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Educação à luz do Direito

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17/06/2006 às 00:00
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CAPÍTULO IV

DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO À EDUCAÇÃO

            Sumário: 1. Breves considerações; 2. Direito público subjetivo;3. Direito à educação; 4. Instrumentos de tutela à educação.

            Mostraremos neste capítulo que tanto a doutrina, como a legislação e a jurisprudência reconhecem a educação, hoje, como direito público subjetivo de caráter cogente e coercitivo, com instrumentos de tutela para acesso à justiça. Nessa linha de raciocínio, no primeiro momento, apresentaremos noções de direito subjetivo e de direito público subjetivo. Num segundo momento, discorreremos sobre o cerne do direito educacional, analisando, por um lado, a discussão doutrinário e a consolidação, em nível constitucional e infraconstitucional, do direito público subjetivo à educação, e, por outro, tratando dos instrumentos de tutela à educação, ressaltando a importância do Ministério Público, da ação civil pública e dos juizados especiais cíveis no acesso à justiça em matéria educacional.

            1. Breves considerações

            A primeira questão que se pode colocar é a seguinte: o direito subjetivo é algo dado ou é construído pelo direito objetivo? Do ponto de vista histórico, os direitos subjetivos são produto de um movimento ideológico democrático e liberal, destinado a proteger o indivíduo dos excessos do absolutismo estatal. Na sua origem, estão os movimentos políticos do liberalismo e do capitalismo, de que são também manifestações jurídicas as declarações políticas dos direitos do homem e do cidadão. [246] Por outro lado, os direitos subjetivos são permissões dadas por meio de normas jurídicas (direito objetivo). Tais permissões, por serem dadas através de normas jurídicas, chamam-se permissões jurídicas. O direito subjetivo não se acha fora das pessoas que o detêm; não se coloca diante delas. Pelo contrário, as permissões constitutivas de tal direito, após serem concedidas e assumidas, se incorporam a seus titulares, como qualidades próprias deles. [247] É subjetivo, segundo Goffredo Telles Jr., porque as permissões que o constituem são próprias das pessoas que as possuem. São permissões que lhes pertencem, podendo ser usadas ou não por elas. Portanto, são permissões que a elas se sujeitam e que, de certa maneira, estão dentro delas. [248]

            Há teorias que negam a existência do direito subjetivo, [249] no entanto três teorias da doutrina tradicional consagram e reconhecem a existência do direito subjetivo: teoria da vontade, teoria do interesse e teoria mista ou eclética. Inicialmente, dois grandes juristas discutiram o tema, situando-se em posições antagônicas: Windscheid e Ihering. Para o primeiro, o direito subjetivo é sempre uma expressão da vontade – entendido esse termo como poder de vontade conferido pela ordem jurídica –, enquanto para Ihering, "o direito subjetivo é o interesse juridicamente protegido". Segundo Miguel Reale, esse grande jurisconsulto sustentava que a essência do direito subjetivo não é a vontade, mas sim o interesse. Tomava ele a palavra interesse no sentido mais lato possível, indicando tanto o interesse para as causas concretas e materiais, como para as de natureza ideal ou intelectual, como seria, por exemplo, o interesse por uma obra de arte. [250]

            Como se vê, a teoria de Ihering, como teoria objetiva, contrapõe-se à de Windscheid, na condição de teoria subjetiva. Enquanto para este pandectista o direito subjetivo é um fenômeno da vontade, para Ihering é algo de objetivo, pois é o interesse que, por seu caráter social, o direito protege. [251]

            As teorias mistas procuram conciliar o direito subjetivo com o direito objetivo, Coube, neste caso, a Georg Jellinek, elaborar a teoria eclética, que combina e funde as anteriores, chegando à seguinte definição: "Direito subjetivo é o poder da vontade humana que, protegido e reconhecido pela ordem jurídica, tem por objeto um bem ou interesse." [252]

            2. Direito público subjetivo

            A teoria dos direitos públicos subjetivos nasce na França, com o triunfo do liberalismo em seguida à Revolução Francesa. Os jusnaturalistas, sobretudo no século XVIII, sustentavam que os indivíduos possuem direitos naturais públicos subjetivos em virtude do contrato social por eles contraído para sua própria garantia. [253]

