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Educação à luz do Direito

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17/06/2006 às 00:00
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

            No início desta dissertação destacamos a seguinte indagação: como o direito tem visto e contribuído para a educação brasileira? De certo modo, ao longo da investigação, conseguimos demonstrar as relações existentes entre educação e direito. Tentou-se, da mesma forma, mostrar as contribuições do direito para a superação da fase legislativa da educação e, por conseguinte, para a sistematização do direito educacional. Chegamos agora à etapa final da dissertação, mas sem pretensões de concluí-lo de forma definitiva, visto que a ciência é um processo de construção. Justifica-se por isso, também, não apresentarmos uma análise conclusiva, em virtude da característica incipiente e inovadora do direito educacional.

            Contudo, não nos furtaremos a apresentar um esboço modesto das principais idéias contidas na dissertação e de expor nossa posição no que diz respeito à sistematização e à possível autonomia do direito educacional. Parece-nos que a educação e o direito não expressam apenas o que existe, mas sobretudo o que se deseja e aquilo por que se luta. Decorre daí o fato de termos utilizado um enfoque interdisciplinar e crítico, embora preservando o núcleo de idéias vinculadas à educação e ao direito.

            Devido a abrangência do tema e seu estudo recente, no capítulo I procurou-se delimitar a análise histórico-conceitual acerca das diferentes concepções de educação para facilitar a compreensão das relações entre educação e direito. Com isto, percebeu-se o aspecto positivo das contribuições da filosofia, teologia, sociologia e pedagogia para o nosso tema. Aliás, nesse capítulo, observamos que, ao contrário do direito contribuir para a educação, as diferentes concepções da educação contribuíram para a construção do conceito jurídico de direito à educação.

            Da mesma forma, discutiu-se a idéia da educação como dever do Estado e direito social do cidadão como contribuições efetivas na defesa do direito público subjetivo à educação. Ademais, o enfoque interdisciplinar adotado ao longo do primeiro capítulo permitiu o levantamento bibliográfico de vários autores clássicos que expressaram suas concepções sobre a educação. Destacamos, aqui, o filósofo e educador americano John Dewey como paradigma para resumirmos a concepção democrática de educação em três épocas diferentes.

            As idéias desse autor, como vimos, tiveram grande peso no movimento escola nova no Brasil e, por conseqüência, exerceram influência na formação de Anísio Teixeira, educador brasileiro que seguiu a perspectiva do pragmatismo filosófico e educacional de Dewey. Para Anísio Teixeira, uma efetiva renovação educacional somente é possível se fundamentada em rigorosas bases científicas.

            Constatamos, também, a importante contribuição do jurista e filósofo do direito Pontes de Miranda, com sua obra inédita na área de sociologia jurídica publicada em 1933, intitulada Direito à educação. Iniciava-se, então, uma longa luta pelos direitos à educação e pelos direitos subjetivos públicos à educação no Brasil.

            No segundo capítulo, iniciamos a investigação da relação entre o direito e o direito educacional. Para isto, adotamos a concepção do direito como ciência jurídica para depois introduzir o estudo do direito educacional. Trata-se de um aspecto positivo da análise, como contribuição para a superação da fase legislativa da educação e aplicação da teoria tradicional do direito ao direito educacional, novo ramo da ciência jurídica. São evidentes as dificuldades de conceituação do direito, quer seja como ciência jurídica ou doutrina jurídica, quer seja na condição de teoria da norma. Igualmente observamos que há dificuldades na conceituação do direito educacional, até porque trata-se de um novo ramo do saber jurídico, que depende reciprocamente dos estudiosos e especialistas das áreas de educação e do direito.

            Todavia, de certo modo conseguimos apresentar alguns conceitos do direito educacional que contribuem para a construção da doutrina ou da ciência jurídica educacional. Nesse sentido, parece válido destacar o conceito do educador e jurista Edivaldo Boaventura, que concebe o direito educacional como "um conjunto de normas, princípios e doutrinas que disciplinam a proteção das relações entre alunos, professores, escolas, família e poderes públicos, numa situação formal de aprendizagem".

            No capítulo terceiro fizemos um esforço epistemológico para introduzir as tradicionais fontes do direito e de princípios do direito na investigação e sistematização do direito educacional. Optamos, portanto, pelas fontes formais da teoria tradicional (lei, costumes, jurisprudência e doutrina), para, em seguida, analisar os princípios do direito e do direito educacional.

            Nesse contexto, por termos adotado no Brasil o sistema jurídico da tradição romanista (Civil Law) – ao contrário dos Estados Unidos da América e da Inglaterra, que adotaram o da tradição anglo-americana (Commom Law) –, a legislação é a principal fonte do direito e, por conseguinte, uma das expressões mais importantes do direito educacional.

