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Comissões parlamentares de inquérito:

a estrutura deficitária e o peso da verdade nas intervenções do Supremo Tribunal Federal

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02/07/2006 às 00:00
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4 RELAÇÕES ENTRE STF, PT E IMPRENSA

De fato, significa uma profunda distorção da liberdade de imprensa, que a conquista essencial das democracias modernas e das nações civilizadas, a pretensa transformação de jornalistas em autoridades judicantes. A liberdade que têm os profissionais de comunicação de informar e, mais importante do que isso, o direito que tem a população de ser informada não podem ser justificativas para a divulgação irresponsável de fatos não-comprovados, coisa capaz de prejudicar, de modo às vezes irreversível, a reputação das pessoas.

Luís Nassif

4.1 Suspeição e imparcialidade das decisões do Supremo

O código de processo civil pátrio trata expressamente em determinados dispositivos da suspeição dos magistrados. Trata-se, em apertada síntese, de incidente processual que visa revelar quesito subjetivo, ou seja, característica de ordem pessoal como, por exemplo, amizade entre o juiz e qualquer uma das partes. Deve ser argüido, segundo o art. 138, §1º do citado diploma, pela parte interessada em petição fundamentada na primeira oportunidade que tiver para falar nos autos. Dispõe o art. 135, V do CPC: "Reputa-se fundada suspeição de parcialidade do juiz, quando interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes". Entretanto, em seu parágrafo único, o dispositivo legal coloca a possibilidade de o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.

Feita esta breve explanação, verifiquemos o rol de ministros do Supremo Tribunal Federal indicados pelo atual governo: Eros Grau, Carlos Ayres Britto, Antônio Cezer Peluso, Joaquim Benedito Barbosa Gomes e Enrique Ricardo Lewandowski. Devemos ressaltar que, apesar de indicado ao STF pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, o Ministro Nelson Jobim deixa o judiciário para filiar-se ao PMDB e apoiar o Partido dos Trabalhadores nas eleições deste ano. Resta comprovado que as afirmações de que Jobim era o líder do PT no Supremo tinham certo respaldo verídico.

Devemos observar que, considerando que a composição do Supremo é feita por indicação presidencial, podemos assumir, portanto, que os ministros acabam, de certa forma, possuindo vínculo político. Há considerável discussão sobre a possibilidade de mudar a forma de composição da Suprema Corte, mas enquanto outra maneira não se estabelece, verifiquemos a problemática gerada pelo sistema atual.

Em entrevista à revista IstoÉ de 26/03/2006 (p. 32), o Ministro Marco Aurélio defende a teoria de que as decisões do judiciário não estão contaminadas pelo política e que, na verdade, existem diferentes leituras a respeito de determinado assunto e os enfoques dados representam interesse diverso. Pressupõe-se, segundo ele, que as decisões estão de acordo com a ordem jurídica. Questionado sobre a maioria de integrantes nomeados pelo governo petista, Marco Aurélio afirmou: "Não se agradece o convite com a toga. Cada qual só deve se curvar à própria consciência".

Apesar da visão do Ministro Marco Aurélio, verificamos ao longo da pesquisa de campo que acompanhou diversas decisões do Supremo Tribunal Federal referentes às Comissões Parlamentares de Inquérito, parcialidade duvidosa que, geralmente, aliviava os picos da crise política instaurada no governo Lula, dando sobrevida a indiciados como, por exemplo, no caso de José Dirceu. Inicialmente foi concedida liminar a deputados do PT para suspender processo disciplinar, tal liminar foi estendida pelo Ministro Carlos Velloso a Dirceu. A suspensão foi concedida por Jobim em 15/09/2005 e reformulada no sentido de dar seguimento aos processos disciplinares em outubro do mesmo ano; tudo isso para que fosse apresentada defesa. Ressalte-se a letargia para apresentar o que no Mandado de Segurança foi pedido liminarmente, oportunidade de defesa. Um mês a mais de sobrevida aos os petistas nesta ocasião, dentre eles: João Paulo Cunha e José Dirceu, obviamente (MS 25.539/DF).

