes envolvidas, que são o denunciado ou investigado, o denunciante e os membros da Comissão de Ética.

Essas garantias são imprescindíveis para que o sistema de gestão da ética efetivamente funcione.

- 2008: Resolução nº 10, de 29 de setembro de 2008

Aprovou as normas de funcionamento e de rito processual no âmbito das Comissões de Ética instituídas pelo Decreto nº 1.171/1994, delimitando competências, atribuições, procedimentos e outras providências.

De forma indireta, outras leis tratam das ações éticas dos agentes públicos, com regras de controle e vedações. Como rol meramente exemplificativo é possível citar:

a) Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa) que dispõe sobre as sanções rígidas aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional.

b) Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 que trata do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Federais. Em seu art. 117, relaciona as condutas vedadas aos servidores públicos.

c)  Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000 e Lei nº 10.871, de 20 de maio de 2004, que contêm normas   destinadas a evitar a situação de conflito de interesses nas agências reguladoras, tais como: proibição de prestar serviços à empresa cuja atividade seja fiscalizada ou controlada pela agência e proibição de exercer direção político-partidária.

d) Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 (Lei de Licitações) que proíbe a contratação para execução de obra, serviço ou fornecimento de bens, de empresa cujo capital participe, direta ou indiretamente, o dirigente do órgão ou entidade contratante, ou mesmo o servidor responsável pela contratação ou pelo processo licitatório.

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Sobre a autora
Cintia de Oliveira Figueiredo de Castro

Graduada em Administração pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2005, Atuando como Auditora-Fiscal da Secretaria da Receita Federal do Brasil, desde 2010.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Cintia Oliveira Figueiredo. Os caminhos da ética na administração pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6226, 18 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83756. Acesso em: 5 nov. 2024.

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