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O pedido no sistema da Common Law e o princípio da adstrição

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4. A Resposta do Réu

No sistema americano, há diversas possibilidades de defesa para o réu, todas elas previstas nas regras processuais.

Conforme já analisado no texto produzido pelo Federal Judiciary Building, o sistema judicial dos Estados Unidos possui uma forte tendência a aconselhar as partes a buscarem uma composição extrajudicial. O mesmo ocorre no sistema do Direito Inglês. Essa postura visa evitar delongas e reduzir os custos processuais.

Quando não é o próprio juiz quem consegue mediar as partes, geralmente estas são encaminhadas a um árbitro ou mediador.

No entanto, caso as partes não queiram submeter-se aos métodos alternativos de resolução de disputas (Alternative Dispute Resolution – ADR), será necessária a apresentação da resposta do réu.

Nos termos das Federal Rules of Civil Procedure, Regra 8, item (b), o réu pode adotar as seguintes defesas:

  • Admitir (claim asserted or shall admit)

  • Negar as alegações (deny the averments)

Mary Kay Kane[29] leciona que há diferentes formas de defesa, podendo estas incluir a denial, que pode consistir na aceitação do pedido, na apresentação de uma affirmative defense[30] ou na alegação de que o pedido não está corretamente formulado.

Na affirmative defense, o réu admite o pedido, porém apresenta impedimentos ao seu conhecimento, como, por exemplo, a coisa julgada.

É particularmente relevante, para a análise da pesquisa ora realizada, a postura do réu quando ele ataca o mérito do pedido na fase do pre-trial. Nessa situação, poderá ocorrer a modificação do pedido – e esse ponto é fundamental para a análise do princípio da adstrição.

4.1. Mudança do Pedido

4.1.1. Métodos de Modificação do Pedido

A modificação do pedido pode ocorrer quando o réu, ao se defender, busca desistir do julgamento (trial) ou afirma que o pedido não corresponde ao mérito da ação.

Em geral, a modificação do pedido tem o objetivo de estabilizar a demanda, uma vez que os fatos narrados na petição inicial podem divergir daqueles apresentados pelo réu em sua defesa. É importante destacar, contudo, que essa possibilidade ocorre apenas na fase do pre-trial.

Após toda a análise realizada sobre o pedido no sistema norte-americano – e é relevante ressaltar que não identificamos essa possibilidade no sistema inglês –, conclui-se que a modificação do pedido não configura uma alteração da cause of action. No entanto, essa prática contribui para a segurança jurídica e para a efetiva prestação da tutela jurisdicional, visto que há uma preocupação acentuada com a proteção do direito material da parte.

4.1.2. Aditamento da Inicial

O aditamento da petição inicial é permitido nos casos já analisados, como nos casos de inconsistência do pedido. Contudo, nos termos da Regra 15, (b), dependendo do pedido, o aditamento poderá depender da concordância da parte ré.

É importante ressaltar que a discussão relativa ao pedido não se esgota neste trabalho, que possui limitações inerentes ao seu escopo.


5. O Pedido no Direito Inglês

O Código de Processo Civil Inglês – Civil Procedure Rules –, conforme afirmam alguns autores, entre eles Patrick P. Sherrington e Lovell White Durrant[31], introduziu diversas e substanciais modificações no sistema processual inglês. Os mesmos chegam a afirmar que:

"The new procedural rules will result in radical changes in the way in which cases are handled and will be a challenge for judges and lawyers alike in the early days of their implementation."

Diferentemente do que ocorre no Brasil, devido aos próprios procedimentos inseridos no Código de Processo Civil inglês, as Cortes aconselham as partes a recorrerem aos métodos alternativos de resolução de disputas (Alternative Dispute Resolution – ADR). Em alguns casos, os processos são encaminhados para esses métodos em razão de sua especificidade.

Nesse sentido, William Aylmer[32], Associado do Departamento de Mediação, relata:

"Em consequência do advento do Código de Processo Civil que governa a Inglaterra e o País de Gales, houve um aumento dramático no número de mediações. Isto pode ser atribuído à exigência legal de tentar as ADRs como meio de resolver a demanda. Pode-se discutir que, até agora, como não há uma exigência legal, na Irlanda não haverá nenhum aumento significativo em termos de mediação."[33]

É interessante observar que o CPC inglês distingue diferentes formas de pedido, como nas causas relativas a erros médicos e outras categorias específicas. A princípio, há uma tripartição dos pedidos: personal injury, clinical negligence claims e house disrepair.

Dedicaremos a análise ao personal injury, dada sua semelhança com o modern pleading.

5.1. Personal Injury

O sistema inglês, ainda que tenha incorporado normas de processo civil por meio de um código, apresenta o pedido de forma simples. Pode-se até admitir que seja mais simples do que aquele analisado no sistema norte-americano, na notice pleading.