            Para Miguel Reale, o problema dos direitos públicos subjetivos é histórico-cultural, porquanto representa um momento de ordenação jurídica, atendendo a uma exigência social que se processa, independentemente do arbítrio e da vontade daqueles que, transitoriamente, enfeixam em suas mãos o poder político. [254] O reconhecimento das liberdades individuais, contrapostas ao absolutismo estatal, exigia do direito estruturas jurídicas capazes de garantir a eficácia de tais liberdades, identificando os poderes e deveres existentes nas relações jurídicas entre o indivíduo e o Estado e tornando-os objetivo de tutela jurisdicional específica. Tais estruturas se consubstanciaram no direito subjetivo público. [255]

            Esta teoria representa uma conquista da época moderna, que atinge a sua força teórica e doutrinária tão-somente na segunda metade do século XIX. A propósito, até época bem recente, nem sequer passava pela cabeça dos tratadistas a idéia, hoje fundamental, da existência de direitos públicos subjetivos. [256] Para uns, o direito público subjetivo deriva do Estado e só é admissível nos limites que ele estabelece, enquanto para outros o direito público subjetivo está contido nas relações que o "Estado", por ser titular de direitos perante os cidadãos, com eles mantém, resultando dessas relações, conseqüentemente, direitos dos cidadãos perante o Estado.

            Do ponto de vista jurídico, o direito subjetivo público é uma facultas agendi pública, que tanto pode ter como titular o Estado quanto o particular. De um lado, o estado tem a faculdade de exigir do administrado o cumprimento de prestações; de outro lado, o particular tem a faculdade de exigir do Estado o cumprimento de diversas prestações. Há, portanto, direito público subjetivo "do administrado" e direito público subjetivo "da administração", que recebem proteção jurisdicional, mediante o emprego de vários instrumentos ou garantias jurídicas. [257]

            Atualmente, segundo Francisco Amaral, quando o social predomina sobre o particular, não mais se justifica a distinção jurídica entre o direito subjetivo público e o direito subjetivo privado. Trata-se de considerar o direito subjetivo como prerrogativa individual contida nas relações jurídicas dos particulares entre si ou com o Estado, ambos subordinados à ordem jurídica, sob o império da constitucionalidade e da legalidade. [258] Aqui no Brasil, como ocorre com a quase totalidade das Constituições contemporâneas, o direito público subjetivo, devido à relevância da matéria, encontra-se no texto constitucional.

            Para conhecer e saber quais os direitos públicos subjetivos fundamentais, basta examinar os títulos I e II da Constituição Federal, sobretudo os capítulos I (Dos direitos e deveres individuais e coletivos), II, III, IV. Na lição de Miguel Reale:

            "Tais declarações de Direito durante muito tempo tiveram apenas um sentido jurídico-político, limitando-se a estabelecer garantias de ação aos indivíduos contra o Estado ou no Estado. No decorrer do século XX, porém, em continuação a um processo histórico iniciado em épocas anteriores, as Declarações de Direito passaram a ter um caráter mais social e econômico."

[259]

            Acrescente-se que os direitos públicos subjetivos fundamentais recebem proteção jurisdicional, mediante remédios constitucionais. [260] Nesse passo, segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, os ensinamentos de Alfredo Buzaid são precisos quando afirma:

            "O remédio constitucional é uma espécie de ação judiciária que visa a proteger categoria especial de direitos públicos subjetivos."

[261]

            A educação, como direito social fundamental (art. 6º da Constituição Federal), é protegida por uma série de garantias que procuram efetivar a prestação educacional pelo Estado (art. 208 da Constituição Federal). A educação é um direito fundamental do homem, na condição de direito público subjetivo à educação, mas, sobretudo, como algo inerente à própria existência humana, que o Estado deve respeitar, proporcionando educação para todos.

            3. Direito à educação

            É provável, como já vimos, que Pontes de Miranda tenha sido o primeiro jurista a discutir, a defender e a definir o direito à educação como um direito público subjetivo. Cabe assinalar, também, que o direito à educação serve para ilustrar os tema dos direitos subjetivos públicos, no entanto, não podemos confundir o direito à educação com o direito subjetivo público à educação. Aliás, como afirma o constitucionalista Maurício Antônio Ribeiro Lopes:

            "O direito que todos têm ou teriam à educação, direito declarado, não é a solução melhor, mais perfeita, mais humana. Cumpre elevar, mediante pretensão, ação e remédio processual adequado, o direito à educação à categoria de realidade exigível, pela aplicação de sanções a quem não o cumpre."