            A fonte primeira do direito educacional no Brasil, como vimos, está na Constituição Federal, desde a Constituição do Império (Constituição de 1824), até o nosso recente texto constitucional de 1988. A atual Constituição recepciona, em matéria educacional, dez artigos (arts. 205 a 214), assim como apresenta o conceito legal de direito à educação como direito público subjetivo de caráter cogente e coercitivo. Além disso, identificamos outras leis que fluem da Constituição em direção à construção do ordenamento jurídico educacional. Assim, temos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394, de 26.12.1996) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13.07.1990), que destinou os artigos 53 a 59 ao direito à educação, além de outras legislações e normas dispersas, mas que tratam da matéria educacional. Procuramos demonstrar que, dentro da categoria legislação educacional, além de leis emanadas do Poder Legislativo e de medidas provisórias (arts. 59 a 69 da Constituição Federal), temos resoluções, pareceres normativos dos Conselhos de Educação, atos administrativos normativos – decretos, regulamentos, regimentos –, instruções e portarias do Ministério e das Secretarias de Educação, regimentos escolares e tratados e convenções internacionais. No caso da internacionalização do direito à educação, destaca-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948 (art. XXVI), que universalizou o direito à educação com base na gratuidade do ensino público, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. Igualmente destacamos as recentes recomendações da comissão internacional sobre educação para o século XXI, contidas no relatório para a UNESCO, bem como o Plano Nacional de Educação, que estabelece as diretrizes, objetivos e metas que devem ser seguidas por todas escolas do Brasil.

            No que concerne aos costumes como fonte do direito, procuramos explicar que há uma força maior do direito costumeiro em certos sistemas de direito (como na tradição anglo-americana da Commom Law) e em alguns ramos do direito (direito comercial, ramos do direito público e misto). Adotamos no Brasil o sistema da Civil Law, com o direito à educação legislado e seguindo o método dedutivo-teórico no contexto educacional.

            Contudo, no caso do direito educacional, pela própria natureza social e fundamental do direito à educação, observamos a predominância de normas do direito público. Acrescente-se que alguns usos e costumes utilizados no âmbito da educação já estão incorporados nas legislações educacionais em nível constitucional e infraconstitucional. Neste caso, por se tratar de ramo novo do direito, temos nos costumes uma fonte importante para o direito educacional.

            Dentre as fontes do direito, observamos que a jurisprudência tem muito de semelhante ao costume, mas destacando-se por concentrar nos Tribunais Superiores as soluções dos casos concretos submetidos ao seu julgamento. Procuramos demonstrar a importância da jurisprudência como fonte do direito educacional, inclusive mencionamos a jurisprudência administrativa nas decisões dos colegiados (Conselhos de Educação). Salientamos, no entanto, que a jurisprudência em matéria educacional, embora incipiente na esfera jurídica, vem marcando as relações juspedagógicas entre poder público, alunos e estabelecimentos de ensino. A nosso ver, é o momento de os estudiosos do direito procurarem conhecer o entendimento da jurisprudência, e de os operadores do direito conhecerem e aplicarem a legislação educacional, como forma de provocar a manifestação do Poder Judiciário, contribuindo, assim, para o progresso da ciência jurídica e a consolidação do direito educacional como novo ramo do direito.

            Por último, nessa linha das fontes do direito, apresentamos uma questão controvertida, a de se a doutrina constitui ou não uma fonte jurídica. De certo modo, o fato de ser ou não ser fonte do direito não retira, como vimos, a importância da doutrina como contribuição efetiva para a construção de uma doutrina homogênea e sistematizada do direito educacional. Contudo, pode-se observar, não obstante a existência de contribuições efetivas de alguns educadores e juristas, que o direito educacional carece de um acervo doutrinário. Para tanto, faz-se necessária uma permanente investigação das relações entre educação e direito, e, de modo geral, neste trabalho avançamos nessa investigação, ao realizarmos o levantamento bibliográfico na área de direito educacional. Certamente outras contribuições surgirão para o aprofundamento da doutrina do direito educacional, como é o caso da tese de livre-docência Contribuição à sistematização do direito educacional, de 1981, do educador e jurista Renato Alberto Teodoro Di Dio.