4.2 Imprensa e judiciário

Nos procedimentos internos do discurso, isto é, aqueles que Foucault coloca como reguladores de sua própria estrutura, ressaltamos o comentário, que permite a construção indefinida de novos discursos e desvela um desnível entre o primeiro e o segundo textos, desnível este que tem papel solidário na visão de Foucault (2000, p. 22). Em suma, os comentários acabam por dizer o que estava silenciosamente articulado no texto original.

Dentre a imensidão de conteúdo disseminado por infindáveis discursos, surge a figura do temor à desordem que pode ser gerada. Para compreender tal desordem o autor recomenda que se proceda a um questionamento da vontade de verdade, restituição do caráter de acontecimento ao discurso e suspensão da soberania do significante (FOUCAULT, 2000, p. 51).

Com base nos apontamentos feitos por Foucault, focalizando a imprensa como comentarista principal dos fatos políticos, trazemos a observação feita por Cláudio Baldino Maciel (1998, p. 112): "É habitual que as câmeras não se encontrem em determinado lugar porque ali algo acontece. Muitas vezes, algo acontece porque ali estão as câmeras". Defende, ainda, a relevância da manipulação de dados valendo-se da linguagem emocional e persuasiva para atingir a população e vender as informações sem preocupação com a veracidade, mas em torná-la assimilável e, por conseqüência de estar também submetida à lei da oferta e da procura, vendável (1998, p. 115).

Maciel ressalta (1998, p. 113) o fato da mídia, antes apenas próxima ao poder, hoje confundir-se com ele e capaz de introjetar valores e desvalores em grandes contingentes populacionais. Em entrevista à IstoÉ de 26/03/2006 (p. 32), o Ministro Marco Aurélio, perguntado sobre a leitura que a população faz das decisões do Supremo relacionadas às CPI’s e a provável contaminação política afirmou categoricamente: "A população é leiga". Reportando-nos mais uma vez ao texto de Maciel sobre mídia e judiciário (1998, p. 118), o autor coloca que "as técnicas de publicidade, incorporadas à linguagem geral da mídia, promovem, como foi visto, um processo de alienação". Permitindo-nos o óbvio, a imprensa não se preocupa em levar à sociedade explanação técnica.

A imprensa se apresenta em papel extremamente controverso, onde provavelmente não possa ser classificada como investigativa no caso das Comissões Parlamentares de Inquérito. Na realidade, as informações são manipuladas para que cheguem às mãos dos jornalistas e, conseqüentemente, divulgadas. Os sigilos tornam-se poderosa moeda de troca na política, exemplo disso podemos citar o ocorrido com o caseiro Francenildo Costa, episódio capaz de derrubar o então Ministro da Fazenda, Antônio Palocci.

Em sendo assim, limitada aos veículos de comunicação e sem conhecimento técnico, a sociedade por vezes condena atitudes acertadas do judiciário. Na referida entrevista do Ministro Marco Aurélio, a própria repórter – incluindo-se no rol de leigos – pergunta ao magistrado uma alternativa de mostrar à população o porquê do Supremo interferir em atos do Congresso ou, na visão social, garantir que alguém vá a uma CPI e não tenha que falar a verdade. Marco Aurélio reafirma que o Supremo Tribunal Federal é guardião da Constituição Federal e ressaltou consignação de Nelson Jobim já tratada no decorrer deste trabalho de que os equívocos são constantemente repetidos. Advertiu, ainda, que se paga um preço alto junto à sociedade na defesa da Carta Magna: "A população imagina que o STF passa a mão na cabeça de quem teve um desvio de conduta".