[262]

            Para Edivaldo Boaventura, Pontes de Miranda, com sua larga e profunda cultura filosófica e jurídica, avançou tanto ou mais do que os educadores na defesa dos direitos educacionais de natureza constitucional. [263] Nos comentários à Constituição de 1967, textualmente assim se expressou Pontes de Miranda:

            "A ingenuidade ou a indiferença ao conteúdo dos enunciados com que os legisladores constituintes lançam a regra ‘A educação é direito de todos’ lembra-nos aquela Constituição espanhola em que se decretava que todos os espanhóis seriam, desde aquele momento, ‘buenos’. A educação somente pode ser direito de todos se há escolas em número suficiente e se ninguém é excluído delas; portanto, se há direito público subjetivo à educação e o Estado pode e tem de entregar a prestação educacional. fora daí, é iludir o povo com artigos de Constituição ou de leis. Resolver o problema da educação não é fazer leis, ainda que excelentes: é abrir escolas, tendo professores e admitindo alunos."

[264]

            Na mesma direção, Esther de Figueiredo Ferraz afirma:

            "É que não existe um direito público subjetivo à educação, isto é, um direito cuja prestação pudesse ser exigida do poder público através de ação intentada contra a União, o Estado e o Município."

[265]

            Contudo, não podemos deixar de assinalar a importante contribuição da Constituição de 1934, pois foi a primeira que tratou a educação como direito de todos e a mais rica no que diz respeito à educação, embora não tenha recepcionado norma sancionadora ao Estado por falta de prestação educacional. É oportuno transcrever seu art. 149:

            "A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos poderes públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no país, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação e desenvolva no espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana."

            A Carta Constitucional de 1934 além disso foi a primeira que falou em educação popular e determinou que o poder público, em especial a União e os municípios, aplicassem nunca menos de 20% da renda resultante dos impostos na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educacionais (art. 156). Não temos dúvida de que ela representou um passo adiante no processo de modernização da educação, incluindo um título para a família, a educação e a cultura (Título V). A educação veio a receber maior atenção dos constituintes de 1934 – com todo um capítulo a ela destinado –, partindo de bases renovadores e descentralizadoras, por influência dos pioneiros da Escola Nova, com Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira à frente. [266]

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            Nesse contexto, no que tange o disposto no art. 149 do texto constitucional, trata-se de norma constitucional inócua, meramente programática, pela ausência do caráter cogente e coercitivo da matéria educacional. As Constituições que se seguiram (1937, 1946, 1967, 1969) foram omissas quanto à necessidade de sanções a quem não cumpre a prestação educacional. É inegável, no entanto, que a doutrina brasileira recepcionou longa discussão sobre a educação como direito público subjetivo, exigindo do legislador incluir a obrigação de educar.

            Pontes de Miranda, citado pela educadora e jurista Esther de Figueiredo Ferraz, sustentou na conferência da Ordem dos Advogados em 1965 – tese nº XV, sob o título "O acesso à cultura como direito de todos" – que fosse criado para todos o direito subjetivo à educação, no sentido de que o cidadão pudesse estar armado de uma ação capaz de exigir do Estado a prestação educacional. E acrescenta que a melhor solução é dar-se legítima ação ativa aos pais para exercerem, em nome dos filhos, a pretensão e a ação. Qualquer cidadão deve ter o direito de ingressar em juízo com ação popular, para exigir do Estado que lhe dê educação ou a outrem, que não tenha capacidade de ingressar em juízo por ser menor. [267]

