Em virtude da pandemia mundial provocada pelo covid-19 e na tentativa de garantir e preservar a saúde da população, além de evitar novos contágios, a OMS – Organização Mundial de Saúde aconselha o uso de máscaras de proteção e pede que os governos orientem nesse sentido.
Assim, inúmeras campanhas foram lançadas para reforçar o uso do equipamento de segurança, enquanto em algumas cidades e estados a utilização da máscara já possui caráter obrigatório para pessoas em circulação externa, no trânsito e em locais onde haja contato interpessoal.
E no mundo corporativo não foi diferente. Ainda que a boa parte da população esteja trabalhando remotamente, existam consultas médicas virtuais, audiências por videoconferência, reuniões pela tela do computador e um grande distanciamento social, as relações continuam e nem todas as atividades, por sua própria essência, funcionam de forma remota.
Mesmo diante do isolamento social mercados, farmácias, hospitais e todos aqueles estabelecimentos que forneçam bens e serviços essenciais continuam abertos, a fim de garantir o funcionamento da sociedade. E, foi por isso que novas práticas tiveram que ser inseridas no dia a dia.
Novos hábitos e nova rotina para todos os que pertencem e convivem em sociedade: estamos diante de um novo modus operandi, onde rapidamente tivemos que nos habituar a uma mudança brusca de costumes, adotando medidas de segurança e novos métodos de trabalho e de convivência social.
E uma dessas novidades foi a utilização de máscaras de proteção como acessório indispensável e quase que extensivo ao corpo humano nos últimos meses. Basta entrarmos em uma farmácia, supermercado, ou em uma fila de banco que iremos observar quantas pessoas estão usando máscaras, mesmo nos locais onde não haja a obrigatoriedade do item.
E foi, diante da necessidade de uso desse novo acessório imprescindível que surgiram inúmeros modelos e estampas. Onde antes estávamos acostumados a ver máscaras brancas e discretas, hoje encontramos floridas, cheia de cores, com desenhos dos mais variados, voltadas para o público infantil e também com símbolos e logomarcas.
Não se sabe exatamente de onde surgiu e nem de quem foi a ideia, mas o que vemos é que desde as grandes empresas até o pequeno empreendedor, todos estão se aproveitando das máscaras de proteção para fazer propaganda do seu negócio.
Máscaras com as mais diversas logomarcas surgiram nos últimos meses. Tem o mercadinho da esquina, onde os funcionários utilizam o acessório, o técnico que faz a manutenção da internet para uma grande empresa de telecomunicação, o chaveiro do bairro que trabalha autonomamente, os frentistas do posto de gasolina e, um pouco mais recente, os advogados.
A medida em que as atividades estão voltando gradativamente e, por óbvio, vemos mais pessoas circulando nas ruas e espaços de acesso ao público, notamos que muitas delas estão utilizando as máscaras de proteção com logomarcas de escritórios de advocacia o que chamou a atenção da Ordem dos Advogados do Brasil, em especial a Seccional do Estado da Bahia.
E diante desse cenário a OAB-BA, através de um post na rede social Instagram, divulgou na última terça-feira (21) que máscaras de proteção com logomarca de escritórios de advocacia, se utilizadas por profissionais da classe fora do ambiente dos escritórios poderá ser considerada infração ao Código de Ética e Disciplina [Disponível em https://www.instagram.com/p/CC6vsE6n_RK/. Acessado em 23.07.2020].
Segundo a publicação, “fora desses espaços, essa prática pode ser considerada propaganda e infração ao Código de Ética”, devendo o acessório com o símbolo do escritório ser utilizado somente no ambiente de trabalho.
O comunicado gerou vários debates entre a classe e diante de tamanha polêmica alguns questionamentos foram levantados. Qual o ambiente de trabalho de um advogado? Em que a utilização das máscaras protetivas fere o Código de Etica? Qual a diferença entre pastas de escritório (que são permitidas) e máscaras (que agora estão sendo proibidas)?
Em abril do corrente ano, a Diretoria do Tribunal e Ética e Disciplina da OAB-BA emitiu Nota Técnica orientando a conduta profissional da advocacia durante o período de isolamento social decorrente da pandemia do COVID-19, cujo texto inova somente quanto às postagens em redes sociais, sendo silente quanto as máscaras, devendo o advogado(a) buscar alento no texto do Código de Ética e Disciplina da OAB.
O art. 39 do CED da OAB esclarece que a publicidade do advogado deverá ter caráter meramente informativo, primando pela discrição e sobriedade, sendo vedada a mercantilização da profissão e o emprego de meios para captar clientes.