Temos que o estopim de toda a crise do governo Lula foi a entrevista concedida pelo ex-deputado Roberto Jefferson dissecando um largo esquema de corrupção que passava pelo caixa-dois eleitoral às mesadas recebidas por parlamentares pelo apoio na campanha e em decisões de relevante interesse para o governo. Neste caso, citemos Nilson Naves (2003, p. 7): "Pondo em foco a realidade brasileira, a imprensa tem muito a recomendar à Justiça; ocasionalmente, é essencial por constituir o único modo de trazer à tona situações ou fatos até então ignorados ou descuidados pela autoridade competente". Sem divulgação atrelada à amplitude do alcance das informações veiculadas na imprensa, fatos políticos como o citado sequer seriam apurados, ora, até mesmo o próprio governo afirmou ser prática corriqueira estabelecer esquema de caixa-dois. Investigar o que se julga ser uma banalidade política torna-se obrigatório pela cobrança social em razão da publicidade feita.

Estabelecida a importância da mídia, não podemos deixar de abordar os pontos negativos de sua atuação, principalmente no que Nilson Naves chamou de confusão entre interesse público e interesse do público (2003, p.7). Considerando que a condenação é efetivada em sentença judicial transitada em julgado, não é correto que a notícia leve a sociedade assumir que determinado sujeito é culpado antes mesmo do pronunciamento judicial, em virtude do que vimos anteriormente quando tratamos do princípio da presunção de inocência.

É provável que a maior problemática referente à mídia política ou judiciária esteja fundada na pressa para publicar notícias antes dos veículos concorrentes. Observamos inúmeros descuidos que, na maioria das vezes, advém de informações passadas aos jornalistas para prejudicar a pessoa investigada. A corrida pelo furo de reportagem não pode eximir o profissional da comunicação de responsabilidade (NAVES, 2003, p. 8).

A imprensa, reiteradas vezes, intencionalmente ou não, coloca o Poder Judiciário em situação delicada perante a coletividade atingida por suas publicações. Citemos como exemplo matéria publicada pela Folha Online em 28/03/06 (http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u77056.shtml) cuja manchete era: "Liminar do STF a favor de Okamotto irrita relator da CPI dos Bingos". A reportagem explicitava, em sua maior parte, a revolta do senador Garibaldi Filho em relação à decisão do Ministro Eros Grau em cancelar acareação que envolveria Paulo Okamotto, presidente do SEBRAE, em razão de erro formal na intimação que tratou da presença deste na CPI como simples depoimento.

A matéria citava Garibaldi Alves que, por sua vez, afirmava atrapalhar as investigações as inúmeras liminares concedidas contra os trabalhos realizados na Casa. Disse o senador: "Isso não pode continuar. Está na hora de haver um entendimento com o Judiciário sob o risco de não conseguirmos seguir com as investigações. O Poder Judiciário não pode definir se o depoimento é necessário ou não".

Ora, consideremos um homem-médio na interpretação desta notícia, tudo o levará a crer que o Supremo Tribunal Federal estava entravando o normal seguimento da chamada CPI dos Bingos. Em visita a seção de notícias do site do STF, observamos a notícia por outro ângulo, a manchete era: "CPI erra intimação e Supremo defere parcialmente liminar a Paulo Okamotto". Disponibilizava, inclusive, a íntegra da decisão proferida por Eros Grau no Mandado de Segurança nº 25.908/DF que aponta claramente o erro cometido pela CPI, vejamos:

(...) 14. No caso, há flagrante desvio de finalidade --- e, por isso mesmo, afronta à legalidade. O requerimento n. 038/06 visa à acareação [fls. 103/104] e o ato convocatório do Presidente da Comissão solicitava a presença do impetrante para prestar depoimento [fl. 111], providência expressamente negada pelos membros da CPI na sessão realizada no último dia 15 de março [fls. 106/109].

Se questionarem ainda preciosismo formal por parte do judiciário, a decisão esclarece, ainda:

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(...) 15. Como afirmei em outra oportunidade, a forma --- já ensinava Von JHERING --- é irmã gêmea da liberdade. Ela, a liberdade, enquanto não contemplada em forma que lhe dê concreção no mundo do dever ser existirá apenas como abstração. A forma jurídica por ela assumida retrata a sua evolução no tempo histórico.