            Além de Pontes de Miranda, assumiram a frente da luta pelos direitos educacionais: San Tiago Dantas (1955), Esther de Figueiredo Ferraz (1969), Renato Alberto Theodoro Di Dio (1970-1981), Lourival Vilanova (1982-1983). Eles lutaram, como esclarece Edivaldo Boaventura, para efetivação não somente do direito à educação, como também do direito educacional. [268] A nosso ver, o direito à educação é faculdade concedida ao indivíduo, ao passo que o direito educacional diz respeito à norma, à lei reguladora das relações jurídico-educacionais entre o Estado, a instituição de ensino, o aluno e o professor, que inclui o direito público subjetivo à educação. Nesse sentido, Esther de Figueiredo Ferraz relaciona a educação com o direito, insistindo em que se considere a educação como um direito público subjetivo, mas lembrando a necessidade de uma ação correspondente, que possa ser requerida pelo Estado. Conclui, então, pela existência do direito educacional:

            "De maneira que existe o Direito Educacional no sentido objetivo, ou seja, no sentido de um conjunto, de um riquíssimo conjunto de normas e princípios jurídicos regulamentadores da atividade educacional, desenvolvida pelo Estado e pelas pessoas e entidades particulares, por ele autorizadas e fiscalizadas."

[269]

            É histórico no Brasil que o poder público não cumpra de maneira satisfatória a prestação educacional, apesar do texto constitucional declarar que a educação é direito de todos. Acrescente-se que o não oferecimento ou o oferecimento irregular da prestação educacional é uma dívida histórico do poder público, que importa responsabilidade do Estado. Daí, como sustentam os renomados juristas já mencionados, é necessário o reconhecimento no texto constitucional do direito público subjetivo à educação e a existência de garantias, de sanções, de remédios judiciais adequados e eficazes. [270]

            Todas essas questões no processo educacional brasileiro, e as longas discussões que engendraram, finalmente foram consolidadas na Constituição de 1988. Tanto na doutrina, quanto na legislação, especialmente na atual Constituição, a educação finalmente é direito público subjetivo, e a negligência por parte do poder público na prestação do serviço importa crime de responsabilidade. Certo estava Pontes de Miranda.

            Eis portanto o cerne do direito educacional: de um lado temos o dever do Estado com a educação (art. 208 da Constituição Federal); de outro, o art. 5º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que, além de repetir que o acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, acrescentou que qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e o Ministério Público podem acionar o poder público para exigi-lo. Assim como disposição contida no Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 54, § 1º: "O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo." [271] Para o educador e jurista Edivaldo Boaventura:

            " ‘A educação é direito de todos, dever do Estado e da família.’ De um lado, temos a pessoa humana portadora do direito à educação e, do outro, a obrigação estatal de prestá-la. Em favor do indivíduo há um direito subjetivo; em relação ao Estado um dever a cumprir. Se há um direito público subjetivo à educação (vide § 1º, do art. 208), isso quer dizer que o particular tem a faculdade de exigir do Estado o cumprimento da prestação educacional pelos poderes públicos (vide § 2º, do art. 208). O seu não oferecimento importa na responsabilidade da autoridade competente. A Constituição poderá fazer muito pela Educação no sentido de sua promoção, colocando em prática os meios jurídicos para efetivá-la como um direito público subjetivo. Finalmente o legislador atendeu aos reclamos da doutrina."

[272]

            Na mesma direção, o constitucionalista Maurício Antônio Ribeiro Lopes é bastante enfático:

            "O art. 208, § 1º da Constituição vigente não deixa a menor dúvida a respeito do acesso ao ensino obrigatório e gratuito que o educando, em qualquer grau, cumprindo os requisitos legais, tem o direito público subjetivo, oponível ao Estado, não tendo este nenhuma possibilidade de negar a solicitação, protegida por expressa norma jurídica constitucional cogente."

[273]

            Nas palavras de Elias Oliveira da Motta, tanto o art. 208, § 1º e 2º da Constituição de 1988, quanto o seu correspondente em nível infraconstitucional, no caput do art. 5º e parágrafos 3º e 4º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação são instrumentos educativos e coercitivos eficientes no combate à indiferença das autoridades, principalmente as municipais, em relação à democratização da educação. [274] Trata-se de direito público subjetivo fundamental, até porque o §4 do art. 5º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação dispõe o seguinte:

            "Comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o oferecimento do ensino obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade."

