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A atividade de inteligência e suas implicações no processo decisório no contexto da segurança pública no Brasil

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24/08/2020 às 17:00
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Reflexões sobre os aspectos históricos, legais e conceituais da atividade de inteligência.

1. INTRODUÇÃO

Com o processo de globalização e a evolução tecnológica, a criminalidade tem aumentado, sofisticando seus métodos e suas ações buscando ampliar sua atuação e práticas criminosas para tentar burlar a atuação do Estado. Nesse sentido, no presente trabalho, busca-se compreender de que forma a  atividade de inteligência contribui no processo desisório do gestor da segurança pública?

No presente artigo, levanta-se a hipótese de que o conhecimento produzido pela atividade de Inteligência subsidiará, de forma estratégica, os tomadores de decisão na elaboração de políticas públicas destinadas à prevenção de práticas criminosas.

O presente estudo foi produzido a partir do método dedutivo, que tem como ponto de partida uma análise geral para uma particular, fazendo uma abordagem qualitativa, através do procedimento de pesquisa bibliográfica, de maneira a mostrar a importância da atividade de inteligência para os gestores da segurança pública.

 A análise está divida em três partes: a primeira busca abordar os aspectos históricos, legais e conceituais da atividade de inteligência no Brasil; a segunda, analisa a atividade inteligência como ferramenta no planejamento de ações no combate à criminalidade; e a terceira, expõe a aplicabilidade da atividade de inteligência pelo tomador de decisões como a ação preventiva no combate à criminalidade.

Assim, espera-se mostrar as implicações da atividade de inteligência no processo decisório nas ações de governo no que tange à elaboração de politicas públicas no contexto da segurança pública, com o objetivo de garantir que os cidadãos possam viver de forma segura e que seja estabelecida a paz social que o Estado tem o dever de garantir.


2. ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E CONCEITUAIS DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO BRASIL

2.1 Aspectos Históricos

No Brasil, a atividade de inteligência se divide em dois períodos: o primeiro, que vai de 1927 a 1964, cujos efeitos se estendem pelos anos setenta e oitenta, com forte influência da ditadura militar, com um caráter político-ideológico de segurança nacional que combatia um inimigo interno, com múltiplas práticas repressivas e controle social; o segundo, que é o foco desse artigo, surgiu em um contexto democrático, no qual os direitos humanos, as liberdades individuais e a paz social são protegidas constitucionalmente. Para uma melhor visualização das legislações criadas sobre o tema, destaca-se o quadro abaixo:

Quadro 1: Cronologia com base na legislação brasileira sobre o tema

1º Período

2º Período

1927 – Criação do Conselho de Defesa Nacional (Dec .nº 17.999/27);

1937–Criação do Conselho de Segurança Nacional (Art.162/CF.37);

1949– Regulamentação do Serviço de Inteligência (Dec. nº 27.583/49);

1956 - Implantação do Serviço Federal de Informação e

Contra – Informação - SFICI (Dec.nº 9.775-A/49);

 1964-Criação do Serviço Nacional de Informação -SNI (64/90).

1999 – Criação do SISBIN e da ABIN (Dec. nº 9.883/99);

2000 – Criação do Subsistema de Inteligência de Segurança Pública - SISP (Dec. nº3.695/00), vinculado à SENASP;

 2002 – Estratégia Nacional de Inteligência–Enint/ABIN (Dec. nº 4.376/02);

 2009 - Criação da Nova Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública – DNISP (Port.nº022/09);

 2016 - Criação da Política Nacional de Inteligência -PNI (Dec.nº 8.793/16);

2018- DECRETO Nº 9.491, Altera o Decreto nº 4.376, de 13 de setembro de 2002, que dispõe sobre a organização e o funcionamento do SISBIN.

2019- DECRETO N° 9.881, Altera o Decreto n° 4.376, de 13 de setembro de 2002, que dispõe sobre a organização e o funcionamento do Sistema Brasileira de Inteligência

 Elaborado pelo autor 2020

Dessa maneira, a partir de um apanhado histórico, fica bem evidente a evolução da atividade de inteligência e sua evolução legislativa em contextos diferentes, cuja finalidade é sempre subsidiar o tomador de decisão, no que for conveniente para o Estado.

Atualmente, o SISBIN[1] é composto por diversas intituições federais, estaduais e municipais, com multiagências em que a ABIN[2] é o órgão central desse sistema, responsável por coletar e produzir conhecimentos sobre possíveis riscos e ameaçar interesses do Estado brasileiro com intuito de prevenção e repressão delitiva,[3] se antecipação de condutas criminosas, e, assim, subsidia as decisões dos gestores no planejamento de ações que visem garantir a paz social em ambito nacional.

