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O case sueco de enfrentamento ao covid-19

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19/08/2020 às 10:15
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A Suécia vem sendo um dos assuntos mais discutidos neste período de crise de covid-19 por sua estratégia alternativa de combate ao vírus sem a implementação do lockdown sugerido pela Organização Mundial da Saúde.

Resumo: A Suécia vem sendo um dos assuntos mais discutidos neste período de crise de COVID-19 devido sua estratégia alternativa de combate ao vírus sem a implementação do lockdown sugerido pela Organização Mundial da Saúde. Este artigo tem o objetivo de esclarecer a concepção sueca no enfrentamento da pandemia e delinear alguns traços da estratégia tomada pelo país, assim como os resultados estatísticos obtidos. Vale ressaltar o noticiário feito pelo diretor executivo da OMS, Michael Ryan, apontando o caso Suécia como “modelo a ser seguido”; também, os direitos constitucionais apontados pelo governo sueco e o fator psicológico “medo” proveniente da implementação do lockdown.

Palavras-chave: Covid-19; Suécia; Lockdown; Organização Mundial da Saúde; Plano de Ação.

Sumário: Introdução. 1. Contexto de enfrentamento da crise COVID-19. 2. Salvaguardar vidas. 3. Atendimento, medicação e limitação da disseminação. 4. Empregos. 5. Mudanças significativas tomadas durante o enfrentamento. 6. Contexto histórico-cultural e socioeconômico. Considerações Finais. Referências


Introdução

Não há de se negar a relevância histórica da presente década, ou, mais especificamente, os anos de transição entre as décadas de 2010/20.

Os eventos destes anos repercutem por todos os âmbitos da vida. Desde o mais profundo misticismo hindu se verificam conceituações à esta época através do que se chama Kali-Yuga, a era final de um ciclo cósmico.

E, qual não é a diversidade de interpretações possíveis no tocante ao ambiente social, cultural, legal, político e econômico de então.

É nesse cenário que se insere à toda essa miscelânea de acontecimentos a atual crise da pandemia COVID-19.

A expressividade desta crise pandêmica não está, necessariamente, na sua capacidade de, literalmente, parar todo o hodierno funcionamento das relações pessoais, públicas e comerciais. Mas, sim, na sua capacidade de incutir seus efeitos práticos e reais em nossas vidas agora.

Muito pode se falar da crise da febre espanhola e traçar paralelos entre as consequências de ambas as mazelas em nível global. Mas, ainda assim, isto não muda o fato de que estejamos, aqui e agora, em iminente necessidade pela compreensão, de fato, sobre qual seja a melhor decisão a ser tomada pelos próximos passos na caminhada da história.

Neste ponto, a escolha da Suécia como objeto central foi de interesse pelas suas características mistas entre sua política prevalecente do Estado de bem estar social e sua grande abertura econômica necessária à sobrevivência dos chamados menores Estados.

Em outras palavras, é curioso observar que neste Estado ícone da política do bem estar social se veja a contrariedade à sugestão da Organização das Nações Unidas - OMS pela implementação de lockdown como forma primordial de combate à pandemia COVID-19. Uma postura de caráter predominantemente liberal.

Vale ressaltar, que os resultados obtidos com o modelo sueco de cuidados também alcançaram elogios da própria OMS, através de seu diretor executivo, Michael Ryan.

Nesta coletânea de informações será possível compreender o contexto geral, as causas e consequências atuais que o COVID-19, sem lockdown, está influindo sobre a realidade sueca.


1 Contexto de enfrentamento da crise COVID-19

A Suécia implementou um modelo estratégico de combate ao COVID-19 equalizando uma visão garantista da constitucionalidade dos direitos de seus cidadãos, da saúde psicológica do ambiente nacional tendo em vista uma operação de eficiência sustentável a longo prazo.

Segundo Anders Tendell, chefe epidemiologista do governo sueco, sua concepção epidemiológica do COVID-19 está baseada nas recentes coletas de dados mundiais. Sobre esse, em entrevista ao International Center for Journalists, o epidemiologista disse ainda não serem, os dados estatísticos, conclusivos e suficientes à comprovação da eficácia da implementação legal do lockdown.

Outro ponto sensível a ser considerado é a cultura legislativa local que, nem ao menos, tem previsionado em seu ordenamento jurídico hipótese constitucional de declaração de estado emergência nacional em tempos de paz (suprida por outros meios normativos administrativos específicos).

Seguindo as orientações da autoridade da Saúde Pública Nacional, as autoridades regionais e as agências reguladoras implementaram uma política de contingenciamento da expansão do COVID-19 por meio da informação ao público e proibição progressiva de aglomerações.