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            Ao examinarmos os princípios do direito em matéria educacional, observamos que a concepção moderna, que entende os princípios enquanto norma jurídica, introduziu-se no direito educacional a partir da Constituição de 1988, da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação e do Estatuto da Criança e do Adolescente. De certo modo, surgiram princípios e institutos jurídicos próprios do direito educacional. Pode-se observar, também, que o capítulo III, seção I, destinado à educação (arts. 205 a 214 da Constituição Federal) não deve ser analisado e interpretado de forma autônoma. Precisa, ao contrário, harmonizar-se com os princípios fundamentais do Estado democrático de direito (arts. 1º e 3º da Constituição Federal) e os princípios fundamentais dos direitos e garantias do homem (arts. 5º caput e seguintes do capítulo I da Constituição Federal).

            Finalmente, a questão básica do capítulo IV consistiu na longa discussão da doutrina sobre direito público subjetivo à educação. Pontes de Miranda, como vimos, foi o primeiro jurista brasileiro a discutir, definir e defender o direito à educação como direito público subjetivo. Ele avançou tanto ou mais do que os próprios educadores nessa matéria educacional. Destacamos, ainda, a importante e marcante contribuição da Constituição de 1934, pois foi a primeira vez em que um texto constitucional brasileiro tratou a educação como direito de todos, embora não tenha recepcionado norma sancionadora ao Estado por falta de prestação educacional. Chegou, afinal, com a promulgação da Constituição de 1988 e o seu correspondente em nível infraconstitucional, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96), o momento de atender aos antigos reclamos da doutrina de um direito à educação cuja prestação pudesse ser exigida do poder público através de ação contra a União, o estado e o município.

            Outro aspecto positivo foi o levantamento, apesar de incipiente, dos mecanismos ou instrumentos de tutela à educação destinados a facilitar e garantir o acesso à justiça em matéria educacional. Entretanto, concluímos que o acesso à justiça depende primeiro do acesso à educação, pois, sem conhecimentos jurídicos básicos, em razão do baixo nível educacional, o cidadão não terá condições de conhecer e utilizar os mecanismos processuais destinados a garantir os seus direitos nas causas educacionais.

            Aqui vale lembrar que não tratamos o direito como ciência jurídica, tampouco como teoria, mas sobretudo como utilidade e praticidade, ou seja, houve um esforço para demonstrar como se aplica e se realiza o direito educacional. Para tanto, utilizamos como paradigma uma pesquisa de campo realizada no Rio de Janeiro nos últimos quatro anos, que tratou dos Juizados Especiais Cíveis e da ação civil pública, bem como da aplicação e prática de tais leis. Pôde-se observar, ainda, que o Ministério Público e a ação civil pública são instrumentos eficazes de tutela à educação nos conflitos específicos entre instituições de ensino, governo, alunos ou responsáveis pelos alunos. Identificamos, também, outros mecanismos de acesso à justiça colocados à disposição do cidadão comum e dos operadores do direito (advogados, promotores públicos, defensores públicos e juízes de direito) em matéria educacional. Ressaltamos, por fim, a importância dos Juizados Especiais nas causas educacionais de menor complexidade ou de reduzido valor econômico.

            Neste contexto de argumentação, não é impróprio falar-se da existência de um direito educacional, embora de formulação recente, como novo ramo da ciência jurídica. Atendendo o nosso propósito inicial, conseguimos realizar uma investigação sobre as relações entre a educação e o direito. Além disso, ao longo da pesquisa tratamos o direito como ciência e procuramos sistematizar o conhecimento do direito educacional, mantendo as contribuições recíprocas de educadores e juristas. Nesse sentido, houve um esforço epistemológico em apresentar conceituações coerentes; em fazer um estudo amplo, articulado e adequado à disciplina; em adotar uma metodologia de caráter interdisciplinar, dada a própria natureza do campo investigado; em contribuir para a construção de doutrinas homogêneas; em apresentar os novos institutos e princípios próprios do direito educacional.

            Por tudo isso, embora a investigação deva ser aprofundada nas interfaces do direito educacional com outros ramos do saber jurídico e do conhecimento. Podemos considerar o direito educacional como um conjunto de regras, procedimentos, normas e princípios jurídicos, que disciplinam as relações juspedagógicas entre alunos, professores, estabelecimento de ensino, poder público e investiga as interfaces com outros ramos do direito, no âmbito do processo ensino-aprendizagem.

            Portanto, o direito educacional tem todas as condições de reconhecimento de sua autonomia e da especialização, como novo ramo do direito. 290. Além disso, a relação entre educação e o direito pode ser aprofundada pelos educadores e juristas, tendo como aliado o direito educacional para cultivar e proteger a educação no terceiro milênio.

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Sobre o autor
Nelson Joaquim

advogado, mestre em Direito pela UGF, especialista em Direito Civil, Romano e Comparado, professor da Universidade Estácio de Sá

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JOAQUIM, Nelson. Educação à luz do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1081, 17 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8535. Acesso em: 25 nov. 2024.

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