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Comissões parlamentares de inquérito:

a estrutura deficitária e o peso da verdade nas intervenções do Supremo Tribunal Federal

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02/07/2006 às 00:00
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O primeiro capítulo deste trabalho apresentou cunho predominantemente dogmático, trabalhamos conceitos e contextos mais técnicos para que a análise da palavra e da verdade insertas nas Comissões Parlamentares de Inquérito e intervenções do Supremo Tribunal Federal ganhassem outro foco nos capítulos seguintes, o jurídico-sociológico. Visamos, na primeira parte, explanar aspectos referentes à técnica aplicada ao direito nos procedimentos em âmbito parlamentar para, a partir disso, desvelar as conseqüências, intencionais ou não, de determinados atos tais como pressão psicológica durante interrogatório, a relevante presença da mídia, autopromoção política, dentre outros.

O real objetivo das Comissões Parlamentares de Inquérito, perdido no emaranhado técnico e inúmeras confusões em torno de uma lei extremamente precária, insurge nos bastidores do Congresso Nacional. Das provocações ao Poder Judiciário, passando pelo despreparo quase que proposital para obtenção de determinadas informações, até o grande esquema de trocas políticas, principalmente em ano eleitoral.

Afastar os indiciados de suas legislaturas implica, também, em ganho nas urnas, ora, consiste em um concorrente a menos na disputa dos votos. Aproveitam-se da imprensa e do pouco esclarecimento da população para alavancar candidaturas, ressalte-se que o espaço na mídia acaba por ser integralmente gratuito, vez que há interesse em publicar os principais fatos – na maioria das vezes aqueles que mais chamam atenção, por qualquer meio ou fundamento – e, sendo assim, vale tudo na obtenção de autopromoção.

Neste ínterim, pesemos a relevância da verdade em todos os discursos, começando pelo da sociedade. O povo brasileiro espera das Comissões Parlamentares de Inquérito resultados não alcançados por sua competência, não se satisfaz com perdas de mandatos, esfaimado por prisões e punições que entendem como medidas mais drásticas. À sociedade não importa a verdade real, contenta-se com o exposto nos jornais e televisão como mostrou a pesquisa de Luís Grottera.

Já na política, conscientes do convencimento pela mídia, nossos parlamentares tentam, ao máximo, aproveitar o tempo de exposição nos veículos de comunicação. Aos indiciados, cabe mostrar ao povo sua inocência, cooperação com a investigação e incitar que está sendo alvo de manobras políticas realizadas pela oposição. Aos investigadores, por seu turno, o compromisso maior é com a condenação a qualquer custo, razão pela qual são freqüentemente atingidos por decisão do Supremo Tribunal Federal que, por mais justas que sejam, obstam os trabalhos de investigação a serem realizados.

O Poder Judiciário, por seu turno, restringe-se às relações processuais e à guarda constitucional sem, com isso, revelar qualquer preocupação com a compreensão de seus atos relativos às Comissões Parlamentares de Inquérito. O distanciamento social faz com que o povo volte-se contra o judiciário e suas decisões, ainda que estas sejam corretas.

Concluímos, ante o que foi exposto no decorrer deste trabalho, que os problemas de uma Comissão Parlamentar de Inquérito estão muito além de mera formalidade como, por exemplo, lei regulamentadora ultrapassada e deficitária. As investigações são impulsionadas por enorme esquema de troca de favores políticos, a busca pela verdade real acaba por tornar-se mera ficção pautada pela imprensa e pela ignorância popular. Desta forma, quanto mais distante da sociedade o Poder Judiciário insistir em permanecer, por mais tempo irá perdurar o sentimento de que suas decisões constituem meros óbices investigatórios e em nada contribuem com a democracia brasileira.


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Sobre a autora
Giselle de Oliveira Coutinho

Servidora do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COUTINHO, Giselle Oliveira. Comissões parlamentares de inquérito:: a estrutura deficitária e o peso da verdade nas intervenções do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1096, 2 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8549. Acesso em: 26 abr. 2024.

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