Ainda no capítulo que trata a publicidade da classe, o art. 44 permite a utilização de cartões de visita, mala direta e materiais de escritório (onde estão incluídas as “pastas” mencionadas acima como exemplo de questionamento ao novo comunicado) como mecanismos de publicidade permitidos aos advogados(as) e escritórios de advocacia.
E mais, o Provimento nº 94/00 da OAB Nacional, em complemento ao Código de Ética, edita normas a respeito das vedações a que os advogados estão submetidos no que tange a publicidade, propaganda e informação da advocacia.
Deveras, é importante que se fique claro que a conduta vedada pelo código da Ordem não é o ato de publicizar em si, mas sim a forma como fazê-lo e o intuito dessa ação publicitária. O que se proíbe, portanto, é a propaganda que contenha a venda dos serviços advocatícios, precifique-os e os coloque no patamar atividade comercial.
Enquanto a publicidade for de caráter informativo e de identificação ela é permitida.
Mas e o uso de máscaras de proteção com logomarcas da classe advocatícia não teria caráter de identificação? Qual a mercantilização no acessório protetivo passível de ferir o Código de Ética e Disciplina da OAB?
Primeiro, cumpre observar que a logomarca é a representação gráfica do nome de uma empresa ou marca, que determina a sua identidade visual e tem como objetivo facilitar o seu reconhecimento, identificando-a e definindo-a no tempo e no espaço.
Nesse sentido, o uso de marcas, logomarcas, logotipos e etc. como símbolo representativo do escritório e/ou do advogado(a), na qualidade de espécie de identificação do profissional é permitido. Tanto é que os vemos nos cartões de visita, timbres de envelopes e papéis, pastas, cartões virtuais e diversos materiais de escritório, uma vez que somente identifica e informa a identidade daquele escritório sem qualquer conotação mercantilista.
A máscara de proteção com logomarca dos escritórios de advocacia, ao meu ver, cumpriria a mesma função dos materiais acima mencionados. Acessórios indispensáveis a profissão, uma vez que utilizados diariamente nas tarefas dos operadores do direito, e marcados com símbolos representativos de caráter meramente identificativo.
Em se tratando as máscaras indispensáveis para conter a propagação do COVID-19 e em sendo a advocacia uma profissão que requer contato diário com pessoas, sejam clientes, sejam outros advogados, sejam magistrados ou servidores, o acessório se torna, diante do cenário pandêmico, imprescindível aos que exercem a advocacia, estando no mesmo patamar dos materiais acima mencionados, daí o motivo pelo qual pode ser considerado um “material de escritório” e, portanto, ter o símbolo ali cravado tal qual os outros.
E mais! O uso das máscaras por um advogado não traduz a captação de clientes ou mesmo a venda dos serviços advocatícios, mas sim a conduta do profissional é que irá configurar (ou não) a prática de atos vedados pela Código de Ética e Disciplina da OAB.
Acredito que a intenção do comunicado da OAB-BA foi de proibir, em verdade, o uso indiscriminado das máscaras, seja a sua distribuição como brindes (o que é vedado!), seja a utilização para promoção profissional, a exemplo do advogado que a utiliza para dar entrevista a um canal de televisão e aproveita a visibilidade para fazer propaganda do escritório de advocacia.
Os advogados(as) que saem de seus escritórios e se dirigem a um estabelecimento público utilizando as máscaras não estão praticando qualquer infração, mesmo porque o ambiente de trabalho de um profissional da advocacia não se resume ao espaço físico de um escritório, sendo muito mais abrangente do que alguns metros quadrados.
São as delegacias, os fóruns, os tribunais, os órgãos administrativos, e tantos outros que compõem o ambiente de trabalho de um advogado(a), sendo inviável considerar ofensa ao Código de Ética e Disciplina da OAB a simples aparição desses profissionais com máscaras protetivas contendo logomarcas em tantos ambientes que são, na verdade, a extensão do seu local de trabalho.
A dinâmica do mercado de trabalho, as mudanças que permeiam as relações interpessoais e as inúmeras variáveis que afetam a vida em sociedade sugerem a necessidade de se esclarecer regras e normas.
É preciso que o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-BA reveja o comunicado emitido nos últimos dias – que certamente servirá como base para outras seccionais - e esclareça à classe o que de fato é considerado ambiente de trabalho do advogado, bem como delimite o que fere a legislação: se o uso puro e simples da medida protetiva com logomarcas ou desvirtuamento desse uso.
É importante lembrar que os advogados devem seguir as normas de publicidade constantes no Código de Ética e Disciplina da Ordem e no Provimento 94/00, haja vista a desobediência dos dispositivos pode caracterizar infração ético-disciplinar e ensejar a instauração de processo administrativo para efetiva apuração dos fatos e aplicação de punição ao profissional.