2.2 Aspectos Legais

A Política Nacional de Inteligência (PNI), instituída pelo Decreto nº 8.793 de 2016, é o documento que, atualmente, orienta a atividade de Inteligência no Brasil. Foi criada a partir de princípios fundamentais contidos na Constituição Federal de 1988, além de acordos e tratados internacionais aos quais o Brasil é signatário. Essa política define os parâmetros da atividade de Inteligência, estabelecendo diretrizes, objetivos e instrumentos do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), sistema no qual estão inseridos subsistemas de inteligência, entre eles, o SISP[4], coordenado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, que tem “a finalidade de coordenar e integrar as atividades de inteligência de segurança pública em todo o país, bem como suprir o governo federal e os estaduais de informações que subsidiem as tomadas de decisões neste campo”. (BRASIL, 2000).

A Lei 9.883, de 1999, instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência – SISBIN e o Decreto Federal 4.376/2002 dispôs sobre sua organização e funcionamento. O órgão central é a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN. Tal sistema é composto por três subsistemas: a Inteligência de Estado, coordenado pela própria ABIN; o subsistema de Defesa - SINDE, responsável pelas atividades no âmbito do Ministério da Defesa; e o Sistema de Inteligência de Segurança Pública – SISP, coordenado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP. (ESPUNY, TOMASINI, FERNANDES, 2017, p. 813).

 Com esse novo contexto, verifica-se que a atividade de inteligência voltada para a  segurança pública ganha destaque na lei e passa a ter o papel principal de prevenir e neutralizar as ações do crime organizado, com  o intuito de produzir conhecimentos estratégicos para a elaboração de políticas de prevenção e antecipação a condutas criminosas que serão materializados nas ações dos gestores governamentais.

2.3 Aspectos Conceituais

A lei 9.883/99 traz o conceito de atividade de inteligência e a define, em seu artigo 1°, § 2°, como:

(...) a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado” (BRASIL,1999).

De acordo com essa mesma lei, a atividade de inteligência se divide em dois ramos: um é o ramo da inteligência; o outro é o ramo da contra-inteligência; o primeiro com o objetivo de disseminação de conhecimentos para o processo decisório e o segundo para neutralizar a inteligência adversa ou as ações que constituam ameaça à sociedade.

INTELIGÊNCIA - Atividade que objetiva, por meio de ações especializadas, a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos que influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado; (...) CONTRA-INTELIGÊNCIA - atividade que objetiva prevenir, detectar, obstruir e neutralizar a Inteligência adversa e as ações que constituam ameaça à salvaguarda de dados, conhecimentos, pessoas, áreas e instalações de interesse da sociedade e do Estado.(BRASIL,1999)

Dessa forma, verifica-se que a própria lei traz em seu bojo o conceito da atividade de inteligência, assim definida como atividade, cujo o objetivo é obter, analisar e disseminar conhecimentos para prevenir e neutralizar potenciais ameaças, como forma de assegurar a segurança da sociedade brasileira e da soberania nacional.


3. ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA COMO FERRAMENTA NO PLANEJAMENTO DE AÇÕES NO COMBATE À CRIMINALIDADE

A produção de conhecimento na área da segurança pública, em nível de assessoramento, pode ser político ou estratégico; o primeiro, assessora o planejamento e o desenvolvimento das políticas de segurança pública; o segundo, assessora o planejamento para implementação das estratégias de políticas de segurança pública, subsidiando na formulação planos e diretrizes organizacionais.

É necessário dizer que, no planejamento de qualquer ação, um elemento fundamental é a informação e a produção do conhecimento nos seus diferentes niveis, o que envolve investimentos diversos que vão desde o treinamento de equipes, a investimentos em equipamentos sofisticados, a serem utilizados no levantamento de dados que possam, porventura, servir como fonte de informações e conhecimentos ciêntificos para um planejamento mais elaborado e efetivo no combate à criminalidade. Sabe-se que a gestão a moderna, que exige a tomada de decisão, deve ser respaldada com o máximo de informações.

A atividade de Inteligência se apresenta como uma importante ferramenta de combate à criminalidade, principalmente, em ações criminosas com aspectos ocultos que seriam de difícil detecção pelos meios de investigação tradicional. No entanto, em virtude de sua natureza secreta e, apesar de existirem mecanismos de controle, sua finalidade pode ser desvirtuada pelo tomador de decisão para atender interesses diversos.

A natureza secreta das atividades de Inteligência permite que muitas vezes sua missão seja desvirtuada. Estados totalitários utilizam-se das ferramentas de Inteligência, dos conhecimentos obtidos e dos cenários projetados para "jogos de poder" e para auferir vantagens pessoais para seus governantes. Nas democracias, mecanismos de controle são criados para impedir o uso político dos serviços de Inteligência, porém nem sempre estes controles são efetivos e a frágil barreira ética que impede seu mau uso é constantemente rompida. (GONÇALVES, 2004, p.4).