No primeiro momento, foram proibidas aglomeração maiores que 500 pessoas, depois ajustadas à coletividade de 50 pessoas. Posteriormente, foram fechadas as universidades e escolas de ensino médio, que passaram a ter aulas via remota.

Ainda sobre o quesito educação, tendo em vista a falta de registros e risco relativamente baixo relacionado à contaminação infantil, as escolas com estudantes entre 6 e 15 anos foram mantidas abertas. Medida coerente à conveniência dos pais que continuaram desempenhando suas profissões, os quais não estão obrigados ao home office, exatamente, pela não implementação de lockdown.

O distanciamento social é a orientação central da estratégia sueca e se fundamenta na responsabilidade individual de seus cidadãos. Tanto é que não foram fechados os estabelecimentos comerciais como shoppings, academias, porém, aos bares e restaurantes foi limitado o atendimento à mesa e com a entrada reduzida de pessoas.

A política de controle da pandemia COVID-19 na Suécia não usou de mais drásticas medidas legais devido o alto nível de confiança social da população. Isto, somado a falta de comprovação da eficácia dos lockdowns e a certeza de seus efeitos negativos (econômicos e psicológicos), foram as causas da tomada de decisão da Suécia por sua estratégia.

De acordo com os gráficos estatísticos do site oficial da Organização Mundial de Saúde, a Suécia em 12 de agosto de 2020 havia confirmado 82.972 casos de infecção e 5.766 mortes.

 

1-Gráfico de casos confirmados/mortes - Suécia

Fonte: World Health Organization Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard

 

2-Gráfico bolha quantitativo de casos confirmados - Europa

Fonte: World Health Organization Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard

3-Ranking geral comparativo de casos - Suécia

Fonte: World Health Organization Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard

Em relação aos países vizinhos que implementaram o lockdown, a Suécia, que possui números absolutos de contágio até 10 vezes maiores, apresenta percentualmente, um relativo controle da taxa de letalidade.

A média mundial é de 3,66% mortes por contágio, por sua vez, o país vizinho como a Noruega apresenta taxa de letalidade de 2,65%, Finlândia de 4,38%, países estes com população equivalente à metade da população da Suécia que apresenta taxa de 6,94% de letalidade por infectado.


Objetivos estratégicos do sistema sueco

2. Salvaguardar vidas

Em fevereiro de 2020, o governo sueco oficializou seus primeiros cuidados frente ao vírus COVID-19, entendendo ser uma doença que traria perigo à sociedade, inclusive com possibilidade de uso de meios extraordinários como medida de controle sociais.

O intuito do governo era reduzir a proliferação da doença e evitar eventual superlotação hospitalar. Para isso, nas palavras do Primeiro-Ministro Stefan Lofven, o governo se apoiou na responsabilidade colaborativa individual de seus cidadãos.

A quantidade de casos nos países vizinhos é dez vezes menor, Ander Tegnell, epidemiologista chefe do governo sueco, apontou o grande número de morte de idosos, “70 mil idosos vivem em asilos na Suécia. Essas mortes chegam a representar 50% das mortes na Suécia”.

Em equivalência ao número de habitantes da Suécia ser o dobro da população de seus vizinhos (individualmente), a população acima dos 65 anos também segue a mesma proporcionalidade.

O anúncio tardio do COVID-19, quando já havia um grande número de infectados, prejudicou especialmente os cuidados do público mais afetado pelo vírus. A partir das medidas de cuidado tomadas, os números dessa categoria do público começaram a diminuir lentamente.

Assim como é considerado mais vulnerável a população mais velha, acima dos 70 anos de idade, o fator mais preponderante à letalidade se refere à preexistência de doenças crônicas.

Para esses casos específicos, sim, é orientado o afastamento social, o que não significa manter-se dentro de casa, mas evitar aglomerações.

A implementação do lockdown tem demonstrado relevante diferença de números de contágios em relação aos países nórdicos vizinhos. No entanto, vale ressaltar o efeito pêndulo entre o número de contágio e o aumento do número de morte, em cerca de um mês. Essa foi a tendência dos países vizinhos.

No entanto, dissonante à tendência acima, a Suécia apresenta um cenário invertido. Ocorre que primeiro houve o pico de mortes de abril a maio de 2020, precedida de um cenário quase nulo de casos de contágio do mês anterior, março de 2020.