É visível a trapalhada do próprio senador Garibaldi Alves, a própria CPI dos Bingos vetou possibilidade de novo depoimento e a intimação de Okamotto foi expedida com esta finalidade, mas do efeito pretendido ser a acareação. Voltemos à interpretação do homem-médio, a probabilidade de este percorrer o caminho por nós traçado, qual seja, buscar no Supremo Tribunal Federal a fundamentação para concessão da liminar que, obviamente, atrasou a apuração da CPI, é praticamente nula. O leitor comum aceita a manchete que demonstra a irritação do senador e volta-se contra o Poder Judiciário.

Durante sessão plenária do dia 23/03/2006, o Ministro Nelson Jobim mostrou preocupação, plenamente justificável conforme visto anteriormente, com a deturpação das decisões da Suprema Corte por parte da imprensa, que estaria responsabilizando o Tribunal pelos resultados das investigações das CPI’s.

Em pesquisa sobra a imagem do judiciário junto à sociedade brasileira e estudo que comprova o risco da democracia em face da ausência deste Poder na mídia, Luís Grottera (1998, p. 114) chega a percentuais alarmantes:

Perguntados se conhecem algum exemplo de quando a justiça foi feita no Brasil, 42% não conseguem citar um único exemplo. Diante da questão "Para que serve a Justiça no Brasil?", 26% responderam que "Para nada" e 28% divagaram ou deram respostas equivocadas. Diante de um quadro dessa gravidade, onde 86% afirmaram que "o Brasil é o país da impunidade", podemos dizer que a nossa sociedade vive no limiar de rompimento do Estado de Direito, da total banalização dos direitos individuais e de um alarmante sentimento mínimo de cidadania.

O autor atrela ao baixo nível educacional e à desinformação o fato do sistema democrático ter suas instituições clássicas perdendo significado em meio falhas e aparente ineficiência e, desta forma, procura-se substitutos para exercerem suas funções. Chegou a esta conclusão face à ilação facilmente obtida pela resposta dada ao seguinte questionamento: Quem ajudava mais a fazer justiça para a maioria dos brasileiros? 84% responderam "a mídia", enquanto 10% dos entrevistados citaram o judiciário (GROTTERA, 1998, p. 115).

A dificuldade do judiciário se comunicar com o povo resulta em brutal desgaste no relacionamento entre os dois. Grottera debate (1998, p. 115) a necessidade, portanto, de comunicação adequada a um povo como o brasileiro, de baixo acesso à cultura e à informação, dificultada por escassez de recursos, incompetência técnica e, principalmente, falta de interesse político em priorizar tal temática. Propõe diminuição do formalismo e aumento da interação.

Há que se advertir a responsabilidade social da imprensa, ultimamente preocupada apenas com seu papel no mercado. Grottera indica a paixão da mídia pela polêmica e do pouco, ou nulo, espaço para o exercício do diálogo. Em apertada análise sobre as relações dos Três Poderes com a mídia o autor apresenta a seguinte verificação: "o Executivo é o Poder noticiado; o Legislativo, o Poder criticado e o Judiciário, o Poder ausente" (1998, p. 116).

Assim, não podemos culpar exclusivamente os órgãos de imprensa pela impopularidade do Supremo Tribunal Federal junto à sociedade. Apesar da opinião do Ministro Marco Aurélio de que o STF paga caro por defender a constituição em virtude de o povo ser leigo, considerando o artigo de Luís Grottera, também é responsável por ter a população contra si a letargia do Poder Judiciário em se aproximar da sociedade.

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Sobre a autora
Giselle de Oliveira Coutinho

Servidora do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COUTINHO, Giselle Oliveira. Comissões parlamentares de inquérito:: a estrutura deficitária e o peso da verdade nas intervenções do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1096, 2 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8549. Acesso em: 28 mar. 2024.

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