Vale ressaltar que uma atividade, para ser considerada de inteligência, tem que permitir previsibilidade de tendências e o reconhecimento de padrões do objeto em análise, seja ele o crime organizado ou algum tipo de ameaça institucional.

Convém ressaltar que a atividade de inteligência de segurança pública é uma ferramenta que visa a fazer frente a diversas situações na produção de conhecimento. Além disso, sempre busca prever cenários de riscos e  dar subsídios aos processos decisórios, que sempre exigem tecnicas especificas, tais como: “identificar, acompanhar e avaliar ameaças reais ou potenciais de segurança pública e produzir conhecimentos e informações que subsidiem ações para neutralizar, coibir e reprimir atos criminosos de qualquer natureza” (BRASIL, 2000).

Não há dúvidas, portanto, de quea atividade é uma importante ferramenta para o planejamento de ações no combate à criminalidade nos mais diversos contextos da sociedade, seja social, político ou econômico. Compreende-se, por fim, que onde o crime estiver, o Estado támbem deve estar atuando e coibindo as ameaças potenciais ou reais, a fim de defender os interesses da sociedade.


4. APLICABILIDADE DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO

A aplicabilidade da atividade de inteligência na segurança pública ocorre em diferentes níveis, seja federal, estadual ou até mesmo municipal. É uma atividade que visa a produzir conhecimento preventivo e estratégico para o tomador de decisão. Como exemplo, tem-se a diretriz adotada pela diretoria de inteligência da Polícia Militar do Amapá, ao definir, como uma de suas finalidades, o assessoramento do comandante geral, fornecendo subsídios para tomada de decisão.

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Vejamos o seguinte;

Diretoria de Inteligência da Polícia Militar do Estado do Amapá tem como objetivo integrar as ações do ramo da atividade de inteligência de segurança pública, com a finalidade de planejar, coordenar, executar, controlar a atividade de inteligência e contra inteligência, assessorando o Comandante Geral nos assuntos de interesse da Polícia Militar, fornecendo subsídios para a tomada de decisão tanto no nível estratégico e tático. (AMAPÁ, 2020)[5].

Vale ressaltar que não se pode confundir inteligência de segurança pública, que tem como objetivo obter um conhecimento prévio sobre atuação de crime organizado e propiciar identificação a organismos criminosos, com investigação policial, que visa a obter provas após o cometimento de crimes para comprovar autoria delitiva conforme o código de processo penal.

Diz-se isso porque a atividade de inteligêcia na segurança pública funciona como se fosse uma assessoria administrativa, com suas particularidades e especificidades previstas em lei. Vejamos assim, o conceito de Lima:

Inteligência é produção de conhecimento para auxiliar a decisão. É quase como uma assessoria administrativa. Ela não é uma instância executora. Levanta dados, informes, produz um conhecimento e pára. Alguém, em nível mais elevado de hierarquia, tomará, ou não, determinada decisão ou ação. Ela possui um ciclo próprio: demanda – planejamento – reunião – coleta – busca – análise – avaliação – produção – difusão – feedback. Não estamos seguindo aqui nenhum autor em especial; cada um apresentará variações deste ciclo, que pode ser entendido, grosso modo, como: demanda – o decisor quer saber algo; busca – a Inteligência vai atrás da informação; produção – a Inteligência transforma a informação em conhecimento e feedback – o decisor diz se o conhecimento é suficiente para a sua decisão ou se necessita de um maior aprofundamento ou mesmo de redirecionamento.(LIMA, 2004.p 24).

Infere-se, assim, que a atividade de inteligência policial[6] é um de ciclo de produção de conhecimento, o qual pode ser descrito como um processo intelectual, em que a capacidade humana, auxiliada por uma metodologia, gera conhecimento, iniciando pela coleta do dado informacional, seu processamento, interpretação e sua síntese, gerando, assim, a informação que, posteriormente, é compartilhada na fase de difusão, que é a entrega do conhecimento produzido ao gestor.

 Portanto, a atividade de inteligência policial de Segurança Pública não é o principal elemento para se previnir a criminalidade, mas é um instrumento indispensável para o tomador de decisão planejar suas ações e elaborar políticas públicas que sejam estratégias de prevenção à criminalidade.

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Sobre o autor
Alex de Lima Santos

Bacharel em Direito. Bacharel e Licenciado em Geografia. Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública. Especialista em Direito Penal. Especialista em investigação forense e perícia criminal. Pós graduando em Geografia Humana e Econômica. Mestre em Geografia pela UNIFAP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Alex Lima. A atividade de inteligência e suas implicações no processo decisório no contexto da segurança pública no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6263, 24 ago. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/84761. Acesso em: 2 nov. 2024.

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