A inversão da tendência da relação contágio/letalidade também fica demonstrada pela alta do número de contágios que apresentou seu pico, concomitantemente à queda do número de mortes, ocorrendo nos meses de junho e julho de 2020. Vejamos:

4-Gráfico de desenvolvimento dos casos confirmados/mortes - Suécia

Fonte: World Health Organization Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard

Anders Tegnell dedica essa diferença ao fator da imunização da população sueca, uma vez que não foram mapeados os fatores preponderantes, o não registro de contração do vírus por uma segunda vez e o grande número de casos constatados de pacientes assintomáticos na Suécia.

Sobre o fator imunidade, o epidemiologista diz se tratar de um assunto estudando com muita complexidade. Se trata de aspecto muito particular de cada organismo, mas afirma que a imunidade, em si, existe e está comprovada. Avançando sobre o tema, diz ainda que a duração do contágio se daria, no mínimo, por 2 a 6 meses.

3 Atendimento, medicação e limitação da disseminação

O governo sueco entende que a medida do lockdown foi implementada com resultados relevantes sobre o número de contágio em diversos países. Mas entende que o objetivo maior dessa medida é o de não saturar o atendimento hospitalar.

Este foi, também, o entendimento Dr. Frederico Carbone pesquisar italiano do fenômeno COVID-19 em seu artigo SARS-Cov-2 outbreak and lockdown in a Northern Italy hospital. Comparison with Scandinavian no-lockdown country. Que apontou como o “ponto de virada” do combate ao vírus o maior controle no âmbito hospitalar.

O Dr. Frederico aponta em seu artigo que medidas como controle de acesso aos ambientes hospitalares, seccionamento de pacientes por efeitos e diferentes momentos de contágio foi fator decisivo para a diminuição dos números na Itália.

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Em entrevista ao The Washington Post, Anders Tegnell, epidemiologista chefe da Suécia, declarou que o controle do contágio não é feito em ambientes abertos nos quais respeita-se certo distanciamento, mas que o contágio seria iminente em ambientes reclusos e aglomerados.

Quando questionado sobre a disponibilidade de alguma medicação no momento atual, o departamento de epidemiologia da Suécia diz compreender que a alternativa pela hidroxicloroquina estaria descartada, pois teria mais efeitos negativos que positivos e por não ter comprovada sua eficiência.

Afirma, ainda, preocupação sobre a elaboração de vacinas em tão pouco tempo e pondera sobre a grande capacidade de produção que será necessária para distribuir uma vacina em proporções sem precedentes:

“O risco à segurança deve ser considerado, pois não estamos falando de uma vacina para uma doença que mata 40% a 50% dos seus contagiados, como o Ebola, mas de um vírus do qual 99,9% dos jovens infectados não serão afetados. Há de ser considerada a segurança deste medicamento.”

Sobre a preparação da Suécia no que tange à uma possível segunda onda de contaminações pelo COVID-19, o epidemiologista afirma que é pensando nestes termos, a longo prazo, que a Suécia vem tomando esta estratégia sustentável. Acredita que, diferente dos países que não tiveram suas populações expostas e imunizadas, haverá minimizados os efeitos de uma nova onda do vírus.


4 Empregos

Anders admite que alguns países tiveram efeitos drásticos na diminuição e pararam a epidemia, caso, por exemplo, da Austrália. No entanto, acredita que, a longo prazo, os efeitos econômicos podem ser causadores de diversas mazelas, inclusive com efeito na saúde pública.

De acordo com Mark Travers, psicólogo, em matéria escrita para a revista Forbes Why is Coronavirus Fear So Low In Sweden?, num ranking de 26 países, a Suécia é o país que menos teme os efeitos do vírus.

Esta reportagem, de 01 de abril de 2020, aponta de 31% dos suecos temem de alguma forma os efeitos do vírus em sua saúde, em contrapartida a países como Malásia, Vietnã, Indonésia, Tailândia, Filipinas que apresentam índices acima dos 80%.

Corroborando com este fato, Anders Tegnell afirma que “o medo que a população sueca possui é o de perder seus empregos”. Dizendo ainda acreditar que o lockdown é fator psicológico predominante causador do medo da população.

De acordo com as projeções oficiais do governo sueco, em seu programa anual apresentado em 2020, indica assustadores efeitos sócio-econômicos locais com efeitos para os próximos anos. Vejamos:

 

5-Gráfico Macroeconômico - Suécia

Fonte: Sweden Government. Sweden’s National Reform Programme 2020.

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Sobre o autor
Ardim Dutra Marques Junior

Pós-graduando em direito tributário na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES JUNIOR, Ardim Dutra. O case sueco de enfrentamento ao covid-19. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6258, 19 ago. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/84688. Acesso em: 27 dez. 2024.

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