I – A ADI 6477
Refiro-me à ADI 6477, por meio da qual a Rede Sustentabilidade contesta a decisão do TJ/RJ em favor de Flávio Bolsonaro.
Segundo o site do STF, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6477, em que a Rede Sustentabilidade contesta a interpretação que levou o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) a retirar da primeira instância o processo em que o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) é investigado pela suposta prática de “rachadinha”, tramitará sob o rito abreviado previsto na Lei das ADIs (Lei 9.868/1999). A providência processual permite o julgamento da ação diretamente no mérito pelo Plenário do STF, dispensando-se a análise de liminar pelo relator, ministro Celso de Mello.
A Rede pedia liminar para que o TJ-RJ fosse obrigado a aplicar o entendimento firmado pelo STF na questão de ordem na AP 937, para manter as investigações na 27ª Vara Criminal da capital, evitando suspensão ou atraso nas investigações. No mérito, requer que o Supremo afaste qualquer interpretação do parágrafo 1º do artigo 102 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro que leve à prorrogação ou à extensão do foro por prerrogativa de função ao término do mandato de deputado estadual. O dispositivo prevê que os deputados estaduais sejam processados e julgados pelo TJ-RJ desde a expedição do diploma.
O ministro Celso deu prazo de 10 dias para que a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) se manifeste sobre o dispositivo questionado e facultou ao TJ-RJ a possibilidade de prestar esclarecimentos, no mesmo prazo, sobre a sua aplicação.
Na matéria trago a argumentação da Rede de Sustentabilidade:
“A Ação Direta de Inconstitucionalidade, prevista no art. 102, I, “a”, da Constituição Federal , e regulamentada pela Lei 9.868/99, terá por objeto lei ou ato 8 normativo federal ou estadual. No caso em apreço, estamos diante da análise de norma da Constituição Estadual do Rio de Janeiro, que estipula ser de competência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro o julgamento dos deputados estaduais, desde a expedição do diploma (§ 1º do art. 102 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro).
Nesse viés, não obstante a norma em apreço decorrer da expressão magna do Poder Constituinte Derivado Decorrente, não está livre do chamado judicial review pela Suprema Corte Brasileira.
A rigor, tal dispositivo, sendo aplicado de forma literal ou extensiva, é inconstitucional por evidente afronta ao art. 53, § 1º, conforme interpretação constitucional já assentada pelo STF, e ao art. 27, §1º, ambos da Constituição Federal, bem como afronta material e direta ao princípio do juiz natural (art. 5º, LIII), ao princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV) e ao princípio da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI), dentre tantos outros que servem a justificar a inexistência de privilégios descabidos e desproporcionais.
Não somente, a presente ADI também tem o objetivo de fixar teses quanto à interpretação a respeito do alcance do dito foro privilegiado, na medida em que é uma oportunidade para que se fixe entendimento com eficácia vinculante apto a ser seguido indiscutivelmente por todos os Tribunais do País, evitando o que os juristas que se manifestaram sobre o tema chamaram de bagunça jurisprudencial.
Não há dúvida de que o ato questionado se qualifica como “ato normativo estadual”, apto, portanto, a ser impugnado por Ação Direta de Inconstitucionalidade”.
A Rede pede liminar para que o TJ-RJ seja obrigado a aplicar o entendimento firmado pelo STF na questão de ordem na AP 937, mantendo as investigações sobre Flávio Bolsonaro na 27ª Vara Criminal da capital, para que não haja suspensão ou atraso nas investigações. Pede ainda que a cautelar impeça o TJ-RJ de aplicar sua interpretação ampliativa do foro por prerrogativa de função em futuras decisões. No mérito, pede que o Plenário do STF dê interpretação conforme ao parágrafo 1º do artigo 102 da Constituição fluminense, para excluir qualquer interpretação que leve à prorrogação ou à extensão do foro por prerrogativa de função ao término do mandato de deputado estadual.
Dir-se-ia que o que se questiona naquela ação presente na ADI 6.477 é um ato normativo estadual, presente na Constituição do Estado do Rio de Janeiro, mas ainda uma decisão judicial, no caso o artigo 102, § 1º, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.
Com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a Rede sustenta que a prática da "rachadinha" não está entre as atribuições dos deputados estaduais fluminenses. Com isso, as investigações criminais e o posterior julgamento não são de atribuição do TJ-RJ, mas da primeira instância, mesmo quando o senador Flávio Bolsonaro exerceu o cargo de deputado estadual.
Segundo a Rede, ainda que esse entendimento não seja aceito, é inviável que se ratifique a espécie de "foro privilegiado retroativo" criado pelo TJ-RJ. O partido cita decisões em que o Supremo enviou à primeira instância ações penais de parlamentares investigados por irregularidades na época em que eram deputados estaduais.
Com o devido respeito, o remédio constitucional escolhido para a hipótese fática está incorreto.