            Prossegue Elias de Oliveira Motta, na obra Direito educacional e educação no século XXI: em primeiro lugar, a previsão de punibilidade para os negligenciadores, por si só, já é um grande avanço e demonstra a preocupação de nossos legisladores em tornar efetivo o direito à educação; em segundo lugar, essa possibilidade de imputação por crime de responsabilidade é um instrumento nas mãos da sociedade para que qualquer pessoa que se sinta lesada pela omissão de alguns dos poderes públicos possa exigir o respeito à educação e, ao mesmo tempo, contribuir para a redução do número de crianças fora das escolas. [275]

            No entanto, para que se consiga a efetivação da educação como direito público subjetivo nas relações juspedagógicas que envolvem as instituições de ensino, o Estado (em seus três níveis: União, estados ou distrito federal e municípios) e os alunos, é necessária, além disso, uma ordem constitucional de remédios, ações, garantias fundamentais e entidades ou órgãos governamentais e não-governamentais, aqui, como instrumentos de tutela à educação para facilitar o acesso à justiça em matéria educacional.

            4. Instrumentos de tutela à educação

            Diversos são os instrumentos ou medidas judiciais à disposição dos alunos ou responsáveis pelos alunos, instituição de ensino, professores, funcionários administrativos e governo na área do direito educacional. Porém, antes de identificarmos os instrumentos e garantias constitucionais utilizados nas relações jurídicas e conflitos educacionais vamos, em primeiro lugar, apresentar um breve comentário sobre o acesso à justiça e ações constitucionais.

            O advento do direito constitucional de ação é uma conquista da evolução da ciência jurídica que teve, num primeiro momento, o reconhecimento do direito de ação como direito de acesso à justiça. Todo cidadão tem o direito de pedir ao judiciário que obrigue o autor da lesão a reparar o ato danoso que praticou. E nisto, justamente, consiste o direito de ação. [276] Trata-se, neste caso, de efetiva contribuição dos estudiosos filiados à doutrina da ação como direito autônomo e abstrato, que concebe a ação como direito subjetivo público à composição do litígio pelo Estado.

            A acepção tradicional do termo direito de ação não permitia reconhecê-la como direito de acesso à justiça. A partir do momento em que as ações e os relacionamentos assumiram um caráter cada vez mais coletivo e complexo do que individual, o "acesso à justiça" passou a ser básico e fundamental como garantia do exercício da cidadania. O conceito de acesso à justiça tem sofrido transformações importantes. [277]

            Acesso à justiça, entretanto, não significa apenas possibilidade de ingresso em juízo, nem tampouco a mera admissão ao processo judicial, significa, também, "acesso à ordem jurídica justa". Para que exista efetivo acesso à justiça, é indispensável, ainda, que o maior número possível de pessoas seja admitido a demandar e a defender-se adequadamente. No caso brasileiro, para que o acesso à justiça seja efetivo, é necessário que o poder público resgate os direitos civis do cidadão brasileiro, os quais, até hoje, continuam muitos deles inacessíveis à maioria da população.

            Mauro Cappelleti afirma que há barreiras ao acesso à justiça. Uma barreira fundamental é a do acesso dos despossuídos à justiça, porém essas barreiras não afetam apenas os pobres. [278] Para nós, o acesso à justiça depende do acesso à educação, haja vista que, sem conhecimentos jurídicos básicos, em razão do baixo nível de educação, o cidadão não terá condições de utilizar os instrumentos de tutela constitucional e, tampouco, as medidas judiciais. Segundo Boaventura de Souza Santos, estudos revelaram que:

            "a discriminação social no acesso à justiça é um fenômeno muito mais complexo do que à primeira vista pode parecer, já que, para além das condicionantes econômicas, sempre mais óbvias, envolve condicionantes sociais e culturais resultantes do processo de socialização e da interiorização de valores dominantes muito difíceis de transformar. (…) Estudos, também, revelaram que a distância dos cidadãos em relação à administração da justiça é tanto maior quanto mais baixo é o estrato social a que pertencem, e que essa distância tem como causas próximas não apenas fatores econômicos, mas também sociais e culturais…"

[279]

            No mesmo sentido, mas em relação aos princípios que informam o acesso à justiça, o professor Paulo Cezar Pinheiro Carneiro afirma o seguinte:

            "O conhecimento dos direitos que temos e como utilizá-los é o ponto de partida e, ao mesmo tempo, de chegada para que o acesso à justiça seja real e alcance a todos."