Apesar da simplicidade do pedido no sistema inglês, as Cortes oferecem serviços que disponibilizam os dados a serem inseridos no requerimento. Esse procedimento é regulamentado pelo Pre-Action Protocol, que pode ser acessado na Internet, no seguinte endereço eletrônico: https://www.dca.gov.uk/civil/procrules_fin/contents/protocols/prot_pic.htm.

Para demonstrar a simplicidade do personal injury e a forma como se conduz o pre-action[34], o modelo seguido na Inglaterra é o seguinte:

To: Defendant

Dear Sirs

Re: Claimant’s full name, Claimant’s full address, Claimant’s Clock or Works Number, Claimant’s Employer (name and address)

We are instructed by the above named to claim damages in connection with an accident at work/road traffic accident/tripping accident on day of (year) at (place of accident which must be sufficiently detailed to establish location)

Please confirm the identity of your insurers. Please note that the insurers will need to see this letter as soon as possible and it may affect your insurance cover and/or the conduct of any subsequent legal proceedings if you do not send this letter to them.

The circumstances of the accident are: (brief outline)

The reason why we are alleging fault is: (simple explanation e.g. defective machine, broken ground)

A description of our clients’ injuries is as follows: (brief outline)

(In cases of road traffic accidents:)

Our client (state hospital reference number) received treatment for the injuries at (name and address of hospital).

He is employed as (occupation) and has had the following time off work (dates of absence). His approximate weekly income is (insert if known).

If you are our client’s employers, please provide us with the usual earnings details which will enable us to calculate his financial loss.

We are obtaining a police report and will let you have a copy of the same upon your undertaking to meet half the fee.

We have also sent a letter of claim to (name and address) and a copy of that letter is attached. We understand their insurers are (name, address and claims number if known).

At this stage of our enquiries we would expect the documents contained in parts (insert appropriate parts of standard disclosure list) to be relevant to this action.

A copy of this letter is attached for you to send to your insurers. Finally we expect an acknowledgment of this letter within 21 days by yourselves or your insurers.

Yours faithfully

Diferentemente do sistema americano, o sistema inglês não exige a inserção da cause of action. Poderíamos afirmar que, no direito inglês, há uma causa de pedir remota, conforme a lição de Leonardo Greco (2003), segundo a qual "se incluem os fatos violadores do direito subjetivo material"[35].

Verifica-se, assim, que, embora distinto do sistema americano, o sistema inglês, ao adotar um Código de Processo, é mais flexível do que o norte-americano. As fórmulas propostas pelas Cortes também contribuem para a simplificação do pedido.

É relevante destacar o texto doutrinário de Lord Chancellor[36], no qual são apresentados os requisitos para o personal injury:

(a) Set out a short description of the claim and a succinct statement of the facts relied on;

(b) Certify that the claimant believes the contents to be true;

(c) Indicate the remedy claimed;

(d) Specify any document on which the case depends;

(e) Certify the claimant’s belief, where he is claiming money, that he reasonably expects to recover:

(i) up to £3,000;

(ii) between £3,000 and £10,000;

(iii) over £10,000.

Conclui-se, portanto, que o pedido no direito inglês é mais simples do que no sistema americano, apesar de críticas doutrinárias sobre as modificações introduzidas com a implantação do Código de Processo Civil inglês. No entanto, como ressalta José Carlos Barbosa Moreira, a adoção do CPC na Inglaterra não altera o sistema legal anglo-saxônico.

Essa conclusão se justifica pelo fato de que não há, evidentemente, uma mudança do direito pertencente à família da common law para a família da civil law.

5.2. Resposta do Réu

A resposta do réu, conforme lecionam Tamara Goriley et al.[37], possui limitações.

Segundo os autores, há um limite substantivo para a resposta do réu, e, dessa forma, dificuldades vêm sendo enfrentadas no novo modelo inglês. Nesse contexto, os protocolos de resposta não se mostram suficientes para a explanação da defesa, e, ainda, conforme indicam os professores ingleses, há um certo agravamento quando se trata de causas envolvendo acidentes de trânsito.

Apesar da liberalidade e da simplicidade do modelo inglês, ele não nos parece tão flexível nem mais adequado à busca pelo direito material da parte. Nesse sentido, pode-se afirmar que o sistema da modern pleading se apresenta mais completo e satisfatório, especialmente no que diz respeito ao acesso à justiça, em comparação ao modelo inglês.

Esse entendimento ressalta a importância dos acordos na fase pre-action, além da necessidade de aplicação dos métodos alternativos de resolução de disputas (Alternative Dispute Resolution – ADR), especialmente a mediação, como já analisado anteriormente.