Não cabe a ADI discutir fato concreto, mas o confronto de ato normativo federal ou estadual diante da Constituição Federal, à luz do artigo 102, I, a, da CF.
II – A QO DA APN 937
Foi decidido no QO da APN 937:
i) fixar a competência do STF para processar e julgar os membros do Congresso Nacional exclusivamente quanto aos crimes praticados após a diplomação, independentemente de sua relação ou não com a função pública em questão;
ii) fixar a competência por prerrogativa de foro, prevista na CF, quanto aos demais cargos exclusivamente quanto aos crimes praticados após a diplomação ou a nomeação, quando for o caso, independentemente de sua relação ou não com a função pública em questão;
iii) serem inaplicáveis as regras constitucionais de prerrogativa de foro quanto aos crimes praticados anteriormente à diplomação ou nomeação, conforme o caso, hipótese em que os processos deverão ser remetidos ao juízo de 1ª instância competente, independentemente da fase em que se encontre;
iv) reconhecer a inconstitucionalidade de todas as normas previstas em constituições estaduais, bem como na lei orgânica do DF, que contemplem hipóteses de prerrogativa de foro não previstas expressamente na CF, vedada a invocação de simetria. Nestes casos, os processos deverão ser remetidos ao juízo de 1ª instância competente, independentemente da fase em que se encontram;
v) estabelecer, quando aplicável a competência por prerrogativa de foro, que a renúncia ou a cessação, por qualquer outro motivo da função pública que atraia a causa penal ao foro especial após o encerramento da fase do art. 10 da lei 8.038/90 com a determinação de vista às partes para alegações finais, não altera a competência para o julgamento da ação penal.
III – A RECLAMAÇÃO CONSTITUCONAL
A reclamação não é um mero incidente processual. Não é recurso não só porque a ela são indiferentes os pressupostos recursais da sucumbência e da reversibilidade, ou os prazos, mas, sobretudo, como advertiu José da Silva Pacheco (O mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas, pág. 444), porque não precisa que haja sentença ou decisões, nem que se pugne pela reforma ou modificação daquelas, ´bastando que haja interesse em que se corrija um eventual desvio de competência ou se elida qualquer estorvo à plena eficácia dos julgados do STF ou do STJ’.
Em duas situações se pode falar em reclamação: nas hipóteses de preservação de competência e, ainda, na garantia da autoridade das decisões. Na primeira, se ocorrer um ato que se ponha contra a competência do STF, quer para conhecer e julgar, originalmente, as causas mencionadas no item I, do artigo 102 da Constituição Federal, quer para o recurso ordinário no habeas corpus, o mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, quer para o recurso extraordinário quando a decisão em única ou última instância, contrariar dispositivo constitucional, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, ou julgar válida lei ou ato de governo local contestado perante a Constituição Federal, é cabível a reclamação. A segunda hipótese para ajuizamento de reclamação abrange a garantia da autoridade das decisões.
Na correta lição de José da Silva Pacheco (O mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas, ,2ª edição, pág. 435), há de se preservar a autoridade da decisão, quer seja proferida em instância originária, quer em recurso ordinário ou em recurso extraordinário pelo STF; ou em instância originária, em recurso ordinário ou em recurso especial, pelo STJ.
Não obstante os pressupostos assinalados por Amaral Santos (RTJ 56/539), reconhecidos por Alfredo Buzaid (RT 572/399), de que para haver reclamação são necessários: “a) a existência de uma relação processual em curso; b) e um ato que se ponha contra a competência do STF ou contrarie decisão deste proferida nessa relação processual ou em relação processual que daquela seja dependente”, o certo é que não há falar em reclamação sem a iniciativa ou provocação de um interessado ou da procuradoria-geral da República.
Ora, para que esses entes possam fazê-lo, é mister que propugnem pela elisão de qualquer usurpação atentatória da competência de um desses dois tribunais ou pelo reconhecimento da autoridade de decisão já proferida por um deles.
Correta a ilação de que no que concerne ao asseguramento da integridade de decisão do tribunal supremo, não importa perguntar da sua natureza. Tal compreende tanto a decisão da matéria civil como a criminal. Assim será o caso de reclamação contra decisão exorbitante da instância ordinária, ao rever julgamento do STF, como já entendeu-se na Recl. 200 – SP, em 20 de agosto de 1986, em que foi Relator o Ministro Rafael Mayer.
IV - O REMÉDIO ADEQUADO
Com o devido respeito o remédio adequado para o caso, de molde a amoldar o julgamento da questão da prerrogativa de foro proferido pelo STF, envolvendo o senador Flávio Bolsonaro, é a reclamação constitucional de forma a estabelecer a autoridade da decisão havida naquela QO da APN 237 , e, com isso, suspender, e ao final, desconstruir, a decisão noticiada e proferida no foro do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.