            Prosseguindo, observa ainda o autor:

            "O direito à informação, como elemento essencial para garantir o acesso à justiça em países em desenvolvimento como o nosso é tão importante como o de ter um advogado, um defensor, que estejam à disposição daqueles necessitados que, conhecedores dos seus direitos, querem exercê-los. Trata-se de pessoas que não têm condições sequer de serem partes – os "não-partes" são pessoas absolutamente marginalizadas da sociedade, porque não sabem nem mesmo os direitos de que dispõem ou como exercê-los; constituem o grande contingente de nosso país."

[280]

            Os remédios constitucionais, como o mandado de segurança (art. 5º, LXIX e LXX, b, da Constituição Federal) e outras garantias constitucionais, como veremos a seguir, são postos à disposição dos cidadãos para que estes provoquem a intervenção do Poder Judiciário (art. 5º, inc. XXXV da Constituição Federal). Alguns deles têm a natureza de ações e garantias constitucionais. Eles são instrumentos destinados a assegurar o gozo de direitos violados ou em vias de serem violados ou simplesmente não atendidos. [281]

            Em nível infraconstitucional, presente nas relações jurídicas educacionais, temos o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90, arts. 81, 82, 83, 84, 87 e 91), que introduziu pela primeira vez na legislação brasileira o conceito legal de interesses ou direitos coletivos; interesses ou direitos difusos; e interesses ou direitos homogêneos. [282] O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) destina o capítulo IV ao direito à educação (arts. 53 a 59), destacando-se o acesso ao ensino fundamental, obrigatório e gratuito, como direito público subjetivo. Da mesma forma, esse diploma legal recepcionou o princípio de acesso à justiça para toda criança ou adolescente (ver art. 141), para afinal reservar os artigos 208 a 224 para proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos próprios da criança e do adolescente, protegidos pela Constituição Federal e pela lei. [283]

            No mesmo sentido, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394, de 26.12.1996), no caput do art. 5º, estabelece que o acesso ao ensino fundamental corresponde a direito público. E menciona, também, quem está legitimado para acionar o Poder Público no caso de não oferecimento ou mesmo de oferta irregular do ensino público (art. 208, § 2º, da Constituição Federal), a fim de garantir o acesso ao ensino obrigatório. Neste caso, qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e ainda o Ministério Público (caput do art. 5º) têm legitimidade para proporem ações judiciais contra o Poder Público, com direito à gratuidade e rito sumário, como garantia à educação (art. 5º, § 3º, Lei nº 9.394/96). [284]

            Já em nível constitucional, por força do disposto no art. 129, III, ampliou-se a legitimidade do Ministério Público. Hoje, mais do que nunca, o ordenamento jurídico brasileiro elevou a ação civil pública, com ampliação de seu objeto, à categoria de ação constitucional. Reservou, igualmente, um importante papel ao Ministério Público, como guardião da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Trata-se, neste caso, de abertura da legitimidade para agir, mediante legitimação do Ministério Público e de corpos intermediários, como associações, entidades sindicais, partidos políticos e outras entidades organizadas para a defesa de interesses difusos e coletivos. O constitucionalista Maurício Antônio Ribeiro Lopes, a propósito, leciona:

            "O Ministério Público poderá demandar contra o poder público para exigir o acesso à educação pelos meios já expostos, com exceção do mandado de segurança coletivo, por lhe faltar legitimidade processual."

            Prossegue ainda o autor, com muita propriedade:

            "O Ministério poderá, principalmente, por força no disposto no art. 129, III, da Constituição Federal, art. 25, inc. IV, a, da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), no art. 5º da Lei nº 7.347/85, propor ação civil pública e nos arts. 201, inc. V, e 210, inc. I, do Estatuto da Criança e do Adolescente."