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Outra dificuldade apontada pelos autores diz respeito à estabilização do pedido, que, prima facie, se define com o claim. No entanto, admitem que a cooperação entre as partes pode contribuir para a solução desse problema.

Conclui-se, portanto, que, apesar de não adotar um modelo napoleônico, o sistema americano se apresenta de forma mais consistente e mais alinhado ao princípio do acesso à justiça do que o modelo inglês.

No entanto, as pesquisas não devem cessar, uma vez que o modelo inglês ainda é recente e precisa ser mais amplamente assimilado pela literatura jurídica, a fim de possibilitar um estudo mais aprofundado do sistema em questão.


6. Decisão e Princípio da Adstrição

Considerando que o presente trabalho foi elaborado sem adentrar na análise do trial by jury, a decisão examinada será aquela proferida por um juiz nos casos em que não há formação de júri, ou seja, pelo trial judge. A decisão aqui analisada será a final, sem consideração de decisões interlocutórias (interlocutory injunction).

Dessa forma, a análise do princípio da adstrição, como o conhecemos, torna-se relevante, especialmente devido às diferenças entre os sistemas estudados.

Nos termos do artigo 128 do Código de Processo Civil brasileiro, o juiz deve julgar a lide nos exatos termos em que foi proposta. O Prof. Dr. Leonardo Greco[38], ao analisar os fatos e o direito que identificam a demanda, leciona:

"Arruda Alvim esclarece, a meu ver corretamente, que o art. 131. do CPC refere-se aos fatos simples, considerados na linha do fato jurídico e que o juiz fica adstrito aos fatos jurídicos aduzidos pelo autor, não aos fatos simples."

A ementa do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, ora transcrita, demonstra com clareza a aplicação do princípio da adstrição:

"REINTEGRAÇÃO DE POSSE. TERRAS PÚBLICAS. INVASÃO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO DE RETENÇÃO POR BENFEITORIAS. FALTA DE PEDIDO.

1- Se o ocupante não tinha autorização para ocupar o imóvel, do domínio público, entrando nesse clandestinamente, sequer há que falar em posse, muito menos de boa-fé, inexistindo, por conseguinte, direito à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, assim como exercer o direito de retenção, quanto a essas, e levantar as voluptárias (CC, art. 516).

2- Inexistindo pedido específico de indenização por benfeitorias, inviável assegurar esse direito face o princípio da adstrição do juiz ao pedido (CPC, arts. 459. e 460).

3- Apelo provido."

(APC nº 2000015003425-3, Acórdão nº 132401, Rel. Des. LÉCIO RESENDE, DJ 06.12.2000).

Diante da possibilidade de modificação do pedido na modern pleading, como compreender o princípio da adstrição?

No âmbito das regras federais, o juiz deve julgar com base nos fatos e não pode se distanciar da lei. No entanto, essa norma não está presente em todos os estados americanos.

Com base na análise realizada, verifica-se que, de alguma forma, o princípio da adstrição também se aplica ao sistema americano, ainda que haja a possibilidade de modificação do pedido após a resposta do réu, para que este esteja em conformidade com os fatos apresentados.

Portanto, para que o julgamento esteja de acordo com as normas federais, o juiz deve estar adstrito ao pedido das partes, respeitando o princípio da adstrição.


Conclusões

Os sistemas americano e inglês, embora ambos pertencentes à família anglo-saxônica, possuem características distintas no âmbito do Direito Processual Civil. No sistema americano, por exemplo, devido ao aprofundamento deste estudo, verifica-se uma maior liberdade em relação ao pedido.

Isso não significa que o pedido possa ser alterado a qualquer momento. No entanto, na fase anterior ao julgamento, ou seja, no pre-trial, é possível adaptá-lo, dependendo da resposta do réu.

Essa possibilidade, contudo, não está presente em todos os estados americanos. Destaca-se, ainda, a peculiaridade do sistema adotado pelo Estado da Louisiana, que segue a tradição da civil law.

No que se refere ao princípio da adstrição, quando o julgamento é realizado por um juiz – e não por um júri –, pode-se concluir que esse princípio está presente nas regras federais.

Para finalizar este trabalho, é importante ressaltar a relevância da pesquisa em direito comparado, uma vez que determinadas práticas adotadas em países cujos sistemas jurídicos seguem princípios distintos dos nossos podem ser aproveitadas pelos legisladores.

Não tornar o pedido excessivamente rígido, a ponto de inviabilizar um julgamento de mérito, é uma reflexão que se propõe aos profissionais do Direito.

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Sobre o autor
José Carlos de Araújo Almeida Filho

advogado no Rio de Janeiro, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA FILHO, José Carlos Araújo. O pedido no sistema da Common Law e o princípio da adstrição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1067, 3 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8436. Acesso em: 7 dez. 2025.

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