[285]

            Uma pesquisa de campo realizada no Rio de Janeiro, nos últimos quatro anos, sobre os Juizados Especiais Cíveis e ação civil pública, revelou que os órgãos públicos em geral (Ministério Público, Defensoria Pública e municípios) respondem por 87% das ações civis públicas propostas, cabendo às associações a parcela de 10,34%, sendo 44% na defesa aos direitos relativos ao meio ambiente. [286] Vê-se, então, que o acesso à Justiça, principalmente em defesa de interesses individuais homogêneos, em matéria educacional, fica dependente da iniciativa do Ministério Público. Para nós, a proteção dos direitos ou interesse homogêneos nas relações jurídico-educacionais, através da ação civil pública, é uma importante contribuição para a área do direito educacional.

            Entendemos, por iguais razões, que o Ministério Público e a ação civil pública são instrumentos eficazes de tutela à educação nos conflitos específicos entre os atores que fazem parte desse cenário: instituições de ensino, governo, alunos ou responsáveis pelos alunos, funcionários administrativos e professores. Aqui o Poder Judiciário ganha maior destaque e utilidade quando tutela interesses transindividuais na área educacional. aliás, já comentamos que a jurisprudência dos tribunais, no que concerne à matéria educacional, tem colaborado efetivamente para a sistematização e a autonomia do direito educacional. A adequação da doutrina com a jurisprudência em torno do direito público subjetivo à educação, do Ministério Público e da ação civil pública contribui efetivamente para um tratamento sistemático sobre o assunto. É inegável, a nosso ver, que a iniciativa do Ministério Público sobre questões de direito educacional tem aumentado:

            "Não é ilegal a exigência de contrato de prestação de serviços educacionais como condição de matrícula em colégio particular. Na verdade, a lei não define o chamado direito difuso, embora dele outra ilação não se possa tirar senão a de que só restará caracterizado quando não se consiga precisar a quem pertence tal interesse. Os exemplos mais freqüentes são o meio ambiente e o ar que todos respiram. Assim, na relação contratual aluno—escola particular não há interesse coletivo na sua universalidade, ou difuso, mas partes certas, determinadas e conhecidas. Contudo, esta Corte vem admitindo, reiteradamente, ação do Ministério Público em ações idênticas, razão pela qual se afasta a ilegitimidade proclamada."

(TJ - SC - Ac. Unân. da 2ª Câm. Civ., publicada em 21.05.93. AI 7.171 - Rel. Des. Xavier Vieira - Colégio São José x Ministério Público.)

            "As ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular do ensino obrigatório regem-se pelas disposições do ECA (art. 208, I), ostentando o Ministério Público legitimidade para promovê-las (EC, art. 201, incs. V e IX)." (TJSP, agr. 39.392.0/8, Rel. Des. Luís de Macedo, 30.07.98.)

            "O mandamus que visa assegurar a criança com sete anos incompletos matrícula no ensino fundamental obrigatório e gratuito qualifica-se como ação civil mandamental, fundada no direito individual das crianças a tal ensino, competindo à Justiça da Infância e da Juventude conhecer e julgá-las nos termos do art. 148, inc. IV, e 209 do ECA." (TJSP, apel. 42.840-0/0, Rel. Des. Djalma Lofrano, 04.06.98.)

            Dentro da ordem de garantias das partes no processo educacional, o mandado de segurança é um remédio jurídico de largo emprego na área escolar, educativa e acadêmica, protegendo o estudante, o professor, o servidor, a escola e a universidade. Este procedimento já tem emprego tradicional na educação.

            "Compete à Justiça Federal processar e julgar mandado de segurança contra ato praticado por dirigente de estabelecimento particular de ensino superior."

(STJ - Ac. unân. da 1ª Seç. Públ., em 16.08.93 - Confl. Comp. 4.923-3 DF. Rel. Min. Hélio Mosimann - Diretório Central dos Estudantes do Centro de Ensino Unificado de Brasília (DCE-CEUB) x Presidente do Centro de Ensino Unificado de Brasília - Advª Theresinha Moura.)

            "Cuidando-se de litígio entre estudante e estabelecimento de ensino particular, em torno da validade da matrícula obtida por força de liminar ante sua aprovação em exame vestibular, a competência é da Justiça estadual." (TJ/RJ - Ac. unân. da 2ª Câm. Civ., em 13.04.93. Relª Desª Maria Stella – Sociedade Brasileira de Instrução x Marcela Rodrigues Machado.)

            Parece-nos, porém, que apenas com a existência dos instrumentos de tutela à educação, sem o desenvolvimento de políticas públicas na área da educação, não teremos uma real garantia de direito à educação. Neste caso, vale lembrar os ensinamentos do renomado jurista Pontes de Miranda: "resolver o problema da educação não é fazer leis, ainda que excelentes: é abrir escolas, tendo professores e admitindo alunos" [grifos nossos]. [287] O magistrado Urbano Ruiz, por sua vez, comentou, no jornal Folha de São Paulo:

            "O que fazer se a Constituição Federal (art. 205) declara: educação é direito de todos e dever do Estado e da família, tanto que o ensino fundamental é obrigatório e gratuito (ECA, art. 54, inc. I). Entretanto, num caso concreto, faltam vagas na rede de ensino público. Segundo ele, problema dessa ordem foi eficientemente resolvido, recentemente, na cidade de Rio Claro (SP), onde o promotor de Justiça, dando-se conta dessa tragédia, resolveu apurar junto à Delegacia de Ensino quantas vagas faltavam no ensino fundamental, de responsabilidade do município, e promoveu ação civil pública (ECA, art. 211, § 2º), além de responsabilizar penalmente o prefeito, se comprovada a sua negligência (art. 5º

caput e parágrafos 3º e 4 º da LDB). O juiz, logo após a audiência prévia dos interessados, determinou, liminarmente, a criação das vagas faltantes, de maneira que, a todas as crianças em idade escolar, fosse garantido o direito à educação." [288]

            Este é um exemplo real da eficácia do direito público subjetivo à educação. Os remédios ou garantias constitucionais colocados à disposição do cidadão comum e dos operadores do direito (advogados, promotores públicos, juízes, defensores públicos, procuradores) já são conhecidos, até porque são utilizados na composição dos conflitos educacionais: ação civil pública, mandado de segurança, mandado de injunção, habeas data – citamos alguns deles que têm emprego tradicional na educação. É certo que, além dos instrumentos de tutela à educação já mencionados, existem outros direitos e garantias constitucionais que não se referem expressamente à educação nem ao ensino. Assim, há outros instrumentos ou mecanismos postos à disposição de alunos, instituições de ensino e governo que integram a relação jurídica educacional.

            Há institutos e normas jurídicas do direito civil, do direito do consumidor e do processo civil aplicadas nas relações jurídicas educacionais. O contrato escolar, por exemplo, faz parte das relações juspedagógicas, visto que um estabelecimento de ensino, seja particular ou público, celebra contrato de adesão escrito ou tácito com os alunos. É possível, então, que ocorram casos de não cumprimento das cláusulas contratuais ou da prestação de serviços educacionais e, por isso, surjam os pedidos de tutela jurisdicional. Nas causas educacionais ocorrem, também, pedidos específicos de indenização por danos morais, obrigação de fazer, obrigação de não fazer, com tutela antecipada, que exigem respostas do Poder Judiciário (arts. 15 a 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente; arts. 6º, 42, 46, 83, 84 do Código de Defesa do Consumidor; art. 3º da Lei nº 9.099/95; arts. 878, 882 do Código Civil; art. 273 do Código do Processo Civil); Lei 9870, de 23 de novembro de 1999. ( Anuidades Escolares )

            Na investigação das relações entre educação e direito é preciso pesquisar mais a fundo a competência dos Juizados Especiais Cíveis. É inegável, no entanto, a importância do Juizado Especial Civil instituído pela Lei nº 9.099/95, nas causas de menor complexidade ou de reduzido valor econômico (art. 3º). Neste caso, podemos incluir os conflitos jurídicos específicos entre as instituições de ensino e os alunos, diretamente ou por meio de suas famílias. [289] Aqui, com a opção pelo procedimento do Juizado, onde prevalece a técnica de composição dos conflitos através da conciliação, evitam-se seqüelas entre alunos ou pais de alunos, instituição de ensino e a sociedade em geral.

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Sobre o autor
Nelson Joaquim

advogado, mestre em Direito pela UGF, especialista em Direito Civil, Romano e Comparado, professor da Universidade Estácio de Sá

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JOAQUIM, Nelson. Educação à luz do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1081, 17 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8535. Acesso em: 25 nov. 2024.

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